Acórdão nº 18093/21.5T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-04-21

Ano2022
Número Acordão18093/21.5T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 18093/21.5T8PRT.P1 (apelação)
Comarca do Porto - Juízo Local Cível - J 2

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
I..., S.A., com NIPC ..., com sede na Travessa ..., ... Vila Nova de Gaia, intentou, a 5.11.2021, nos termos do art.º 362º do Código de Processo Civil, Procedimento Cautelar não especificado, contra
AA, com o NIF ..., residente na Rua ..., ..., ..., Porto, e na Av. ..., ..., ..., ..., alegando essencialmente --- e no que mais pode relevar para a apreciação do presente recurso --- que, na qualidade de locatária, celebrou um contrato de locação financeira relativamente ao veículo com a matrícula ..-..-VX, marca BMW, Modelo ..., que, no entanto, está a ser utilizado pela Requerida sem qualquer fundamento, arrogando-se ela o direito de não o entregar à Requerente por lhe ter sido oferecido pelo anterior administrador da I..., S.A., mais se recusando a assumir a posição de locatária no referido contrato de locação.
Esta situação está a causar prejuízo à Requerente, cujo escopo é o lucro e não a oferta de veículos a quem quer que seja, para mais um veículo relativamente ao qual está privada do uso, continua a pagar as respetivas rendas, vai perdendo valor no mercado (atualmente de cerca de €220.000,00) e pode ser perdido ou sonegado pela Requerida.
Solicitou, a Requerente, dispensa do contraditório e concluiu o seu articulado com o seguinte pedido:
«Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá a presente providência cautelar ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência ser ordenada a:
(i) Apreensão imediata do veículo com a matrícula ..-..-VX, bem como
(ii) decretada a inversão do contencioso».

Dispensado o contraditório por despacho fundamentado, foram produzidas provas e decretada a providência em diligência que teve lugar no dia 22.11.2021 (cf. ata respetiva), com o seguinte dispositivo:
«São termos em que, ao abrigo das disposições legais supra referidas, nestes autos de procedimento cautelar comum, em que é requerente I..., S.A. e em que é requerida AA, julgo o procedimento cautelar procedente e, consequentemente, decido:
A- Ordenar a apreensão e entrega à requerente, do veículo automóvel, com a matrícula ..-..-VX, Marca BMW, Modelo ..., com o número de identificação de veículo ..., a efectuar pelo Exmo. Agente de Execução indicado pela requerente;
B- Ao abrigo do disposto no art. 369 nº 1 do Código de Processo Civil, decretar a inversão do contencioso, dispensando a requerente do ónus de interpor a acção principal.
*
Custas nesta fase pela requerente (art. 539 do Código de Processo Civil), fixando-se ao presente procedimento cautelar o valor oferecido no requerimento inicial.»
25.11.2021.
Em 29.11.2021, foi junto aos autos pela agente de execução nota de citação a Requerida, como tendo ocorrido no dia 25.11.2021, com informação de dilação de 5 dias.
No dia 15.12.2021, a Requerida fez dar entrada em Juízo do requerimento de oposição, em cujos termos invocou a incompetência territorial do tribunal.
Para além disso, alegou a omissão intencional, pela Requerente, da pendência de uma ação, instaurada no dia 30.9.2021, onde aquela foi citada no dia 13.10.2021 e onde se discute a questão da titularidade do veículo, o que impede a inversão do contencioso nestes autos.
Impugnou grande parte dos factos alegados pela Requerente e alegou que o veículo estava na sua posse por lhe ter sido oferecido pelo falecido administrador da Requerente, BB.
Passou depois a Requerida a negar a verificação dos pressupostos da providência cautelar arguida pela I..., S.A., designadamente a existência de perigo de sonegação do veículo.
*
O tribunal admitiu a oposição e a possibilidade de decidir a matéria em causa sem necessidade de produção de mais provas, e ordenou a notificação da Requerente para se pronunciar quanto à matéria de exceção invocada na oposição.
A Requerente exerceu o contraditório. Invocou a extemporaneidade da oposição, alegando essencialmente que, tendo sido a Requerida pessoalmente citada a 25.11.2021, por ter estado presente no ato de apreensão do veículo, e não havendo lugar a dilação, o prazo da oposição terminou no dia 6.12.2015, não podendo a oposição ser apresentada, mesmo com pagamento de multa, para além do dia 9.12.2021.
Entendeu que, tendo sido a oposição oferecida no dia 15.12.2021, é extemporânea, devendo ser desentranhada.
Passou depois a Requerente a responder às exceções invocadas na oposição, alegando, além do mais, que o que está em causa no procedimento cautelar é a restituição da posse do veículo em relação ao qual a Requerida é locatária, e não o reconhecimento de qualquer direito de propriedade, que a Requerente bem sabe não existir. Ao longo de toda a petição inicial não foi em momento algum colocado em causa a propriedade do bem, nem foi pedida ao tribunal a restituição da posse do bem com base num direito de propriedade, mas sim no direito de fruição, característico do contrato de locação celebrado entre a Requerente e a ....
Considera a Requerente que, tratando-se de questões materialmente diferentes, não poderá afirmar-se se existe qualquer litispendência quanto ao tema, devendo ser desconsiderado tudo o que vem alegado nos artigos 10º a 15º da oposição e mantida a decisão de inversão de contencioso.
Concluiu a Requerente pela inteira confirmação da decisão judicial que decretou a providência cautelar e declarou a inversão do contencioso.
Foi proferida decisão final fundamentada que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Ponderado todo o exposto, julgo procedente a excepção inominada de inibição de propositura de acção, ao abrigo do disposto no art. 564 al. c) do Código de Processo Civil e, consequentemente, julgo procedente a oposição, determinando o levantamento da apreensão do veículo automóvel e ordenando a sua devolução à requerida, AA.
*
Custas do procedimento cautelar pela requerente, I..., S.A.;
Valor do procedimento cautelar: o oferecido com o requerimento inicial.
(…)»
*
É desta decisão que apela agora a Requerente, apresentando alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. No que respeita à questão prévia, cumpre ressalvar que na pronúncia à oposição da Recorrida veio a Recorrente alegar a extemporaneidade da mesma, porquanto o prazo para apresentação havia terminado em 6.12.2021 e aquela apenas foi apresentada em 15.12.2015.
B. Ora, tendo em consideração que a oposição foi apresentada passados 9 dias do término do prazo, a Recorrente pugnou pela exceção da extemporaneidade, requerendo que a mesma não fosse tida em consideração pelo Tribunal.
C. Não obstante, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a exceção apresentada, o que gera a nulidade da sentença, conforme dispõe a al. d, do nº 1, do artigo 615º do CPC, que expressamente se requer.
D. Atente-se que a matéria da extemporaneidade da apresentação da oposição, submetida à apreciação do Tribunal a quo pela Requerente, trata-se de matéria relativamente à qual o Tribunal não poderá deixar de se pronunciar expressamente, pelo que a omissão de pronúncia será geradora de nulidade da decisão judicial, sendo de extrema relevância, já que sem a oposição nem tampouco teria sido proferida a decisão recorrida.
E. No âmbito dos presentes autos veio a Recorrente requerer ao Tribunal que fosse apreciada a apreensão imediata do veículo com a matrícula ..-..-VX.
F. A causa de pedir prendia-se com o facto de a Recorrente ter um contrato de locação financeira ativo, que se encontrava a ser cumprido, não tendo a posse do bem locado.
G. Ou seja, apesar da Recorrente ser locatária do mencionado veículo não se encontrava a usufruir do mesmo, quando, na verdade, tal é um direito que lhe assiste, nos termos do nº 2 do art. 10º do DL 149/95.
H. Ora, em face de não se encontrar a usufruir do veículo e tendo interpelado a Recorrida para a entrega imediata do veículo, tendo esta recusado a mesma, veio interpor a competente ação, que o Tribunal a quo julgou procedente, ordenando a apreensão imediata do veículo com a matrícula ..-..-VX, por ter considerado bastante a prova feita quanto à existência do contrato de locação financeira, bem como por ter considerado que existia um risco sério de ocorrência de prejuízos.
I. Cumpre esclarecer que os requisitos que levaram ao decretamento da providência mantém-se e que a existência do contrato de locação – que legitima a apresentação da presente ação – nunca foi colocada em causa, nem na presente ação, nem na ação de simples apreciação.
J. Sucede que, foi a Recorrente notificada da decisão da qual se recorre por ter sido considerada procedente a exceção inominada de propositura de ação, ao abrigo do art. 564º, al. c) do CPC.
K. Tal ocorreu porque o Tribunal considerou que na ação declarativa que corre termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, sob o número 7243/21.1T8VNG, se discute a mesma questão do procedimento cautelar.
L. Ora, a decisão tomada assentou essencialmente em dois argumentos: (1) no facto de existir ação declarativa onde se discute a propriedade do bem; e (2) a Recorrente já ter sido citada para a mencionada ação.
M. Com toda a certeza, o Tribunal a quo não logrou compreender os argumentos vertidos no procedimento cautelar e na ação declarativa interposta pela Recorrida, porquanto existe uma diferença evidente no que está em causa em cada uma das ações.
N. Para tal basta analisar os pedidos que são feitos em cada uma das ações para compreender que no procedimento cautelar está em causa um direito de uso e fruição decorrente de um contrato de locação financeira e na ação declarativa interposta pela Recorrida está em causa o reconhecimento de direito de propriedade sobre o veículo.
Logo, as questões de direito são manifestamente diferentes.
O. Atente-se que na presente ação requereu-se a apreensão imediata do
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