Acórdão nº 180/21.1YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão180/21.1YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência Regulação e Supervisão:



I.–RELATÓRIO


NOVARTIS AG e NOVARTIS FARMA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A. intentaram a presente acção declarativa de condenação contra LABORATÓRIOS ANOVA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA., pedindo que a Ré seja condenada a:

a)-Abster-se de, por si própria ou através de terceiros, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, explorar a invenção protegida pelo CCP 315 e, nomeadamente, de fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio, utilizar e/ou importar os medicamentos genéricos que são objecto dos pedidos de AIM indicados no art. 88 da Petição inicial, ou de importar ou ter a posse de tais produtos para alguns dos fins mencionados, enquanto o CCP 315 permanecer em vigor;
b)-Abster-se de, por si própria ou através de terceiros, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, explorar a invenção protegida pelo CCP 315 e, nomeadamente, de fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no comércio, utilizar e/ou importar quaisquer medicamentos que contenham vildagliptina como substância activa, de forma isolada ou em associação com outras substâncias activas, ou de importar ou ter a posse de tais produtos para alguns dos fins mencionados, enquanto o CCP 315 permanecer em vigor.

Alegaram, em síntese, que:
-A Novartis Ag é titular, entre outras, da designação portuguesa da Patente Europeia nº 1137635 e do respectivo Certificado Complementar de protecção nº 315;
-A EP 635 permaneceu em vigor até 09/12/2019 e o CCP 315 foi concedido com base nessa EP e na Autorização de Introdução no Mercado do medicamento Galvus e que contém a substância activa vildagliptina como substância activa;
-A EP 635 protege o composto vildagliptina (em forma livre ou em forma de um sal de adição de ácido farmaceuticamente aceitável), as suas utilizações e também composições farmacêuticas compreendendo vidalgliptina;
-O CCP 315 entrou em vigor após a caducidade da patente base e caducará a 28/09/2022;
-O CCP 315 protege a substância activa vildagliptina isoladamente ou em associação com outra substância activa;
-Os medicamentos Galvus e Eucreas que contêm a substãncia activa vildagliptina e vildagliptina + metformina são indicados para o tratamento da diabetes mellitus tipo 2;
-A Novartis Ag e a Novartis Farma celebraram um contrato nos termos do qual a primeira concedeu à segunda uma licença para explorar, no mercado português, os direitos conferidos pela EP 635 e o CCP 315;
-A R. nunca solicitou, nem obteve o consentimento para explorar a invenção protegida pelo CCP 315;
-A R. pediu a AIM que contem a substância activa Vidagliptina, de 50mg, tendo como medicamento de referência o ‘Galvus’;
-O Genérico Vidalgliptina invade o âmbito da EP 635 e do CCP315 e por esse motivo as AA. têm o direito de impedir que a R. por si própria ou através de terceiros explorem a invenção protegida pelo CCP 315.
*

Regularmente citada, a ré não contestou.
*

Foi proferido despacho saneador-sentença, que decretou o seguinte:
“Posto isto, mais não resta a este tribunal que não absolver a R. “Laboratórios Anova – Produtos Farmacêuticos, Lda.” da instância por manifesta ilegitimidade processual desta, atenta a relação material controvertida configurada pelas AA. na sua petição inicial.
Custas pelas AA., cfr. art. 527º, 1 e 2 CPC
Registe e notifique.”
*

Inconformada com tal decisão, dela apelaram as Autoras, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

A.–OBJETO DO RECURSO: o presente recurso vem interposto da Sentença de 17 de janeiro de2022, que absolveu a Ré da instância por alegada verificação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva.

B.–ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À ILEGITIMIDADE PASSIVA DA RECORRIDA: para efeitos de apreciação deste pressuposto processual, é apenas necessário considerar a configuração da relação material controvertida, isto é, do pedido e a causa de pedir, tal como formulada pelas Recorrentes na Petição Inicial.

C.–Da análise da Petição Inicial resulta, em especial, que (i)- a presente ação foi proposta ao abrigo da Lei 62/2011, (ii)- com fundamento nos direitos de exclusivo emergentes do CCP 315 – que protege a substância ativa vildagliptina, (iii)- as Recorrentes tomaram conhecimento que o INFARMED publicitou, na sua página oficial, um pedido de AIM para medicamentos genéricos contendo vildagliptina como substância ativa, que foi requerido pela sociedade Mylan IRE Healthcare, tendo a Recorrida foi designada como titular dessa mesmo AIM e (iv)- as Recorrentes peticionaram a condenação da Recorrida na abstenção de atos de exploração económica de produtos violadores dos direitos emergentes do CCP 315, tendo por referência, nomeadamente,os medicamentos genéricos objeto do pedido de AIM acima referido.

D.–O requerente de uma AIM não terá necessariamente de vir a ser o seu titular, sendo, na prática, bastante frequente que as empresas de genéricos requeiram AIMs em benefício de um terceiro – que o INFARMED designa de “titular proposto” – e sempre que uma entidade terceira é proposta como a futura titular de uma AIM – como sucedeu in casu – o INFARMED concede a AIM diretamente a esta entidade. No entanto, a figura do “futuro titular proposto” não está consagrada em nenhum diploma legislativo do nosso ordenamento jurídico.

E.–As Recorrentes intentaram a presente ação com vista a obter uma decisão judicial que (i)- reconheça os direitos de propriedade industrial emergentes do CCP 315 de que são titulares, (ii)- reconheça que os medicamentos genéricos compreendendo vildagliptina como substância ativa invadem o escopo de proteção do CCP 315, (iii)- reconheça que a exploração comercial e industrial por parte da Recorrente desses medicamentos genéricos constituiria uma violação desses direitos e (iv)- condene a Recorrida a abster-se de praticar atos que violem tais direitos.

F.–Nesta medida, é evidente o “prejuízo” que advirá para a Recorrida da procedência dos pedidos formulados na Petição Inicial e da sua inerente condenação na abstenção da prática dos atos durante a vigência do CCP 315 e, consequentemente, o seu “interesse direto em contradizer”, integrando portanto a Recorrida a “relação material controvertida”, tal como configurada pelas Recorrentes na Petição Inicial.

G.–Empregando as suas próprias palavras, o Tribunal a quo não vislumbrou “porque razão a presente ação foi proposta contra a “Laboratórios Anova Produtos Farmacêuticos, Lda.”, mas tão-só e apenas porque se absteve de considerar os factos alegados e demonstrados na Petição Inicial.

H.–Em qualquer caso, a AIM que espoletou os presentes autos foi, como antecipado ao longo do processo, concedida à ora Recorrida no dia 20 de janeiro de 2021, que, assim, é a sua respetiva titular. Na medida em que se trata de um facto objetivamente superveniente, sempre poderá ser tido em consideração pelo Tribunal ad quem, nos termos do artigo 663.º do CPC.

I.–Decorre do quadro regulatório subjacente à comercialização de medicamentos, em especial do Estatuto do Medicamento, que a Recorrida, na qualidade de titular da AIM que espoletou a presente ação, (i)- é responsável pela comercialização dosmedicamentos genéricos contendo vildagliptina como substância ativa, (ii)- poderá, a qualquer momento, iniciar a comercialização dos medicamentos genéricos objeto da AIM em causa e (iii)- assumirá todas as responsabilidades pela respetiva comercialização, quer o faça diretamente, quer através de terceiros.

J.–Ao ter absolvido a Recorrida da instância por alegada ilegitimidade passiva, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 30.º, n.os 1, e 2 e 3 do CPC.

K.–CONHECIMENTO IMEDIATO DO MÉRITO DA CAUSA: tendo em conta os factos alegados ao longo do processo, a natureza e força probatória dos documentos que foram juntos e a não dedução de contestação e/ou de impugnação dos documentos juntos, o Tribunal ad quem tem já ao seu dispor todos os elementos factuais necessários para condenar a ora Recorrida nos exatos termos peticionados.

L.–Em especial, o Tribunal ad quem deverá dar como provado, pelo que:

a Primeira Recorrente é a titular do CCP 315, sendo a Segunda Recorrente sua licenciada (artigos 15.º, 37.º, 64.º e 65.º da Petição Inicial e Doc.s n.os 4 e 5 juntos à Petição Inicial – documentos autênticos, que fazem prova plena dos factos que neles são atestados, nos termos dos artigos 363.º, n.º 2 e 371.º, n.º 1 do CC);
o CCP 315 protege a substância ativa vildagliptina, isoladamente ou em associação com outras substâncias ativas (artigos 49.º e 102.º da Petição Inicial e Doc. n.º 5 a ela junto – documento autêntico);
o CCP 315 entrou em vigor em 10/12/2019 e caducará em 28/09/2022 (artigo 46.º da Petição Inicial e informação pública na página oficial do INPI);
a Recorrida foi indicada como futura titular proposta da AIM para medicamentos genéricos contendo vildagliptina como substância ativa requerida a 29 de outubro pela Mylan IRE Healthcare, Ltd. e publicitada na página oficial do INFARMED a 9 de março de 2021 (artigos 88.º e 89.º da Petição Inicial e Doc.s n.os 7 e 8 a ela juntos – documentos autênticos);
a referida AIM foi concedida à Recorrida no dia 20 de janeiro de 2022, cf. Documentos n.ºs 2 e 3 ora juntos.
os Genéricos Vildagliptina, de que a Recorrida é já titular, contêm o produto protegido pelo CCP 315, a substância ativa vildagliptina (artigos 104.º e105.º da Petição Inicial e Doc.s n.os 5 e 7 a ela juntos).

M.–A Recorrida não apresentou contestação, pelo que se impõe, por imperativo do artigo 3.º, n.º 2 da Lei 62/2011, a sua condenação na proibição de exploração industrial e comercial dos medicamentos genéricos que são objeto da AIM que espoletou os presentes autos, nos moldes constantes do petitório e que são correspondentes ao conteúdo do seu jus prohibendi
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