Acórdão nº 17936/20.5T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-09

Ano2022
Número Acordão17936/20.5T8LSB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


1.Relatório


1.1.AAA, intentou em 07 de Setembro de 2020 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BBB, peticionando:

A. Ser a resolução do contrato de trabalho operado pelo autor julgado com justa causa e em consequência ser a ré condenada a pagar ao autor uma indemnização calculada, entre € 6.159,50 e € 10.621,50;
B. Independentemente da procedência do pedido formulado em A, deverá a ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de € 5.630,36, por retribuições não pagas, por férias, subsídio de férias e de Natal e proporcionais e horas de formação, tudo como melhor consta no articulado.
C. Quantias a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa anual legal, desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento, estando vencidos e sob as quantias referidas em B, até 04-09-2020, o montante de € 101,81”.

Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que foi admitido ao serviço da R. em 1 de Novembro de 2000, por contrato de trabalho a termo certo que se renovou sucessivamente até se converter em contrato sem termo; que prestava as funções na empresa …; que no ano de 2017 a ré lhe propôs por fim ao contrato de trabalho por acordo, o que o autor não aceitou, razão pela qual a ré passou a tratá-lo de forma diferente, pagando a retribuição para lá do prazo legal o que não fazia com os seus colegas; que em Julho de 2019 a … mudou de instalações e o autor foi informado que seguia para as novas instalações; que em 23 de Março de 2020 a ré tinha em dívida as retribuições de Janeiro e Fevereiro e os subsídios de férias que se venceram em Janeiro de 2018 e em Janeiro de 2019 e o subsídio de Natal de 2019 e nessa data comunicou à ré a resolução do contrato com justa causa; que nunca lhe foi ministrada formação; que nunca lhe foram pagas as referidas prestações e o vencimento de 23 dias de Março e que não lhe foram pagas as férias e subsídios de férias vencidos em Janeiro de 2020, nem os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano da cessação do contrato.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, a R. veio a apresentar contestação em que impugna os factos alegados pelo A. e sustenta, em suma: que as quantias devidas ao trabalhador foram pagas, ainda que com alguns atrasos, fruto da crise económica e financeira e do acumular de prejuízos; que não foi sua intenção atrasar reiteradamente o pagamento das retribuições; que os créditos salariais peticionados já se encontram pagos ou garantido o seu pagamento e que inexistia fundamento para o autor resolver o contrato com justa causa, tando mais que o autor suspendeu o contrato de trabalho em 16 de Fevereiro de 2020. Formula pedido reconvencional, de pagamento de indemnização pela falta de aviso prévio e por despesas com telemóvel que a ré suportou. Conclui pela improcedência da acção.

O autor respondeu ao pedido reconvencional admitindo os gastos com telemóvel e refutando que seja devida indemnização por falta de aviso prévio e, após despacho judicial que o convidou a tanto, respondeu à excepção de pagamento contida na contestação.

O pedido reconvencional só foi admitido na parte respeitante à indemnização por falta de aviso prévio, sendo rejeitado quanto ao mais. Foi proferido despacho saneador, que dispensou a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova. Fixou-se à acção o valor de € 12.251,62.

Procedeu-se a julgamento e, findo o mesmo, a Mma. Julgadora a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se:
A) Declarar que o autor resolveu o contrato de trabalho celebrado com a ré com justa causa e, consequentemente, condenar a ré a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 8.211,06 (oito mil, duzentos e onze euros e seis cêntimos);
B) Condenar a ré a pagar ao autor:
- € 504,14 (valor líquido em dívida do subsídio de Natal de 2019);
- € 635,00 (férias vencidas em 1/01/2020 – valor ilíquido);
- € 384,30 (formação não proporcionada - valor ilíquido);
- € 99,41 (proporcionais do ano da cessação do contrato - valor ilíquido).
C) Condenar a ré no pagamento dos juros de mora sobre as quantias referidas em A) e B), calculados à taxa legal, sendo desde a data de vencimento de cada uma das prestações no que concerne aos valores referidos em B), e desde o transito em julgado da presente decisão no que concerne à indemnização referida em A), tudo até integral pagamento.
D) Absolver a ré do mais peticionado;
E) Absolver o autor do pedido reconvencional.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção de 25% para o autor e de 75% para a ré.
[…]»
1.2.- A R., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3.- O A., patrocinado pela Digna Magistrada do Ministério Público, apresentou contra-alegações em que defendeu a improcedência do recurso.
1.4.- O recurso foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo.
1.5.- Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto não emitiu Parecer uma vez que o A. é patrocinado pelo Ministério Público.

Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, são as seguintes:
1.ª da impugnação da matéria de facto, o que pressupõe a análise da questão do cumprimento, por parte do apelante, dos ónus legais prescritos para tal impugnação;
2.ª se a sentença desrespeitou o caso julgado formado pela condenação proferida no processo de contra-ordenação;
3.ª se deve reconhecer-se ao trabalhador ora recorrido justa causa para a resolução contratual que operou
4.ª – em caso negativo, saber se à recorrente assiste o direito a uma indemnização por ter o trabalhador denunciado o contrato sem respeitar o período de pré-aviso fixado na lei.

3. Fundamentação de facto
3.1. No início do corpo das alegações e na conclusão I, a recorrente impugna a decisão quanto ao facto dado por provado da falta de pagamento do salário de Janeiro de 2020, e defende que este facto presumido deve ser alterado, no sentido de se considerar efectuado aquele pagamento.

Invoca, em fundamento desta alteração o depoimento do legal representante da R., o facto de, na sua perspectiva, a sentença ter feito apelo a uma presunção judicial inaplicável para concluir pela falta de pagamento do salário de Janeiro de 2020, ao contrário do que referiu o legal representante da Ré, e a imputação que é feita na alínea C) da sentença de que os subsídios de férias de 2018 e de 2019 e parte do subsídio de Natal devem considerar-se pagos através da transferência efectuada em 2020.01.02.

A recorrente refuta a motivação da sentença no sentido de que não se considerou que o vencimento de Janeiro de 2020 se encontrava pago pela transferência realizada pela Ré em 2020.01.02, porque tal não convenceu o tribunal, porque aquele valor, dizendo respeito ao mês de Janeiro de 2020, ainda não estava vencido no início do mês de Janeiro de 2020 e porque a quantia transferida não corresponde à soma dos valores devidos pelo mês de Dezembro de 2019 e de Janeiro de 2020. Segundo alega, a afirmação produzida pelo legal representante da Ré não poderia ter sido desconsiderada, por resultar daquelas declarações que foi vontade e intenção da Ré pagar o salário respeitante ao mês de Janeiro de 2020 com a transferência de 2020.01.02, sendo essa a imputação que fez a esse pagamento, à luz do artigo 783.°, n° 1, do CC, e por ser a Ré constantemente assediada e pressionada pelo Autor (como se conclui da carta de resolução de sua autoria, o salário era sempre exigido por este em data muito anterior ao final do mês a que dizia respeito) pelo que não será de estranhar que a Ré, perante uma situação de conflito latente tenha querido imputar a transferência que fez, em parte, à totalidade do vencimento respeitante ao mês de Janeiro de 2020). Invoca também o recibo de Janeiro de 2020 junto com a petição inicial e a carta do A. de 2020.02.16 em que, comunicando a suspensão do contrato de trabalho, indica como valores em atraso, três subsídios e só o vencimento do mês de Fevereiro de 2020, e não também o de Janeiro de 2020.

Concluiu que a sentença recorrida fez uma aplicação errónea do artigo 349.° do CC, dando como provado um facto (presumido) sem que tenha por base um qualquer facto-base ou indiciário, que “direcione” nesse sentido e afirma que o único facto que se pode presumir é o de que a Ré imputou o pagamento efectuado em 2020.01.02 ao salário do Autor respeitante a Janeiro de 2020.

Coloca-se assim como questão a analisar, de natureza prévia, a de saber se a recorrente observou as formalidades indispensáveis à reapreciação por este Tribunal da Relação da decisão de facto emitida pelo tribunal a quo.

A propósito dos requisitos para a impugnação da decisão de facto, estabelece o artigo 640.º do Código de Processo Civil, o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
...

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