Acórdão nº 17920/20.9T8SNT-A.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-22

Ano2022
Número Acordão17920/20.9T8SNT-A.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa


Nos presentes embargos de executado deduzidos por C…, na ação executiva para pagamento de quantia certa que lhe move Administração Conjunta da Augi…, a embargada interpôs recurso do despacho que julgou procedentes os embargos e determinou a extinção da execução.

Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja anulada a decisão recorrida ou, assim não se entendendo, seja revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos de embargos ou, caso se entenda disporem os autos de elementos suficientes, seja proferida decisão que considere os embargos improcedentes.

A recorrente formulou as seguintes conclusões:
1–A Recorrente é a entidade que administra a reconversão urbanística da Área Urbana de Génese Ilegal…, regendo-se pela Lei nº 91/95, de 2/9.
2– O Executado é proprietário de quatro prédios na zona de delimitação da AUGI.
3–Nos termos da Lei nº 91/95, constitui obrigação legal dos proprietários suportarem os encargos com a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal.
4–A sentença da 1ª Instância de que se recorre considerou procedentes os Embargos à Execução requerida para cobrança coerciva das dívidas do Exequente.
5–A sentença recorrida foi proferida em despacho saneador, sem que tivesse sido facultada às Partes a discussão de facto e de direito em Audiência Prévia, como resulta da respectiva Acta.
6–As Partes nunca foram notificadas para o exercício do contraditório quanto à intenção da Sra. Juiz da 1ª Instância conhecer do mérito da causa.
7–A falta de convite às Partes para se pronunciarem sobre essa intenção, facultando-lhes a discussão da matéria de facto e de direito, é equivalente à falta de realização da Audiência Prévia, a qual só será dispensada apenas quanto às acções que devam prosseguir os seus termos, o que não foi o caso.
8–Esse comportamento processual tem influência no exame ou decisão da causa.
9–Assim, foram violados os art.ºs 593º; 547º; e 3º nº 3, todos do CPC, pelo que foi praticado um acto não permitido e preterida uma formalidade essencial, o que constitui nulidade conforme o disposto no art.º 195º nºs 1 e 2, do CPC, sendo assim nula a sentença recorrida.
9A.-Este entendimento foi sufragado pelo douto Acórdão desse Venerando Tribunal proferido em 08-10-2020, no Proc. Nº 2246/18.6T8FNC-A.L1-2, e toda a Jurisprudência e Doutrina aí mencionadas, para que se remete.

9B-E transcreve-se uma citação do douto aresto retirada do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-03-2018 (Processo 1920/14.0YYLSB-A.L1-6):
I.–Em face do NCPC, a audiência prévia apresenta-se como diligência praticamente obrigatória.
II.–A dispensa de audiência prévia apenas está consentida quanto às ações que hajam de prosseguir os seus termos (artigo 593.º do Código de Processo Civil Revisto), sendo ainda concebível, mas apenas no quadro da aplicação do princípio da adequação formal, por via do artº 547º do NCPC, sendo que, nesse caso, será exigível que a questão já esteja suficientemente debatida nos articulados, e isto sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC.
III.–Fora destes apertados limites que consentirão a dispensa da audiência prévia, a sua não realização terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de acto não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a enquadrar no artº 195º do NCPC”.

9C-Cabe referir igualmente, no mesmo sentido, outro Acórdão dessa Relação, proferido em 09-10-2014, no Proc. Nº 2164/12.1TVLSB.L1.2.

Por mera cautela,

9D-A douta sentença recorrida considerou que a Acta nº 2 da Assembleia de Proprietários, realizada em 21/07/2002, acompanhada de uma Declaração da Comissão de Administração, não constitui título executivo.

10–Entende a Mma. Juiz que «Não obstante se fixe a comparticipação a pagar (valor/m2) e o prazo de pagamento, o que é certo é que se refere que tal valor corresponde a diferentes factores, o que não consta concretizado, ou como o mesmo foi calculado e com base em que projecção, não se remetendo, sequer, para qualquer “mapa” que o concretize, em momento algum, consta quais os montantes em dívida a liquidar pelo executado, a não ser numas declarações efectuadas pelo exequente datada de 2020, que não fazem parte da ata junta com o requerimento executivo.
Embora se sufrague o entendimento que a deliberação em acta pode ser complementada por documento e/ ou mapa que seja incorporado na mesma, in casu, nenhum documento complementou a acta em questão.
Ou seja, não foi junta qualquer acta onde foi determinada a comparticipação do executado.»

11–O fundamento jurídico deste entendimento vem explicado: «A apreciação das questões suscitadas convoca a análise da Lei nº 91/95, de 2.09 (…) com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis nºs 165/99, de 14.9, 64/2003, de 23.8, e 10/2008, atentas as datas das atas em causa (2202).»

12–À data da realização da Assembleia – 21/07/2002 – não existiam as Leis 64/2003, e 10/2008, pelo que é feita errada aplicação das mesmas à elaboração da Acta nº 2, e ao conteúdo das deliberações aí tomadas, designadamente no que concerne às comparticipações a pagar pelos proprietários, e à forma de pagamento.
13–A aplicação de leis que ainda não existiam a uma Assembleia Geral viola o disposto no art.º 12º do Código Civil, máxime o seu nº 1, e o princípio da não retroactividade das leis, pelo que a sentença da 1º Instância faz errada aplicação do direito aos factos.
14–À data da realização da Assembleia – 21/07/2002 – estava em vigor a Lei nº 91/95, com as alterações introduzidas pela Lei nº 165/99, de 14/9, e são estes os diplomas a aplicar à Acta nº 2 e às deliberações nela tomadas, designadamente a redacção em vigor para o art.º 10º nº 2 al. a); e o art.º 15º nº 1 al. b).
15–A Acta nº 2, no que se refere à deliberação sobre as comparticipações a cobrar, cumpre o que se encontra definido nos preceitos legais referidos.
16–A proposta aprovada contém no seu Ponto I, o Mapa de comparticipações;
17–No que se refere à forma de elaboração desse mapa, a al. b) do nº 1 do art.º 15º é omissa, apenas referindo que cabe à Comissão elaborá-lo, sendo que o art.º 10º nº 2 al. f) comete a sua aprovação à Assembleia; o mapa de comparticipações não está assim sujeito a forma especial.
18–Não há qualquer exigência de o mapa estar anexo à acta, bastando apenas que nela conste, como é o caso dos autos.
19–Não existe qualquer exigência legal quanto à forma e conteúdo desses mapas, apenas se exigindo que neles constem as comparticipações a cobrar.

20–Na Acta nº 2, e “mapa” aprovado constam:
a)-Valor da comparticipação fixa;
b)-Valor da comparticipação variável conforme o tipo de lotes, a sua situação (a palavra que na sentença se refere como «não percetível», é «expectantes»), a sua área e o número e de fogos por lote e a natureza destes;
c)-A forma e a data-limite de pagamento;
d)-Os juros e o respectivo dies a quo.
21–A proposta aprovada é totalmente clara quanto às comparticipações a cobrar a cada proprietário, pois os valores variáveis são facilmente determináveis e quantificáveis.
22–A Assembleia foi regularmente convocada; o Exequente/ Embargante foi regularmente notificado; a Acta foi publicada por extracto.
23–As deliberações tomadas, designadamente a que versa as comparticipações a pagar, estavam sujeitas a impugnação judicial, sendo certo que nenhuma impugnação foi deduzida no prazo legal, pelo que têm de considerar-se válidas e assentes na ordem jurídica.
24–A Recorrente fez prova documental da convocatória da Assembleia, que não é referida na sentença, pelo que se considera que a matéria dada como provada é insuficiente.
25–Não foi dada a oportunidade à Recorrente de fazer prova de outros factos cuja prova lhe caiba.
26–Na sentença em apreço conclui-se que na Acta nº 2 não há qualquer referência aos valores em dívida pelo Executado, e é completamente desvalorizada a declaração emitida pela Comissão de Administração, na qual constam esses valores, até à data da sua emissão.
27–Sendo uma Assembleia que aprovou valores a pagar no futuro, não seria possível indicar quais os valores em dívida pelo Executado, pois qualquer dívida resultante do não pagamento das comparticipações só poderá surgir a posteriori.
28–Nessa Assembleia não era possível saber então qual a área de cada lote, pois não estava ainda aprovado o projecto de loteamento.
29–Tem a Comissão de Administração competência para emitir declarações das quais conste a situação de dívida ou não dívida dos proprietários, quer para a respectiva Câmara Municipal, quer para outras entidades (art.º 15º nº 1 al. h) da Lei nº 91/95).
30–A declaração junta à Execução mais não consubstancia que uma operação aritmética para a determinação do valor em dívida, tendo em consideração os critérios aprovados em Assembleia, e a área dos lotes do Executado.
31–A deliberação que aprovou as comparticipações e o seu pagamento é clara, pelo que as dívidas resultantes do seu não pagamento são certas, líquidas e exigíveis, como é requisito do título executivo, estando a liquidação dependente de simples operação aritmética.
32–O critério de fixação das despesas de reconversão e respectivas comparticipações por lote, tendo em conta as suas características, é defendido, entre outros, no douto Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 08-02-2018, no Proc. Nº 15101/15.2T8LRS-A.2.
33–E nesta situação não se torna necessário que da Acta conste o valor a pagar por cada proprietário.
34–Tendo em conta que existem AUGI com várias centenas de proprietários, nalguns casos ultrapassando o milhar, tal exigência seria perfeitamente inexequível.
35–Assim, a Acta nº 2 e a deliberação sobre as comparticipações está conforme às exigências então em vigor,
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