Acórdão nº 17696/21.2T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-10-13

Ano2022
Número Acordão17696/21.2T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório.


No âmbito de PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO [cfr artº 15º,nº2, alínea e) e 15º-B, ambos do NRAU - Lei n.º 6/2006, de 27/2 – e destinado a efectivar o despejo da locatária e a entrega de locado por cessação do arrendamento decorrente de resolução por falta de pagamento de rendas] que A […. - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA,LDA] moveu - em 4/3/2021 - a B [MARIA …..], foi esta última notificada pelo BNA - em 8/7/2021 - que relativamente ao procedimento supra identificado foi o Requerimento de Despejo apresentado pela senhoria convertido em Título para Desocupação do Locado.

1.1.–No seguimento de requerimentos enviados pela requerida/locatária ao BNA [v.g. um de 15/4/2021, informando nele a requerida que a casa que habita é a sua casa de morada de família e a única habitação que dispõe], e, remetidos em 13/7/2021 os autos à distribuição em Tribunal [cfr. art.º 15.º-H, n.º 4, da Lei n.º 6/2006 de 27-02 e art.º 11.º, n.º 4, da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro], foi em 20/8/2021 a requerida locatária notificada pelo tribunal [nos termos do disposto no artigo 15.º-L. n.º 3, do NRAU] para, em 10 dias, se pronunciar sobre o requerimento de autorização judicial – deduzido pelo agente de execução em 26 de julho de 2021 - para entrada imediata no domicílio.

1.2.–Respondendo à notificação identificada em 1.2., veio B, em 6/9/2021 atravessar nos autos requerimento por si subscrito, informando além do mais que “é minha vontade entregar voluntariamente o imóvel independentemente de ter o direito, como qualquer cidadão, de ser representado por um advogado, conforme consta do pedido de apoio judiciário oportunamente entregue e aqui junto cópia.

1.3.–Notificadas – em razão de despacho judicial de 23/3/2023 - as partes para, querendo, se pronunciarem acerca da aplicação aos autos do disposto no n.º 7, alíneas b), c) do artigo 6.º-E da Lei 1.º-A/2020, de 19 de Março, veio B, em requerimento de 8/4/2022 (subscrito por patrono nomeado, Drª Valentina ….) requerer a aplicação do regime excecional e transitório previsto no n.º 7 alínea c) do artigo 6º E da Lei 1-A/2020, de 19 de março [ requerendo no final se digne deferir a suspensão de entrega do imóvel dos autos por um período não inferior a 120 (cento e vinte) dias, que procurará não esgotar e durante o qual irá continuar a diligenciar arduamente a procura de nova habitação para residir”], alegando : i)-encontrar-se aposentada desde o dia 6.12.2020, tendo desde janeiro de 2021 passado a auferir uma pensão bruta de € 973,69, entretanto penhorada no processo executivo n.º 18267/21.9T8LSB, instaurado pela aqui Requerente, recebendo mensalmente, deduzido o montante da penhora, um valor equivalente ao salário mínimo nacional, que perdurará até que a sua divida resulte integralmente saldada ; ii)-residir sozinha em Lisboa, sem o apoio de quaisquer familiares ou amigos, não tendo quem a acolha ou outro local para onde possa residir ; iii)-que tem apresentado sucessivas candidaturas aos Concursos para obtenção de habitação de renda acessível promovidos pela Câmara Municipal de Lisboa, mas sem qualquer sucesso até ao presente, pese embora não desista e continue a diligenciar nesse sentido ; iv)-tem igualmente diligenciado, através da consulta de anúncios e contactos, pela procura de uma outra habitação, mas infelizmente também sem sucesso até ao presente, o que decorre das vicissitudes decorrentes do contexto pandémico em que se vive em Portugal e do facto de receber líquido o valor mensal equivalente ao salário mínimo nacional, atenta a penhora promovida pela Requerente sobre a sua pensão.

1.4.–Tendo a requerente A, pugnado pelo indeferimento do requerimento de B e identificado em 1.3, veio finalmente a ser proferida DECISÃO a 5/7/2022 [Refª 416641521], sendo a mesma do seguinte TEOR :
“(…)
O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, cf. artigo 15.º do NRAU.
Nos termos do disposto no artigo 6.º-E da Lei 1.º-A/2020, de 19 de Março, na redação conferida pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, Regime processual excecional e transitório:
“Artigo 6.º-E, Regime processual excecional e transitório
(…)
7- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a)-O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b)-Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)-Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d)-Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e)- Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser realizadas nos termos dos n.os 2, 4 ou 8.
8- Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.”
Este procedimento especial de despejo destina-se a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado, cf. artigo 15.º do NRAU.
Está em causa um procedimento com vista à concretização de diligências de entrega judicial à requerente da casa de morada de família da requerida, como resulta dos requerimentos apresentados pela requerida.
Tal como decorre da alínea b), do citado artigo, estão suspensos os atos a realizar neste procedimento especial de despejo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família.
Importa indeferir o requerido pelo agente de execução e pela requerente deste procedimento especial de despejo.
***
Pelo exposto, indefere-se o requerido a fls. 120 e 156.
Notifique-se.
Lisboa, ds”.

1.5.–Notificada do DESPACHO identificada em 1.4, logo em 29/4/2021 veio A do mesmo interpor a competente APELAÇÃO, apresentando na respectivas alegações as seguintes conclusões:
I-Na sequência da emissão em 8 de Julho de 2021 de título de desocupação do locado nos termos do disposto no Artigo n.º 15º-E da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro (doravante NRAU), em 26 de julho de 2021, ao abrigo do disposto no Artigo 15º-L do NRAU, o agente de execução JB..... solicitou a autorização judicial para entrada imediata no locado, com recurso às autoridades judiciais e ao arrombamento de portas em virtude do imóvel não ter sido voluntariamente desocupado pela Inquilina.
II.-Tal requerimento assume carácter de urgência e devia ter sido decidido no prazo de 5 dias (cfr. citado artigo 15º L n.º 1 e 2 do NRAU.
III.-Em 30 de Agosto de 2021, a Senhoria insistiu pelo deferimento do pedido de autorização judicial para entrada imediata no domicílio, e muitas mais vezes desde então.
IV.-Apenas em 5 de Julho de 2022 (um ano depois da emissão do título desocupação do locado) o Mº Juiz a quo proferiu o despacho ora recorrido, indeferindo o requerido pelo agente de execução em 26 de julho de 2021 e pela Senhoria em 30/8/2021, fundamentando a sua decisão na alínea b) do n.º 7 do Artigo 6º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, a segundo a qual estão suspensos os atos a realizar neste procedimento especial de despejo, relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa morada de família.
V.-A Inquilina deixou de pagar renda em Agosto de 2019, (há (2 anos e 10 meses), muito antes do surgimento da pandemia SARS-COVID 19 e da declaração dos sucessivos estados de emergência, calamidade e alerta,
VI.-O espírito da Lei n.º 1-A/2020, e as circunstâncias em que a lei foi elaborada”, nos termos do artigo 9º do Código Civil, que foi o de suspender os despejos, cujos inquilinos, em virtude de desemprego ou qualquer outra diminuição de rendimentos decorrente da pandemia de covid-19 e não para proteger incumprimentos muito anteriores a esta situação, como é o caso dos presentes autos.
VII.-Assim e porque a falta de pagamento de rendas pela Inquilina é muito anterior à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, determinar-se a suspensão de entrega do locado à Senhoria com fundamento na aplicação da Lei n.º 1-A/2020 constitui um verdadeiro abuso do direito na medida em que violaria o fim social e económico do direito à suspensão do despejo que é o de proteger as pessoas que, em virtude da pandemia, deixaram de pagar as rendas, o que não sucede no presente caso porquanto o não pagamento das rendas vem ocorrendo desde 2019 (vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 11 de janeiro de 2022 proferido no processo 16182/20.2T8SNT-A.L1-7)
VIII.-Pelo que, determinar-se a suspensão dos atos a realizar nos presentes autos de procedimento especial de despejo com base na aplicação da Lei n.º 1-A/2020é ilegal por violar o disposto no artigo
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