Acórdão nº 1734/20.9T9LSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão1734/20.9T9LSB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

a) No 4.º Juízo (1) Central Cível e Criminal de …, do Tribunal Judicial da comarca de …, procedeu-se a julgamento em processo comum e competência do tribunal coletivo de:

AA, nascido a …, com os demais sinais dos autos, aos quais se imputava, a autoria de:

- 1 crime de pornografia de menores agravado, previsto nos artigos 176.º, § 1.º, al. c) e 177.º, § 6.º e 69.º-B, § 2.º do Código Penal (CP);

- 6 crimes de pornografia de menores agravados, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, al. c) e 177.º, § 6.º e 7.º e 69.º-B, § 2.º CP;

- 9 crimes de pornografia de menores, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, als. b) e c) e 69.º-B, § 2.º CP;

- 12 232 crimes de pornografia de menores, previstos nos artigos 176.º, § 5.º e 69.º-B, § 2.º CP;

- e 6 crimes de abuso sexual de crianças, previstos no artigo 171.º, § 3.º, als. b) e c) e 69.º-B, § 2.º CP.

O arguido apresentou contestação escrita, pugnando pelo enquadramento da sua atuação na figura do crime continuado e requereu a realização de perícia psiquiátrica, que se veio a realizar.

A final, o tribunal coletivo proferiu acórdão, no qual, veio a condenar o arguido pela prática dos seguintes crimes e nas respetivas penas:

- um crime de abuso sexual de criança, previsto no artigo 171.º § 3.º, al. b) e c) CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- um crime de pornografia de menores agravado, previsto nos artigos 176.º, § 1.º, al. b) e 177.º, § 7.º CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

- dois crimes de pornografia de menores, previstos nos artigos 176.º, § 1.º, al. b) CP, cada um deles na pena de 2 anos de prisão;

- um crime de pornografia de menores, previsto no artigo 176.º, § 1.º CP, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- um crime de pornografia de menores agravado, previsto no artigo 176.º, § 1.º, al. c) e 177.º, § 7.º CP, na pena de 4 anos de prisão;

- e um crime de pornografia de menores, previsto no artigo 176.º, § 5.º CP, na pena de 1 ano de prisão.

Operando o cúmulo jurídico das penas relativas aos crimes em concurso, condenou-o na pena única de 9 ano de prisão.

Mais se condenou na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 15 anos (artigo 69.º-B § 2.º CP).

Absolvendo o arguido do demais de que fora acusado.

b) Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, finalizando a motivação do seu recurso com as seguintes (prolixas (2) e desordenadas) conclusões (transcrição):

«(…)

7- O crime predominante, entre os vários em que o Recorrente foi condenado é a pornografia de menores.

8- Numa perspetiva legal, podemos afirmar que a pornografia de menores consiste no material que, independentemente do seu suporte, representa menores, sejam estes reais, aparentes ou até virtualmente criados, em comportamentos sexualmente explícitos.

9- Como elementos típicos deste crime, temos que, em primeiro lugar, o agente do mesmo pode ser qualquer pessoa, desde que tenha 16 anos (art.19.º, CP), idade a partir da qual passa a ser passível de ser imputado a prática de qualquer crime.

10- A vítima do crime terá que ser menor de 18 anos.

11- Há uma distinção entre utilização direta e utilização indireta de menores, sendo a primeira criminalizada nas alíneas a) e b) do n.º 1, do art.176.º do CP, e a segunda pelas condutas das alíneas c) e d) do mesmo preceito.

12- Esta é uma diferenciação de relevo e importante, uma vez que na chamada ‘’utilização direta’’ é a atividade do agente que coloca o bem jurídico em perigo, ou seja, em que há uma relação direta entre o agente e a vítima do crime; enquanto na ‘’utilização indireta’’, as condutas criminalizadas têm o propósito primário de parar a disseminação de materiais de cariz pornográfico.

13- Quanto às condutas, a sua incriminação é orientada por um bem jurídico supra - individual, a infância e a juventude, porque ao desincentivar o crescimento deste mercado há uma finalidade ulterior de proteger a menoridade.

14- O art.º 38.º, do CP, no que diz respeito ao consentimento, refere que este é irrelevante se em causa estiverem menores de 14 anos. O que nos diz que a partir dos 14 anos já faz toda a diferença sabermos se existe ou não consentimento.

15- No caso em concreto, a situação não se coloca porque não se conseguiu determinar quem estava do outro lado do computador a interagir com o Recorrente.

16- Quanto aos vários modos de ação e às formas de conduta, começando pela alínea a), do n.º 1 do art.176.º, esta pune quem ‘’utilizar menor em espetáculo pornográfico’’, não bastando aqui que o menor seja um mero espetador, ele deve efetivamente ser participante no espetáculo, de modo a esta alínea ser preenchida.

17- Na alínea b), o legislador decidiu punir quem ‘’utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte’’, sendo que nos parece ser irrelevante a que título o menor é utilizado.

18- Aqui a utilização efetiva é equiparada ao aliciamento, o que é cada vez mais relevante nesta era digital, visto que muitos menores são aliciados via redes sociais.

19- Na alínea c) do suprarreferido artigo, estabelece-se que, quem ‘’produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio,’’ materiais pornográficos, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

20- Neste contexto, esta alínea pune todas as formas de divulgação e instrumentos de divulgação utilizados. Mas,

21- Temos que ressalvar a posição adotada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em que concluiu que a ‘’detenção já inclui o download’’ (Ac. TRL, de 15-12-2015 (Relator: Ana Sebastião), Proc. n.º 3147/08.JFLSB.L1-5, Disponível em: www.dgsi.pt), posição com a qual concordamos.

22- No caso concreto, no que concerne ao crime de pornografia de menores, temos que, não só em quantidade, mas também ao nível qualitativo houve uma alteração entre a acusação e a decisão condenatória quanto aos crimes por este praticados.

23- O Recorrente vinha acusado de uma forma mais gravosa do aquela a que veio a ser punido, como já o dissemos, contudo, mesmo assim, foi condenado por excesso em relação à prova produzida e constante nos autos.

24- O elemento probatório fundamental e, talvez, o mais credível, tenha sido os depoimentos do Recorrente, quer em sede de primeiro em interrogatório, quer em sede de audiência de discussão e julgamento.

25- Para além das declarações do arguido só existiram três testemunhas, uma que participou nas buscas e apreensões na casa daquele, outra que levou a cabo a peritagem ao material informático apreendido e a última a perita médica que levou a cabo a Perícia Médico Legal do Recorrente.

26- As testemunhas, ouvidas em julgamento, da Polícia Judiciária, as duas primeiras, apenas foram relevantes para o cabal esclarecimento que muito do material apreendido ao Recorrente eram fotografias e imagens repetidas, caindo por terra a “quantidade” de crimes indicada na acusação. Contudo,

27- Do que nos é dado ouvir nas declarações gravadas, o Senhor Procurador da República, nas palavras do Meritíssimo Juiz Presidente, não pretendia ouvir a segunda testemunha, a que havia levado a cabo a peritagem informática ao material apreendido. Mas,

28- O Meritíssimo Juiz Presidente fez questão do ouvir a testemunha para tirar duvidas que ele tinha, quanto ao apurado na peritagem (quanto à quantidade, à repetição e à sequenciação das imagens apreendidas).

29- Foi esta testemunha quem revelou que o numero total das imagens apreendidas não correspondia ao numero das mesmas, já que estas estavam repetidas em vários dos equipamentos informáticos, para além de outras de não tinham nada a ver com ilícitos criminais.

30- Mas tal só foi possível porque a testemunha, prestou declarações!

31- Desta forma, os crimes pelos quais o Recorrente vinha acusado, deixaram de ser uns e passaram a ser outros, menos e de qualificações ligeiramente diferentes.

32- Houve então uma alteração dos fatos contantes da acusação e da sua qualificação! E,

33- Nada foi dito no Acórdão como não consta nas atas dos dias de julgamento ou de leitura do referido Acórdão.

34- Nas gravações da primeira sessão de julgamento, ouve-se uma conversação entre o meritíssimo Juiz Presidente com o Procurador Geral. Onde é abordado este assunto, da repetição dos documentos apreendidos e que tal implicou, a quem fez a acusação, acusar o Arguido por tantos crimes como as fotos encontradas, sem ter em atenção se havia repetição ou mesmo se algumas fotos tinham sequência, traduzindo-se num único crime.

35- O art.º 358º nº 1 do CPP diz que “(…) Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos fatos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. (…)”

36- No caso concreto a acusação continha em si a pratica pelo Recorrente de 12.054 (doze mil e cinquenta e quatro) crimes, enquanto o acórdão condena-o pela prática de 7 (sete) crimes!

37- Uma diferença abismal em termos numéricos!

38- Isto só pode dever-se ao fato de que quem acusou, não se ter preocupado em ver a prova e analisá-la, neste caso as fotos e imagens, para determinar a sua importância, a sua repetição e a sua sequenciação.

39- Para completar este erro, em julgamento, ao ter sido percetível, como o demonstra as conversas tidas entre meritíssimo juiz presidente e senhor procurador geral e, entre estes e os inspetores da PJ, não houve comunicação, por parte do meritíssimo juiz a quo, da alteração não substancial dos fatos, dado ao Recorrente, se este quisesse, prazo para a sua defesa.

40- Existe aqui uma...

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