Acórdão nº 17187/20.9T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão17187/20.9T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A….., viúva, residente em (…), Suíça, cabeça de casal da herança aberta por óbito de T… intentou nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 362.º e ss. e 379.º do Código do Processo Civil, procedimento cautelar comum, contra R….., solteiro, residente na Rua ….., Lisboa, e contra “S…. Flights”, com sede em (….) Cardiff, UK CF3 5PX, alegando, em síntese, que o presente procedimento cautelar é requerido como preliminar de uma ação de reconhecimento da propriedade e consequente condenação na entrega de um avião particular que constitui bem da herança de T…, não obstante estar formalmente registado como sendo da 2.ª Requerida, a qual por sua vez tem como beneficiário efetivo último o 1.º Requerido, e tem por objetivo garantir a conservação do património da herança e a abstenção de atos de dissipação da mesma.
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Realizada audiência sem audição prévia dos requeridos, foi proferida decisão nos seguintes termos:
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, o Tribunal julga totalmente procedente a presente providência cautelar e, consequentemente, decide:
- determinar a entrega imediata pelos requeridos R…. e Stream…. à requerente A….., da aeronave Gulfstream G450, com o número de registo ….;
- determinar a manutenção da posse do avião na pessoa da requerente até à decisão final; e
- ordenar que os requeridos se abstenham da prática de quaisquer atos de disposição, oneração ou quaisquer outros sobre o referido avião.
Custas pela requerente (art.º 539.º, n.º 1, do C.P.C.).
Registe e notifique, sendo os requeridos com vista ao imediato e integral cumprimento do ordenado.”
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Os Requeridos foram notificados da decisão que decretou a providência e deduziram oposição nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 372º, al. b), do Código de Processo Civil.
Alegaram, em síntese, que a 2ª Requerida é a única dona e legítima proprietária da aeronave; que o 1ª Requerido apresentou, apenas, ao seu pai um projeto pessoal para a compra daquela e criação do seu próprio negócio; em consequência do qual aquele fez um empréstimo à sociedade Requerida para a aquisição da aeronave, tendo esta celebrado, em contrapartida, com o falecido T…, um acordo de reconhecimento de dívida em 5 de fevereiro de 2019, tudo com o conhecimento da ora Requerente. Deste modo, a 2ª Requerida tem uma dívida para com a herança de T…, a pagar até 5 de fevereiro de 2031. Com a entrega da aeronave à requerente a 2ª Requerida tem assumido o pagamento de diversas despesas, designadamente, com o pagamento da tripulação e pilotos do avião, e teve de recusar pedidos de voo por não ter a aeronave na sua posse, apresentando um prejuízo na ordem dos €3.250.000,00.
Termina, pedindo seja julgada procedente por provada a oposição e em consequência seja declarada a revogação do procedimento cautelar de entrega do avião à Requerente, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de que depende o seu decretamento, ordenando-se o seu imediato levantamento, com a restituição imediata da aeronave à 2ª Requerida; e condenando.se, ainda, a Requerente como litigante de má-fé e abuso de direito, em indemnização a apurar em execução de sentença.
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Produzidas as provas oferecidas pelos requeridos, foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, nos termos do art.º 372º nº 3 do C.P.C., julga-se a oposição improcedente e em consequência decide-se manter a providência decretada, não julgando a Requerente incursa em litigância de má fé.
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As custas da oposição serão suportadas pelos Requeridos.
Registe e notifique.”
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Os Requeridos não se conformaram com esta decisão, e dela vieram recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida nos autos de procedimento cautelar comum à margem identificado que, declarando improcedente a Oposição apresentada pelos ora Recorrentes, manteve as medidas cautelares decretadas sem contraditório prévio dos Requeridos, aqui Recorrentes.
B) Os Recorrentes vem fundamentar o seu recurso, não só com base nos factos que foram considerados provados na sentença, assim como, com base em factos que, embora não tenham sido considerados como provados, deveriam tê-lo sido.
C) Entendem os Recorrentes que a par do erro de julgamento, que o Tribunal a quo incorreu em erro manifesto na apreciação da prova, nomeadamente nos aspectos expressamente referidos infra, cuja alteração se requer pelo presente recurso, após reapreciação da prova.
D) Neste âmbito, os factos alegados pelos Recorrentes nos art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º e 29º da Oposição deveriam ter sido considerados provados pelo Tribunal a quo e não o foram.
E) Devendo serem dados como provados e consequentemente aditados, os seguintes factos:
- o negócio não se destinava à compra do avião por T…. (art.º 9º da Oposição);
- a aquisição da aeronave passava por um empréstimo à sociedade Stream (art.º 17º da Oposição);
- o falecido T… aceitou financiar este negócio mediante a concessão de um empréstimo à 2ª Requerida (art.º 19º da Oposição);
- A Requerente tomou conhecimento do empréstimo (art.º 22º da Oposição, ainda que parcialmente);
- T….. acordou no empréstimo de €10.964.000,00 à 2ª Requerida para esta adquirir a aeronave, e para o efeito subscreveram o acordo de reconhecimento de dívida de 5 de Fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. nº 5. (art.º 19º da Oposição);
- T…. acordou conceder à 2ª Requerida um prazo carência de 5 anos, isto é, até 5 de Fevereiro de 2024 para pagamento de juros ao ano de 6%, sem prejuízo destes poderem ser capitalizados e dispõe de prazo até 5 de Fevereiro de 2031 para pagar a dívida (art.º 29º da Oposição):
Isto porque,
F) Os factos alegados nos art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º (parcialmente quanto à Requerente) e 29º da Oposição foram confirmados pelas declarações do 1º Recorrente, mas também expressamente corroborados por depoimento da testemunha J.F., gestor e autor do plano de negócios para compra do avião, o qual afirmou exactamente no mesmo sentido que o 1º Recorrente.
G) A testemunha J.F. corroborou expressamente que o negócio não se destinava à compra do avião por T… e que a aquisição da aeronave passava por um empréstimo à sociedade Stream, aqui 2ª Recorrente mais concretamente na passagem [00:02:00 a 00:02:15].
H) A testemunha J.F. elucidou que o negócio da compra do avião passava por arranjarem um investidor, tendo contactado com vários bancos nacionais e internacionais e depois surgiu o pai do 1º Recorrente que se propôs como financiador, tendo a testemunha ido pessoalmente apresentar o plano de negócios a casa do Dr. T…., na presença da sua mulher aqui Recorrida, no final de 2018 – e cfr. factos provados 1., 2., 3. e 4..
I) Estando a testemunha J.F. convicta que o avião não era para o Dr. T…. e, que não era este que ia comprar o avião, tendo ficado claro nessa reunião que era um negócio do 1º Recorrente R…., e que o Dr. T… era um mero investidor, como referido nas passagens [00:13:34 a 00:13:54]. [00:14:30 a 00:14:38].
J) No depoimento de J.F., na passagem [00:14:10 a 00:14:14], é referido a propósito da taxa de juro de 6%, constante do plano de negócios e, que se propunham pagar ao financiador no âmbito do empréstimo para aquisição da aeronave, que o Dr. T…. disse “...isto com o meu gestor até consigo melhores taxas”.
L) Esta testemunha corrobora que a Requerente esteve presente nesta reunião, durante a apresentação do plano de negócios e discussão do mesmo, nomeadamente na passagem [00:09:40 a 00:11:50] (vide factos indiciariamente provados 4.).
M) Questionada esta testemunha J.F., sobre quem é que iria ser o dono do avião, respondeu: “o dono era a Stream…” [00:28:50 a 00:29:00].
N) Também, a testemunha J.R.F., explicou que foi ver o avião a Tires e em brincadeira questionou o Dr. T…., que lá se encontrava com o filho R…., se tinha comprado um avião, ao que Dr. T… respondeu “são coisas do R….”, não tendo dúvidas que o Dr. T…. não disse que o avião era dele, sempre disse que era do 1º Recorrente, durante as passagens [00:02:14 a 00:02:45] e [00:03:58 a 00:04:05].
O) Referindo ainda esta testemunha que as pessoas referiam-se “ao avião do R…” [00:03:10 a 00:03:50].
P) A testemunha J.A…, primo direito da Requerente, nas passagens [00:02:34 a 00:03:41], quando questionado, referiu que num jantar em casa do Dr. T… e da Recorrida, o primo lhe disse “ ... que o R… queria comprar um avião “ e, que o primo não apresentava nessa altura nenhuma debilidade mental [00:4:00 a 00:04:43].
Q) Ainda com relevância, a testemunha T…R. responsável pela gestão comercial do avião, afirmou que fazia a venda dos voos para o Dr. R…, desde meados de Abril de 2019 até Setembro/Outubro de 2020, altura em que o avião saiu da alçada do 1º Recorrente [00:02:22 a 00:04:19] e que nunca conheceu o pai ou a mãe do 1º Recorrente [00:04:45 a 00:04:19].
R) Referindo a testemunha T…R. que a empresa (Stream”) era rentável e que vendia as horas de voo a €8.300,00/hora. [00:13:35 a 00:14:30].
S) Elucidou, esta testemunha, mais concretamente na passagem [00:14:33 a 00:14:50] que esteve sempre a fazer a pesquisa dos voos que o avião tem realizado desde que foi entregue à Recorrida, tendo o avião desde 20.10.2020 a 07.09.2022 efectuado 1197 horas de voo.
T) De modo, a não julgar provados os factos constantes nos art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º e 29º da Oposição o Tribunal a quo não valorizou os depoimentos destas testemunhas e não relevou parcialmente as declarações de parte do 1º Recorrente, “na parte respeitante ao facto de o pai (T…) ser um mero financiador da aquisição e não o próprio adquirente da aeronave.”, considerando o depoimento das testemunhas inócuo, subjectivo e que, nada de concreto sabiam ou presenciaram sobre os termos do negócio subjacente à compra do avião.
U) Ora, pelo facto, das testemunhas terem conhecimento de alguns factos, mas não
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