Acórdão nº 1713/20.6T8LRS-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-21

Ano2022
Número Acordão1713/20.6T8LRS-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


Em 20.9.2020, e por apenso aos autos de execução comum em que é exequente L SARL e executados R, e esposa M, vieram estes deduzir embargos de executado, pedindo que, na procedência dos embargos, a)-Deve ser considerada como provada a exceção perentória invocada e, em consequência, serem os executados, ora oponentes, absolvidos do pedido; b)-Não sendo a dívida líquida, certa e exigível devem os ora oponentes ser absolvidos do pedido.
Alegam, em síntese, que desconheciam, até ao momento da citação nos presentes autos, o contrato de cessão de créditos que foi junto como doc. 1., tal como desconhecem se são devedores de alguma quantia ao Banco Comercial Português por força do contrato empréstimo destinado ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria celebrado entre este e a sociedade “A. Lda.”, no qual foram avalistas, e dado à execução. Mais invocam a prescrição da dívida, ao abrigo do disposto no art. 310º do CC.
Foi proferido despacho a admitir liminarmente a oposição e a ordenar a notificação da exequente para, querendo, contestar, o que esta fez, pugnando pela improcedência total dos embargos, prosseguindo a ação executiva os seus normais trâmites até efetivo e integral pagamento.

Foi proferido despacho nos seguintes termos: “Suscitam-se dúvidas ao Tribunal sobre a legitimidade passiva dos executados, no âmbito da ação executiva, com repercussões nos presentes embargos. Com efeito, consta-se que o título dado à execução é um contrato de mútuo, e não a livrança subscrita para garantia de obrigações emergentes do mesmo, e que os executados subscreveram aquele contrato, não na qualidade de mutuários, mas de avalistas da livrança, o que significa que poderá estar em causa uma falta de correspondência entre quem figura como devedor no título executivo e no requerimento executivo, vide artigo 53º, nº 1, do Cód. Proc. Civil. Face ao exposto, notifique as partes para querendo se pronunciarem no prazo de 10 dias”.
A embargada pronunciou-se no sentido de serem os executados parte legítima na ação executiva, e os executados no sentido de serem parte ilegítima.

Em 23.2.2022, foi proferida a seguinte sentença: DA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO POR ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DOS EXECUTADOS:
Por despacho anterior, suscitou o Tribunal oficiosamente a questão da ilegitimidade ad causam dos executados para a execução e, nessa sequência, notificou as partes para o exercício do contraditório, o que as mesmas fizeram.
Por requerimento de 19-01-2022, os embargantes defendem a verificação dessa exceção.
Por requerimento de 17-01-2022, a embargada opôs-se a essa exceção alegando, em suma, que os embargantes subscreveram, na qualidade de avalistas, quer o contrato junto com o requerimento executivo, quer a livrança junta com a contestação aos embargos, e que o título executivo é composto pelo contrato e pela livrança. Apreciando e decidindo. Olhando ao requerimento executivo, parece claro que a exequente não apresentou à execução a livrança, que só veio a juntar aos autos em anexo à sua contestação aos embargos, mas sim o “contrato CLS n.º … destinado a regularização de responsabilidades sob a forma de Conta Corrente caucionada n.º ---, celebrado em 11 de Maio de 2007, titulado pela Sociedade “A., Ldª e avalizado pelos aqui Executados R e Executada M” [vide exposição de factos no requerimento executivo].
Pese embora, no requerimento executivo, a exequente aluda à condição de avalistas dos executados, certo é que o requerimento executivo é totalmente omisso quanto à existência de uma livrança. Pretender introduzir a livrança como título executivo já em sede de embargos de executado e em resposta à petição dos executados/embargantes, afigura-se uma manobra inadmissível do ponto de vista da estrutura da ação executiva – que tem por base e limites ab initio o título executivo apresentado pelo exequente –, e dos direitos de defesa dos executados, que aliás, note-se, na petição de embargos, assumem como título executivo um contrato de mútuo e não a referida livrança. Em boa verdade, tal manobra redunda numa alteração da causa de pedir, que não é de admitir fora do quadro dos artigos 264º e 265º do Cód. Proc. Civil, cujos pressupostos não estão verificados. Ora, nos termos do artigo 53º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, «A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.»
Face ao exposto, impõe-se concluir que, no caso, o devedor do contrato de mútuo dado à execução não é qualquer um dos executados, conquanto estes apenas são avalistas da livrança oferecida pelo devedor em garantia do cumprimento das suas obrigações e que constitui um título executivo distinto e autónomo, não confundível com o referido contrato. Conclui-se, pois, que carecem os executados de legitimidade para a execução, tal como configurada pela exequente, ou noutra ótica, conclui-se que na execução intentada pela exequente inexiste título executivo contra os executados.
A ilegitimidade em causa constitui uma exceção dilatória, é de conhecimento oficioso, é insanável e importa a absolvição dos executados da instância executiva, cfr. artigos 577º, al. e), 578º, e 278º, nº 1, al. d), todos do Cód. Proc. Civil. Com os fundamentos de facto e de Direito acima expostos, ao abrigo do disposto no artigo 734º e 729, als. a) e c), do Cód. Proc. Civil, DECIDE-SE julgar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, em consequência, absolver da instância executiva os executados e declarar extinta a execução. Fixa-se o valor da execução em 11.940,50 Euros, correspondente ao valor da quantia exequenda, cfr. artigos 296º, nº 1 e 297º, nºs 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil.
As custas processuais são da responsabilidade da exequente, que nelas vai condenada por ir vencida, cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil. DA EXTINÇÃO DOS EMBARGOS DE EXECUTADO POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE: Uma vez extinta a execução, com os fundamentos supra, resta extinguir os presentes embargos de executado que, em consequência lógica, se tornaram inúteis. Nesta conformidade, DECIDE-SE declarar extinta a presente instância de embargos de executado por inutilidade superveniente da lide, cfr. artigo 277º, al. e), do Cód. Proc. Civil, fixando-se o respetivo valor no mesmo valor da execução, cfr. artigo 304º, nº 1, do Cód. Proc. Civil.
As custas nesta parte são da responsabilidade da exequente, por lhe ser imputável o motivo de inutilidade, cfr. artigo 536º, nº 3, do Cód. Proc. Civil.”.

Não se conformando com o teor da decisão, apelou a exequente/embargada, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.–O Tribunal a quo considerou a verificação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos Executados/Embargantes, aqui Apelados.
2.–Acontece que o Tribunal a quo construiu o seu argumentário numa errónea apreciação da prova produzida nos autos e da matéria de direito.
3.–Entende a Apelante que é inequívoco que estamos perante uma prestação exigível quanto aos Executados/Embargados, ora Apelados, não se verificando qualquer exceção dilatória de ilegitimidade passiva daqueles.
4.–Pelo que, deverá revogar-se a douta decisão impugnada, determinando-se improcedente os Embargos apresentados e, consequentemente, a prossecução da execução que corre termos nos autos principais.
A decisão sob censura violou, entre outros, os seguintes preceitos legais:Artigo 703.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil; • Artigo 30.º da LULL; • Artigo 32.º da LULL; Artigo 458.º do Código Civil.
Termina pedindo que se revogue a sentença recorrida, julgando improcedente os Embargos apresentados e, consequentemente, determinando a prossecução da execução que corre termos nos autos principais, com as demais consequências legais.

Não se mostram juntas contra-alegações.

QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), a única questão a decidir é se os executados são parte ilegítima na ação executiva, ou se a exequente carece de título contra os mesmos.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade relevante é a supra referida, bem como a seguinte (que se dá como assente nos termos do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 663º, nº 2, do mesmo diploma legal):
1.Nos autos de execução de que são apenso os presentes embargos, consta do RE o seguinte:
“…
Espécie: Execução Sumária (Ag. Execução)
Valor da Execução: 11 940,50 € (Onze Mil Novecentos e Quarenta Euros e Cinquenta Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Execuções]
Título Executivo: Outro título com força executiva
Factos:
Questão prévia:

Factos:
1–A Exequente é a atual e única credora quanto ao crédito relativo ao contrato CLS n.º … destinado a regularização de responsabilidades sob a forma de Conta Corrente caucionada n.º ---, celebrado em 11 de Maio de 2007, titulado pela Sociedade " A., Ldª ”, e avalizado pelos aqui Executados R e Executada M, conforme contrato que ora se junta como Doc. 2 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
2–A presente execução é intentada apenas contra os supra referenciados Avalistas, ora Executados, em função da sentença de insolvência da Sociedade “A., Ldª” verificada em 19 de Agosto de 2011.
3–O valor em dívida resultante do contrato de crédito não foi pago até à data, em dinheiro ou por qualquer outra forma, pelos Executados.
4–O total em débito de € 11.940,50 (onze mil novecentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos) na presente data, resulta do valor do crédito cedido: € 10.518,11 conforme Anexo ao Contrato de Cessão, que ora se junta como Doc.
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