Acórdão nº 171/19.2IDFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-03-19

Ano2024
Número Acordão171/19.2IDFAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório

Nos presentes autos de processo comum coletivo que correm termos no Juízo Central Criminal de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 171/19.2IDFAR, foram os arguidos AA, filho de BB e de CC, nascido em …1974, natural de …, casado, gerente, residente em …, titular do cartão de cidadão n.º … e DD, filha de EE e de FF, nascida em …1973, natural da freguesia de …, concelho de …, casada, gerente, residente em …, titular do cartão de cidadão n.º …, condenados nos seguintes termos:

- Pela prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos artigos 7.º, n.º 1 e 3, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, alíneas a) e b) do RGIT nas penas parcelares de 2 anos e 4 meses, 3 anos, 1 ano e 8 meses e 1 ano e 8 meses, para cada um deles, por cada um dos referidos crimes;

- Em consequência de cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, nas penas únicas de 5 (cinco) anos de prisão, suspensas nas suas execuções pelo período de 5 anos, sob a condição de os arguidos pagarem, em tal período, a quantia de 286 046,16 € em partes iguais, cabendo a cada um deles o pagamento o pagamento da quantia de 143 023,08 €;

- No pagamento ao Estado - Fazenda Nacional da quantia de 254 831,74 € (duzentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos) acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal, a título de ressarcimento dos prejuízos causados com a prática dos crimes.

*

Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1- Os arguidos, ora recorrentes foram condenados pelo Tribunal “a quo” como autores materiais pela prática de quatro crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 7º, n.º 1 e 3, art. 103º, n.º 1 e art. 104º, n.º 2, al. a) e b) do RGIT, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, na condição de os arguidos, no mesmo período temporal pagarem a quantia de € 286.046,16 (duzentos e oitenta e seis mil e quarenta e seis euros e dezasseis cêntimos), em partes iguais.

Foram ainda aos arguidos condenados no pagamento do pedido de indemnização civil deduzido pelo Ministério Público, em representação do Estado- Fazenda Nacional, no valor de € 254.831,74 (duzentos e cinquenta e quatro mil oitocentos e trinta e um euros e setenta e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora calculados à taxa legal.

2-Foi dado como provada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento que os arguidos “beneficiam da solidariedade e interajuda dos pais da arguida e do filho de … anos de idade, que explora uma empresa de …” e que “Actualmente, os arguidos DD e AA vivem sozinhos, auferem, cada um, cerca de 300€ a 350€ euros mensais pelo trabalho que prestam na empresa do filho.

O arguido AA esporadicamente também presta serviços na área da construção civil.”

3- Ora, tendo em conta a situação económica dos arguidos provada nos autos, e dado como provado que a arguida DD, aufere mensalmente a quantia de € 300,00 mensais e o arguido AA, a quantia de €350,00, realizando também este último, alguns trabalhos esporádicos na construção civil, podemos facilmente constatar que os mesmos não têm qualquer hipótese de fazer face ao pagamento do valor fixado a título de condição de suspensão da pena de prisão. Sabendo-se de antemão que, decorrido este período de 5 anos, os arguidos terão então que cumprir pena de prisão efectiva.

Pois, esta condenação sujeita a tal condição é, salvo o devido respeito, completamente desproporcional em relação à condição económica dos mesmos e logo, impossível de cumprir.

4- Estabelece o n.º 1 do art. 51º do Código Penal que: “A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime (…)”

5- Porém, também estabelece o n.º 2 da mesma disposição legal que tais deveres não podem, em caso algum, representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

6- Pois, se o princípio da razoabilidade, por um lado impõe que não se exija mais do que o necessário para atingir o fim pretendido, por outro, também obriga a que não se estabeleçam condições desmesuradas em relação à capacidade financeira dos condenados.

7- De acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 13/12/2006, “(…) este princípio da razoabilidade, previsto no n.º 2 do art. 51º do Código penal, consagra o princípio da razoabilidade, que significa que a imposição de deveres deve atender às forças do destinatário, o agente do crime, para não frustrar, logo à partida, o efeito reeducativo e pedagógico que se pretende extrair da medida, mas cuidando de não cair do extremo de fixar uma condição atendendo apenas às possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado, sob pena de se inviabilizar, na maioria dos casos, o propósito que lhe está subjacente, qual seja de dar ao arguido margem de manobra suficiente para desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição.”

8- Mas aqui não se trata sequer do facto de estar a impor-se um sacrifício ou um grande esforço aos arguidos, está-se a aplicar como contrapartida à suspensão da pena, salvo o devido respeito, uma condição impossível ou irrazoável.

9- Até porque um grande sacrifício seria sempre exigível, estando subjacente às funções da suspensão da pena de prisão, mas no presente caso, exige-se algo que é completamente impossível.

10-Pois sabe-se, à partida, que os arguidos não teriam, por muitos esforços ou grandes sacrifícios que fizessem, qualquer capacidade de a vir a cumprir.

11- O que leva assim por arrasto o juízo de prognose no sentido de os arguidos reunirem condições para pagar tais valores e da ameaça do cumprimento da pena de prisão, pois neste caso, esta “ameaça” constitui já uma certeza, dado que os arguidos, sabem à partida, que não conseguirão cumprir esta condição.

12- Dado que, os arguidos com uma casa penhorada e com rendimentos na ordem dos € 300,00 e de € 350,00 mensais, cada um, não têm qualquer forma de proceder ao pagamento dos valores fixados como condição da suspensão desta pena de 5 anos de prisão.

13 - De acordo com o decidido por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/10/2018, no âmbito do Processo n.º 3420/16.5T9GDM.P1, “a medida só poderá ser aplicada na “medida das forças” do condenado, e mais precisamente em obediência ao princípio da razoabilidade do dever imposto, conforme resultou determinado no nº 2 do art.º 51º, ao estabelecer que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de exigir. Não devendo, portanto, ser determinado tal dever se o condenado, logo à partida, não estiver em condições de pagar qualquer quantia. Ou seja, fixando-se o dever dentro dos parâmetros “da finalidade da punição, da proporcionalidade e da exigibilidade.” Tal preceito tem necessariamente ínsito o princípio da proporcionalidade, consagrado no art.º 18º da CRP, que transposto para o âmbito das decisões judiciais, tem o sentido de que qualquer imposição restritiva de um direito fundamental, ainda que baseado na lei, e justificada pela necessidade de proteção de bens jurídicos fundamentais, só poderá ocorrer, ademais como uma correta aplicação dessa mesma lei, se no caso concreto se verificar a necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, de uma tal restrição.” Face ao exposto, e considerando a factualidade dada como provada nos presentes autos, somos levados a concluir que não é proporcionado nem razoável exigir-se, ao abrigo da al. a) do nº 1 do art.º 51º do CP, o pagamento de indemnização, cujo cumprimento, face ao rendimento disponível se afigura como impossível (…)”

14- Também no mesmo sentido, o Acórdão 8/2012, do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2012, publicado no DR I, série nº 206 de 24/10/2012, veio fixar a seguinte jurisprudência: no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia. (Processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A. S1 - 3.ª Secção).”

15- Ora, e salvo o devido respeito por diversa opinião, o valor fixado como condição de suspensão da pena de prisão, não se adequa à situação económica dos arguidos, e coloca, desde logo, em causa o juízo de prognose de razoabilidade do cumprimento desta condição de suspensão, que não teve em conta estes critérios.

16- Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em 26 de fevereiro de 2014, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1467/11.7IDLSB.L1-3, “naqueles casos onde, da formulação do juízo de prognose, resulte a conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de cumprir o dever que lhe é imposto, tal imposição representaria para o arguido uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, contrariando o disposto no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal.”

17- Logo, como aplicável nos demais tipos de crime, nos crimes tributários também só poderá ser imposta a condição prevista no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, caso, formulado o juízo de prognose, se conclua pela existência de condições para o seu cumprimento, o que, no presente...

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