Acórdão nº 17046/20.5T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-06-21

Ano2022
Número Acordão17046/20.5T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


1.Da Acção[1]

J…., com domicílio em Portugal, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Electronic Arts Inc., com sede em 209, R..... S..... P....., R..... C....., C_____, 9...5, EUA, peticionando que esta seja condenada a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade e pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 240.000,00 (Duzentos e quarenta mil euros), de capital, acrescida dos juros vencidos, no montante de € 43.459,07 (Quarenta e três mil e quatrocentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos), tudo no total de € 283.459,07 (Duzentos e oitenta e três mil e quatrocentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos) e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei. Mais deve a Ré ser condenada a pagar o montante nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos, no montante de € 2.156,16, tudo no total de € 7.156,16 e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

Para o efeito, alegou em síntese, que é futebolista, representando atualmente o clube inglês, R..... Football C____. Por sua vez, que a Ré Electronic Arts Inc., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo, que vem a utilizar a imagem e o nome do Autor, para divulgar e disseminar a venda dos jogos FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE, sem a devida autorização violando, consequentemente o seu direito de imagem.

Citada, a Ré contestou, arguindo, além do mais, a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciar a presente ação.

Em resposta o Autor pugnou pela respetiva improcedência, afirmando em síntese, que (i)- os jogos, propriedade da Ré, são comercializados e distribuídos mundialmente, pelo que também em Portugal (ii)- facto danoso mostra-se consumado em Portugal (iii) ser cidadão português e ter domicílio em Portugal.

Subsequentemente foi proferida decisão que declarou a incompetência absoluta tribunal por infração das regras de competência internacional dos tribunais portugueses e, consequentemente, absolveu a Ré da instância, nos termos que se transcrevem :«.No caso em apreço estamos perante uma relação jurídica em que são partes o Autor, pessoa singular, cidadão português, e a Ré, pessoa coletiva, com sede na Califórnia, Estados Unidos da América, que, segundo a versão trazida na petição inicial, desenvolve e fornece jogos com fins lucrativos e, para tal, utiliza a imagem e o nome do Autor, sem autorização para o efeito. Daqui resulta que estamos perante uma ação relativa a responsabilidade extracontratual. No caso vertente não se vislumbra a existência de qualquer instrumento internacional sobre a matéria em questão pelo que se impõe recorrer ao disposto no art. 62.º do CPC. Nos termos do normativo citado, “os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a)Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b)Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c)Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”. A alínea a) do preceito legal citado convoca-nos para a previsão ínsita no n.º 2 do art. 71.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual “se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundado no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu”. Atentos os factos alegados pelo Autor, o facto gerador de responsabilidade civil não ocorreu, sob nenhuma forma, em Portugal, porquanto, alegou que a Ré, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, vem a utilizar a imagem e o nome do Autor, para divulgar e disseminar a venda dos jogos FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE, sem a devida autorização. Acresce que parece resultar da petição inicial que a comercialização dos jogos é efetuada por terceiros. Assim, afigura-se-nos que facto ilícito imputado à Ré – produção de videojogos com a imagem do Autor – ocorreu no estrangeiro, pelo que não se verifica, desde logo, o fator de atribuição de competência internacional, à luz das regras de competência territorial. No que respeita à al. c), importa aferir se foi praticado em Portugal algum facto em território português constitutivo da causa de pedir. Afigura-se-nos que a produção dos jogos por parte da Ré ocorre nos Estados Unidos da América, não sendo alegado que a Ré vende os jogos que produz em Portugal. Por sua vez, a ocorrência dos danos é invocada de forma genérica e conclusiva, pelo que o nexo entre a atuação da Ré e tais danos ou a culpa da Ré também não têm ligação direta ao território nacional, sendo a nacionalidade um elemento irrelevante em termos de fator atributivo de competência. Por fim, afigura-se-nos que não se verificam os pressupostos a que alude a al. c) do artigo 62. ° do Código de Processo Civil, cuja razão de ser visa prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações de denegação de justiça, sendo que a tutela dos direitos de personalidade é transversal ao mundo ocidental. Deste modo, estamos perante a verificação da exceção de incompetência internacional dos Tribunais portugueses para apreciar a presente ação, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 96. ° do Código de Processo Civil, a qual configura exceção dilatória e tem como consequência a absolvição da Ré da instância, nos termos do n.° 2 do artigo 576.º e da alínea a) do artigo 577. °, ambos do Código de Processo Civil, o que se declara.»

2.Do Recurso

Inconformada, o Autor interpôs recurso que culmina nas seguintes conclusões:
«a)-A decisão recorrida é salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.
b)-Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.
c)-O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a sua incompetência internacional, já que não restam dúvidas da competência internacional do Tribunal a quo para o julgamento do presente litígio.
d)-A ré produziu e comercializou, fisicamente e online, milhões de jogos de vídeo contendo a imagem, nome e demais características pessoais do Autor, sem o seu consentimento ou autorização e sem lhe pagar qualquer contrapartida económica.
e)-Tal conduta constituiu uma apropriação da imagem do Autor, que tem um valor patrimonial, emergente do valor comercial que aquela imagem, tem no mercado.
f)-O Autor – ao contrário do que a decisão recorrida refere - substanciou em factos a ocorrência de um dano, e os danos causados ao Autor (patrimoniais e não patrimoniais), por acção da ré, apenas a esta podem ser imputáveis, por ela a única autora do facto danoso (cfr. artigos 562. °, 563. °, 564, n.° 1, 565. °, 566. ° n.°s 1, 2 e 3, todos do Código Civil e ainda artigo 609. ° n.° 2 do Código de Processo Civil).
g)-Ao contrário do que a decisão recorrida refere, esses danos verificam-se no nosso país, porquanto os jogos são comercializados, distribuídos, jogados e a imagem, nome e demais caraterísticas do Autor são utilizadas, mundialmente, pelo que, logicamente, também em Portugal.
h)-Isso mostra-se devidamente alegado nos artigos 15.°, 18.°, 102.° e 191.°, da petição inicial e reiterado nos artigos 22.° e seguintes do articulado de Resposta às Excepções de fls. ___.
i)-É, pois, absolutamente evidente que são praticados em território português os factos que integram a causa de pedir na presente acção.
j)-A obrigação de reparação, no caso concreto do Autor, resulta de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial - a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. (negrito e sublinhado nossos).
k)-A obrigação de reparação, in casu, decorre de um uso indevido de um direito pessoalíssimo, não sendo de exigir - ao menos na componente de dano não patrimonial – a prova da alegação da existência de prejuízo ou dano, porquanto o dano é a própria utilização não autorizada e indevida da imagem. Tal como a decisão recorrida, salvo o devido respeito, ignora ostensivamente!
l)-Não podia, pois, o Tribunal a quo deixar de concluir, in casu, pela verificação do factor de conexão previsto na alínea b) do artigo do artigo 62.º do Código de Processo Civil: ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação ou algum dos factos que a integram (à causa de pedir).
m)-Neste sentido, e no que respeita a situações análogas já analisadas pelo TJUE quanto a esta matéria salientam-se os acórdãos Shevill e e Date Advertising GmbH, cujos textos, para efeitos de exposição, aqui se dão por reproduzidos e ainda a doutrina já fixada no douto acórdão do STJ de 25¬10-2005.
n)-Para além disso, o Autor é cidadão português, tem aqui o seu domicílio e os seus
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