Acórdão nº 170/23.0 BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-02-08

Ano2024
Número Acordão170/23.0 BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Social, no âmbito de Reclamação para a Conferência:

I – RELATÓRIO
O Demandante F........, nos Autos em que é Demandada a Federação Portuguesa de Futebol, tendo tomado conhecimento do sentido e teor do acórdão arbitral proferido em 24 de outubro de 2023, e com ele não se conformando, veio dele interpor RECURSO para este Tribunal Central Administrativo do Sul.

Efetivamente, decidiu-se Arbitralmente “Julgar o presente recurso totalmente improcedente, e, consequentemente, confirmar a decisão disciplinar condenatória recorrida, proferida pelo CDFPFP, condenando-se o Demandante na sanção de suspensão de 45 (trinta e cinco) dias e, acessoriamente, uma sanção de muita no valor de 7.650€.”

Apresentou o Recorrente/F........, as seguintes Conclusões:
“- I - A. Não pode o Recorrente conformar-se com o sentido e teor da decisão arbitrai condenatória proferida em 25/10/2023, desde logo por entender que deveria ter sido absolvido pois a sua atuação não extrapola o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão.
-II- B. Antes de mais, ao contrário do que entendeu o TAD deve ser aplicada ao presente processo a Lei n.° 3 8-A/2023, de 01 de Setembro que prevê a amnistia das infrações disciplinares sempre que as mesmas não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados e cuja sanção aplicável não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar,
C. não podendo a circunstância do Recorrente ser reincidente não poderá ser usada à guisa de argumento para sustentar um afastamento da aplicação da aludida Lei, pois que a estatuição da alínea j) do artigo 7.° da Lei n.° 38-A/2023. de 2 de agosto não se aplica à amnistia dos ilícitos disciplinares.
D. Desde logo porque a amnistia de infrações disciplinares objeto da referida Lei tem carácter puramente objetivo (art. 6.°: “'São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares’'), não sendo estabelecida qualquer delimitação do âmbito subjetivo — o que apenas acontece no que respeita a matéria penal.
E. Ademais, a inserção sistemática da exceção ínsita na alínea j) do artigo 7.° da referida Lei - a seguir ao elenco dos crimes não amnistiáveis e antes das pessoas e das contraordenações que não beneficiam desse regime haverá necessariamente de levar à conclusão que quando a Lei exceciona "os reincidentes” da aplicação da amnistia se refere apenas aos que foram condenados como tal em processo-crime.
F. Tanto assim é que, a amnistia de infrações disciplinares é objeto de tratamento autónomo, o qual contém já um regime de exceção próprio. Pelo que não faz qualquer sentido que o legislador tivesse criado um regime de aplicação da amnistia a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares com um regime específico (especial) de exceção da sua aplicação e. concomitantemente, tivesse querido sujeitá-lo a uma cláusula adicional de exclusão inserta noutra norma, de carácter geral.
G. O entendimento de que a reincidência não é (nem pode ser) critério de exclusão da aplicação do referido regime no que concerne às infrações disciplinares, com as aqui em sindicância, é o único que encontra apoio no texto da lei e que respeita o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico.
H. e que vai, além do mais, ao encontro da posição já assumida por este Tribunal Central Administrativo do Sul no âmbito do processo n.° 46/23.OBCLSB (TAD 4/2022) - no qual. num caso em tudo idêntico ao sub judice. se entendeu amnistiar as infrações disciplinares imputadas aos Recorrentes Futebol Clube do Porto - Futebol SAD e F........, não obstante este último ser reincidente precisamente nos termos do disposto no art. 136.°-1 e 3 do RDLPFP.
I. Pelo que. também aqui. se haverá de concluir que a infração imputada ao Recorrente, o objeto do presente recurso, encontra-se abrangida pela amnistia instituída pela Lei n.° 38*\A/2023, tendo sido por ela amnistiada - o que se requer seja reconhecido com as legais consequências.
-III- J. A condenação do Recorrente assenta nas declarações proferidas pelo mesmo no programa de televisão "Universo Porto - Da bancada", transmitido no dia 23/05/2023 pelo "Porto Canal", no qual dá a sua opinião acerca da atuação do VAR H......... em determinados jogos.
K. Não podia a ora Recorrida, e bem assim o Tribunal a quo, deixar de apreciar (e de valorar positivamente a favor daquele) o concreto contexto e os factos que permitiram criar a convicção que o aqui Recorrente veio a propalar acerca da atuação profissional do visado.
L. F........ é Diretor de Comunicação da Futebol Clube do Porto - Futebol. SAD. fazendo parte das suas funções, justamente, a tomada de posição (pública) sobre todos os assuntos relacionados com o futebol - nos quais se inclui, naturalmente, as questões sobre a arbitragem.
M. As declarações em causa nos presentes autos mais não traduzem do que o expressar da sua indignação relativamente a um desempenho de um agente de arbitragem que se revelou como vergonhoso porque recheado de erros injustificáveis e que afetam seriamente o bom funcionamento da competição - erros esses que além de terem sido expressamente apontados pelo Recorrente ao longo do seu discurso, foram inclusive alvo de apreciações e comentários negativos por parte da generalidade da imprensa desportiva.
N. Tudo o que é. portanto, demonstrativo de que as críticas tecidas pelo Recorrente foram motivadas por arbitragens concretas que estiveram longe de ser isentas de censura.
O. O Recorrente alicerça o seu raciocínio em específicos erros de arbitragem que o mesmo detalhadamente enuncia, erros esses que têm a virtualidade de influenciar, de forma direta e decisiva, o resultado final das partidas, e. consequentemente, a própria grelha classificatória; pelo que se tem por perfeitamente legítima a conclusão (ainda que sob a forma de juízo de valor subjetivo) alvitrada no sentido de que a verdade desportiva foi efetivamente desvirtuada/ falseada.
P. O desempenho das equipas de arbitragem assume um papel fundamental e de especial revelo no desenrolar das competições desportivas, sendo certo que os erros dos árbitros têm repercussões sérias no resultado das competições nacionais e internacionais, esperando-se e exigindo-se daqueles profissionais rigor e competência máximos.
Q. Se a atuação (errada) dos árbitros influencia indiscutivelmente o resultado, e se se trata de falhas (graves) assumidamente reconhecidas por todos, então é natural que se impute aos visados uma atuação incompetente na aplicação das lex artis. E isto sem que se coloque em causa a concreta idoneidade dos árbitros visados mas apenas se suscitando dúvidas (legítimas) sobre a sua competência e capacidade técnica.
R. Sendo igualmente legítimo que, face a situações que se têm por incompreensíveis e intoleráveis, se possa colocar em causa, inclusive, a competência e atuação das Instâncias responsáveis a esse nível, questionando, ainda que de forma veemente, o que está a ser feito para evitar que erros crassos de arbitragem (seja por Acão ou por omissão) como os verificados no jogo em questão sejam evitados.
S. Devendo, necessariamente, os arts. 112.° e 136.M do RD ser interpretados e enquadrados atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelo que as expressões contantes daquele RD relativas ao "desrespeito", à "injúria", à "difamação" ou à "grosseria" terão, impreterivelmente, que ajustar-se àquela mesma realidade.
T. Certo é que, independentemente do desagrado que as suas palavras possam ter causado, a atuação do Recorrente enquadra-se e não extrapola o âmbito do direito fundamental à liberdade de expressão (arts. 37.°-1 da Constituição da República Portuguesa. 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 10.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos).
U. A tese sufragada na decisão recorrida pelo Tribunal a quo contraria aquilo que vem sendo entendido pelo TEDH quanto à prevalência do direito fundamental à liberdade de expressão face ao bom-nome e à honra de terceiros, sempre que exista uma base factual mínima que suporte as afirmações propaladas.
V. Trata-se de meros juízos de valor - ainda que depreciativos, é certo - sempre voltados, em exclusivo, para o desempenho da arbitragem e para a atuação profissional do visado, jamais tendo sido o propósito do Recorrente ofender a honra, bom-nome e reputação do vídeo-árbitro visado, mas apenas apreciar de forma crítica (ainda que severa) a sua arbitragem naquele jogo em concreto.
W. Como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na proteção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um "ataque pessoal gratuito” - o que assumidamente não se verifica no presente caso!
X. Tinha, pois, o Recomente base factual mais do que suficiente para criticar a prestação da arbitragem nos termos em que o fez, não lhe podendo nessa medida ser atribuída qualquer responsabilidade disciplinar.
Y. Por ser assim, não merecendo a conduta do Recorrente qualquer censura, não podendo subsumir-se na norma disciplinar imputada, nem em qualquer outra, impõe-se a revogação da decisão recorrida, sendo substituída por outra que importe a absolvição do Recorrente - o que se requer com as devidas e legais consequências.
Z. Sem prescindir, sempre se diga que a interpretação da norma prevista no art. 112.°-1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no sentido de que constitui uma lesão intolerável do direito à honra do visado a propalação de afirmações (escritas ou verbais) que contendam com as suas qualidades morais e pessoais, mesmo quando haja base factual suficiente que sustente tais imputações, é manifestamente inconstitucional por violação do conteúdo...

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