Acórdão nº 169/10.6BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão169/10.6BELLE
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
E...., com os demais sinais nos autos, intentou Ação Administrativa Comum contra o Estado Português, tendente, em síntese, à condenação deste no Pagamento de 36.300€ correspondente aos honorários que terá despendido com o seu Advogado, no âmbito de Processos em litigou contra o Estado Português, relacionados com a liquidação do IRS nos anos de 2003 e 2004, Ações em que veio a obter ganho de causa.
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Loulé em 18 de janeiro de 2013, que decidiu julgar a Ação parcialmente procedente, condenando-o a pagar à autora 35.916€, veio recorrer da decisão proferida em 4 de fevereiro de 2013, apresentando as seguintes conclusões:
“a) Dos autos, resulta, de modo claro, que os serviços de Finanças se limitaram a agir, cumprido de modo integral a lei, como era seu dever.
b) Nenhum agente do serviço de Finanças, pode ser responsabilidade, pelo facto de ter cumprido a lei.
c) Tanto mais que a decisão das Finanças foi do mesmo modo interpretada e aplicada, pelo Tribunal Administrativo de Loulé, pois, era assim o que a lei em vigor o dispunha (Ac STA junto como Doc 1 na petição).
d) A responsabilidade, a existir, poderia eventualmente enquadrar-se, na responsabilidade politica (o que esteve em causa foi, apenas, a “desconformidade com o art. 56º do Tratado que institui a Comunidade Europeia”, “fonte de direito de hierarquia superior ao art. 43º 2 Código IRS, na qual a administração fundamentou a decisão (Ponto C dos factos provados).
e) A questão (sobre tratamento desigual de estrangeiros) é muito duvidosa, sendo, por isso, legítima a dúvida. Pois, existem milhentas leis que diferenciam e limitam os direitos de estrangeiros, em todos os países da Europa, conforme acima descrito.
f) Por isso, mesmo que estivesse em vigor a Lei 67/2007, não se verificavam os pressupostos da culpa político-legislativa, por não haver qualquer culpa do legislador.
g) A Lei 67/2007 de 31 dezembro, porém, nem sequer estava em vigor, à data dos factos (ver o recibo foi assinado em 28 setembro 2007 (Doc 4 da petição), antes da aprovação publicação da lei)
h) Mesmo que se aplicasse (a Lei 67/2007), seria exigido que se provasse culpa leve dos seus agentes, ou alguma anormalidade do serviço (art 7º nº 1 e 3 da Lei 67/2007), o que não se provou minimamente.
i) Em consequência, a presente ação não poderá ter outra decisão, que não seja a sua improcedência, por não se terem verificado, quaisquer dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Conclusão
Por tudo o acima exposto, a douta sentença de 18 janeiro 2013, deverá ser revogada por outra que julgue a ação improcedente, porque os honorários não foram reclamados nos termos dos arts 457º e 662 3 CPC, e, fora destes casos, apenas seria exigível se se verificassem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o que não se verifica no caso dos autos. Por outro lado, a existir responsabilidade seria político-legislativa e, na data dos factos, não estava em vigor a Lei 67/2007. E, mesmo esta (político-legislativa), não se verifica no caso dos autos, como acima referido. Devendo, em qualquer dos casos, a douta sentença recorrida, ser julgada por improcedente.
Contudo, V Exas farão a costumada Justiça”

A Recorrida não veio a apresentar Contra-alegações de Recurso.

Em 19 de março de 2013 foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, de modo a verificar se o Estado deverá assegurar o pagamento dos honorários do Advogado da Autora, a titulo de Responsabilidade Civil,
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto como Provada.
“a) O Diretor-geral dos Impostos emitiu dois atos de liquidação relativos a IRS dos anos de 2003 e 2004 dirigidos à autora.
b) Esses dois atos de liquidação foram julgados ilegais e anulados, nos termos das seguintes decisões judiciais: a) o de IRS de 2003, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de janeiro de 2008, proferido no Processo n.º439/06. b) o de IRS de 2004, por Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 25 de março de 2008, proferida no processo n.º637/05.1BELLE.
c) O fundamento da declaração de ilegalidade foi a sua desconformidade com o artigo 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, fonte de direito de hierarquia superior à norma do Código do IRS (artigo 43.º, n.º2), na qual a administração fundamentou a sua emissão.
d) Em sede de STA, este apresentou no TJCE um pedido de decisão prejudicial nos termos do artº 234 TCE, que culminou no Acórdão do TJCE de 11 de outubro de 2007, proferido no processo C-443/06.
e) No Acórdão proferido pelo STA foi atribuída a Procuradoria de 20% que veio a ser liquidada no montante de €384.
f) A autora despendeu a quantia de €36.300, em honorários de advogado com todas as diligências processuais referidas em b) e d).
g) A autora instaurou o processo de impugnação n.º13/05.6BELLE referente ao IRS de 2003, apresentando, em janeiro de 2005, uma petição inicial de 7 páginas com 15 artigos.
h) No recurso interposto para o STA da sentença proferida nesses autos, a autora apresentou alegações em 8 páginas, com formulação de 3 conclusões.
i) A autora apresentou alegações escritas em 9 páginas, no reenvio prejudicial para o TJCE.
j) Para impugnação do IRS de 2004, a autora instaurou o processo de impugnação n.º637/05.1BELLE, apresentando, em 30 de novembro de 2005, uma petição inicial de 6 páginas com 15 artigos.
k) Nesta ação, a autora apresentou dois requerimentos.
l) O valor global em causa nas duas ações é de €106.907.57.

IV - Do Direito
Por forma a permitir uma mais eficaz visualização do entendimento adotado em 1ª Instância, infra se transcreve, no que aqui releva, o discurso fundamentador da Sentença Recorrida.
“A questão a apreciar e decidir nos presentes autos é a de saber se assiste à autora o direito a ser indemnizada, com fundamento no regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, em virtude de terem sido emitidos dois atos de liquidação de IRS que vieram a ser anulados por desconformidade entre o regime constante do artigo 43.º, n.º2 do CIRS, na redação em vigor em 2003 e 2004, e o disposto no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia.
(…)
À data da prática dos atos de liquidação referidos, que a autora reputa de ilícitos, encontrava-se em vigor o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas públicas constante do Decreto-lei n.º48051, de 21 de novembro de 1967, pelo que é este o regime legal aplicável à pretensão indemnizatória da autora.
Com efeito, em matéria de responsabilidade civil, atento o disposto no artigo 11.º, n.º1 do Código Civil, é aplicável a lei que se encontrar em vigor à data da prática do facto ilícito, uma que as normas sobre os pressupostos da responsabilidade são normas de direito substantivo.
(…)
A responsabilidade civil extracontratual do Estado por atos de gestão pública tem por referência o regime geral de responsabilidade constante do Código Civil, sendo-lhe aplicável o disposto nos artigos 483º a 510º e 562º a 572º deste Código, sem prejuízo das regras constantes do referido Decreto-lei nº48051, de 21 de novembro de 1967.
Nos termos do artigo 2º, nº1 do Decreto-lei nº48051, de 21 de novembro de 1967, “O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.
(…)
O artigo 6º do Decreto-lei nº48051, de 21 de novembro de 1967, define a ilicitude nos seguintes termos: “Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Refira-se que o conceito de ilicitude constante daquele artigo 6º confunde-se com o de ilegalidade, na medida em que se qualificam como ilícitos os atos que violem normas legais e regulamentares, pelo que, como adverte o Professor Gomes Canotilho, in “O problema da responsabilidade do Estado por atos lícitos”, Almedina, 1974, “temos de precaver-nos contra a completa equiparação da ilegalidade à ilicitude, sugerida pela redação do artigo 6º”.
(…)
Quanto à culpa, o artigo 4º, nº1 do referido Decreto-lei, estabelece o seguinte: “1. A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artigo 487.º do Código Civil”, o que significa que a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
Tendo presente o que antecede, conclui-se que os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito são em tudo idênticos aos pressupostos da responsabilidade constantes do artigo 483º do Código Civil, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Refira-se que, não obstante o regime constante do Decreto-lei n.º48051, de...

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