Acórdão nº 1688/21.4T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-10-06

Data de Julgamento06 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão1688/21.4T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA)
Tribunal Judicial da Comarca da Guarda

Tribunal do Trabalho da Guarda

1688/21.4T8GRD.C1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

A... Sociedade Unipessoal, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados no pagamento à autora, em quantia nunca inferior a €40.000,00 pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, e prejuízos causados pelas suas condutas ilícitas e dolosas,; mais pedindo, que os réus sejam solidariamente condenados no pagamento à autora, pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, e prejuízos causados pelas suas condutas ilícitas e dolosas, calculados nos termos do disposto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil e, ainda, caso também assim não se entenda, que os réus sejam solidariamente condenados no pagamento à autora, pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, e prejuízos causados pelas suas condutas ilícitas e dolosas, a liquidar em execução de sentença.

Alegou para tanto, e em síntese, que, os réus foram trabalhadores da autora, tendo denunciado o contrato de trabalho, com efeito no dia 31.08.2021, através de cartas registadas, recebidas no dia 30.06.2021, sendo que, na pendência do contrato de trabalho, desenvolveram uma atividade paralela de aplicação e instalação de equipamentos de energias renováveis e de outros produtos relacionados, tendo-se apropriado do “know-how” da autora e utilizaram os mesmos fornecedores desta para adquirir os equipamentos, cuja instalação realizaram em nome próprio, desenvolvendo uma atividade paralela à da autora.

Mais alegou que, com as suas atuações, os réus violaram o dever geral de proceder de boa-fé no cumprimento das suas obrigações, assim como os seus deveres de guardar lealdade à autora, provocando uma grave lesão de interesses patrimoniais no estabelecimento comercial da autora, tendo-lhe causados danos, pelo que a mesma deve ser indemnizada em montante nunca inferior a €40.000,00.

Os réus deduziram contestação, alegando, desde logo, a nulidade da prova, já que os documentos juntos pela autora (docs. 4 a 68) foram obtidos através da introdução no email do réu B..., sem o conhecimento e consentimento deste, mais referindo, em síntese, que o nunca adotaram qualquer comportamento desviante da clientela da autora, negando, ainda, que tenham adquirido quaisquer equipamentos aos fornecedores da autora, por forma a realizarem instalações/obras para os clientes desta, não tendo assim adotado quaisquer comportamentos suscetíveis de causar danos/prejuízos à autora e passíveis de indemnização.

Concluíram defendendo a sua absolvição.

Realizou-se audiência final.

Posteriormente, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, julgando-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvo os réus AA e CC do pedido formulado pela autora A... Sociedade Unipessoal, Lda.

Custas pela autora-cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.

Valor da causa: €40.000,00 (já fixado por despacho de 18.03.2022).

Notifique e registe”.

Inconformada com o decidido, a autora interpôs recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões:

“Impugnação da matéria de facto

Pontos concretos da matéria de facto que se impugnam

Ponto 22) e 23)

1. – A Autora, com a petição inicial, juntou documentos, de fls. 17v a 50v, dos autos (documentos 4 a 68 da petição inicial);

2. – O Réu B..., em sede de contestação, alegou que os referidos documentos, tinha sido obtido através de acesso da sua conta de email pessoal;

3. A Autora, contestou tais alegações, ref. CITIUS 1913602, alegando que tais documentos tinham sido obtidos através de informação que constava dos seus equipamentos e base de dados (computador onde o Réu B... exercia parte da sua atividade laboral para a Autora), e não através de acesso aos emails pessoais do Réu;

4. O Tribunal a quo entendeu não valorar os documentos fls. 17v a 50v, porque concluiu que os mesmos se encontravam anexados a emails do Réu e haviam sido obtidos pela Autora, sem conhecimento e/ou consentimento, do Réu B...;

5. Pelo que, a referida prova foi considerada nula.

6. Para fundamentar a referida decisão, o Tribunal na douta da Sentença, afirma que alcançou aquela decisão, essencialmente nas declarações de parte do Réu B...;

Ora...

7. As declarações de parte ainda que apreciadas livremente pelo Tribunal, devem ser valoradas com especial cuidado. Como se fundamenta na doutra Sentença: “Na verdade, este inovador meio de prova, dirige-se às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual.”

8. Nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil, cabia aos Réus provar o que alegaram;

9. O Réu B..., não presenciou o modus operandi que permitiu à Autora aceder àqueles documentos, entenda-se, o Réu B..., não teve intervenção direta nos factos, por si, alegados. Nem tampouco, o Tribunal estava impedido de esclarecer estes factos recorrendo, pelo menos, a uma prova pericial;

10. Mas mais, o Tribunal, ad cuatelam, socorrendo-se de um Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pressupões, ainda, que os documentos juntos pela Autora, ainda que inseridos em pastas e/ou ficheiros no computador usado pelo Réu B..., propriedade da entidade patronal, também não podiam ser valorados como meio de prova: “É que, pode ler-se no Acórdão que temos vindo a transcrever que «Antes de mais importa referir que os documentos, na medida em que constituam anexos aos emails (o que, v.g., ocorre com várias listagens de stocks e fotografias), não poderão ser atendidos porque protegidos pela inviolabilidade das comunicações ainda que tivessem sido encontrados em pastas constantes do disco rígido e no software dos computadores afetos ao AA. e mesmo que não estivessem protegidos por palavra passe, o que se afigura irrelevante. Estas circunstâncias, bem como o facto de o computador ser da Ré, não afastam a natureza extraprofissional dos documentos, da correspondência e dos respetivos anexos, estando estes protegidos pela garantia da inviolabilidade. Ou, dito de outro, o conteúdo dos emails e o conteúdo dos anexos de e-mails, ainda que guardados em suporte informático (ou em papel), gozam de tais garantias. (...)» (nosso sublinhado).”

Ora, também aqui, assenta que esses documentos seriam anexos de emails, o que os Réus não conseguiram de mostrar, não sendo prova bastante o depoimento de Réu B..., com veremos adiante

Além do mais...

11. O depoimento do Réu, salvo o devido respeito, não é merecedor da credibilidade que o Tribunal lhe atribui;

12. Na verdade, o depoimento do Réu B..., sob esta matéria que se mostrou essencial, foi contraditado pelo depoimento da testemunha DD, arrolada pela Autora e pelos Réus;

13. O Tribunal, ao sindicar o depoimento desta testemunha, entendeu que a mesma vinha solidificar o depoimento do Réu.

Ora…

14. Salvo o devido respeito, do depoimento da testemunha DD, prestado no dia 31-05-2022, pela 16:31:37 até 16:51:25, resulta o seguinte:

1) A testemunha conheceu os Réus como trabalhadores da Autora, por trabalhos anteriormente executados por estes em nome da Autora;

2) Em fevereiro de 2021, o Réu, B..., enviou à testemunha um orçamento em nome da Autora, conforme doc. 68, cuja data do referido documento não está em conformidade, por ser atualizada automaticamente pelo sistema, mas que a testemunha confrontada com o mesmo, em sede de audiência e julgamento, reconheceu o seu conteúdo e data de envio, ou seja, o referido documento não é de 02/09/2021, como erradamente se faz constar da douta Sentença, mas sim de fevereiro de 2021 conforme a testemunha esclareceu;

3) A testemunha não aceitou o preço proposto de 7.023,30 € (com IVA incluído) porque tinha uma proposta mais barata, embora tenha confirmado que foram os Réus a executar aquele trabalho;

4) O orçamento enviado pela Autora, tinha um valor de 7.023,30 €, conforme doc. 68 da p.i., com o IVA devidamente discriminado;

5) O Réu B... disse à testemunha que teria uma solução ao orçamento que lhe havia apresentado em nome da Autora;

6) A instâncias do Tribunal, a testemunha viria a reencaminhar o email e juntar aos Autos, em 6 de junho de 2022, o email que recebeu do Réu B..., com a referida solução, datado de 6 de maio de 2021, referência CITIUS 1977397.

15. Resulta do referido email, além do mais, que a proposta a ser aceite, seria executada nos tempos livres e fins de semana:

7) Igualmente, no email segue uma proposta enviada à testemunha, com condições e preço manifestamente inferior àquele que o Réu havia apresentado como trabalhador da Autora, no valor 4.674,00 € (sem qualquer referência ao valor do IVA);

8) Mais, do orçamento junto ao email já constava o nome e logotipo da futura empresa dos Réus, “C...”, assim como, as marcas de equipamentos, nomeadamente, “...”, “...”, “...” e outras;

16. O Réu, B..., nas suas declarações de parte, mentiu, quando afirmou que não exercia qualquer atividade paralela, em concorrência com a sua entidade patronal;

17. Não é, pois, credível o depoimento do Réu B..., pelo que, não se entende que o Tribunal lhe tenha dado o abono da veracidade;

18. Há que concluir o seguinte, os Réus contactavam diretamente com os clientes ou eventuais clientes da Autora. Eram conhecedores dos orçamentos...

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