Acórdão nº 168/20.0GAARC.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-18

Ano2023
Número Acordão168/20.0GAARC.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. Nº 168/20.0GAARC.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, S.M.Feira - JC Criminal - Juiz 1



Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, S.M.Feira - JC Criminal - Juiz 1, processo supra referido, foi julgado AA, tendo sido proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
“a) julgar extinto, por falta de queixa/participação, o procedimento criminal pelo crime de injúria agravado, p.p. nos art. 181.º e 184.º do CP, imputado ao arguido, AA por referência ao ofendido BB (quanto às injúrias agravadas relativas aos ofendidos CC, DD e EE, como se referiu supra, já se determinou o arquivamento do procedimento criminal por homologação das desistências de queixa apresentados pelos mesmos);
b) absolver o arguido AA da prática dos seis crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, a) e n.º2, ex vi alínea l) do n.º2, do art. 132.º, todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal, dos quais vinha acusado;
c) condenar o arguido AA numa pena parcelar de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de perseguição, p.p. pelo art. 154.ºA, n.º1 do C. Penal;
d) condenar o arguido AA em duas penas parcelares 9 meses de prisão pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelos arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, a), ambos do C. Penal;
e) condenar o arguido AA em três penas parcelares de 1 mês de prisão, pela prática de três crimes de injúria agravada, p.p. pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, ambos do C. Penal, com referência ao art. 132.º, n.º 2, l) do C. Penal;
f) condenar o arguido AA em duas penas parcelares de 7 meses de prisão pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p.p. pelo art. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, c), do C. Penal, com referencia ao art. 132.º, n.º2, l), do mesmo diploma legal.
g) condenar o arguido AA em sete penas parcelares de 6 meses de prisão, pela prática de sete crimes de coação agravada, na forma tentada, p.p. pelos arts. 154.º, n.º 1, 155.º, n.º1, a) e c), ex vi art. 132.º, n.º2, l), todos do C. Penal, com referência aos arts. 22.º e 23.º, do mesmo diploma legal.
h) condenar o arguido AA como autor material, em concurso efectivo dos crimes identificados nas al. c), d), e) f) e g) supra, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com sujeição às seguintes imposições/obrigações:
- proibição de contactar por quaisquer meios ou de se aproximar ou seguir a ofendida durante o período da suspensão;
- à sujeição ao tratamento psicológico adequado à avaliação e orientação para o desenvolvimento/treino de competências pessoais de controlo dos impulsos perante situações de frustração, a determinar pela DGRS (cf. art. 50.º, 52.º, n.º 2 al. b) e d) e n.º 3, todos do CP).
i) ordenar a recolha de amostras de ADN ao arguido e a ulterior introdução dos resultantes perfis de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, nos termos dos artigos 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12-02;
j) condenar o arguido no pagamento das custas penais e demais encargos do processo, fixando a taxa de justiça em 4 UC (cf. art. 513.º e 514.º do CP).”
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Deste Acórdão recorreu o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
“1. Foi o arguido AA absolvido da prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada por que vinha acusado, tendo ainda sido condenado numa pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução.
2. Não podemos, de todo, concordar nem com a absolvição por tais crimes, nem com a suspensão da execução da pena de prisão. E precisamente com base em tudo quanto foi dado como demonstrado no acórdão ora colocado em crise.
3. É que, se concordamos que as circunstâncias mencionadas no n.º2, do citado artigo 132º, do Código Penal não funcionam de modo automático (sendo certo que o artigo 143º, n.º2, do Código Penal também se reporta a factos perpetrados em militares da GNR no exercício das suas funções), e que se desconhece efectivamente quantas pedras foram arremessadas pelo arguido, assim como qual o seu tamanho e concretas motivações subjacentes a tal comportamento, a verdade é que aquele, mesmo após ter perpetrado os factos descritos sob os pontos 10º e 11º e saber (ou, pelo menos, suspeitar) que os militares da GNR iriam no seu encalço, não se coibiu de, apercebendo-se da sua presença nas imediações da sua residência, decidiu arremessar pedras na direcção daqueles, com o claro objectivo de os atingir. E isto, não obstante não ter tido qualquer desavença com aqueles, nem mesmo qualquer motivo, por mais discutível que fosse, para o fazer. O comportamento do arguido para com os militares da GNR é susceptível de revelar uma especial censurabilidade que não podia, de todo, ter sido afastada.
4. Pese embora não se tenha logrado apurar qual a concreta dimensão das pedras arremessadas, nem a sua quantidade, a verdade é que AA não actuou do modo descrito na sequência de alguma fiscalização por parte dos ofendidos, nem na sequência de algum desentendimento com aqueles; na verdade, arremessou pedras na direcção daqueles, ciente do que havia feito instantes antes, ciente de que se tratavam de militares da GNR no exercício de funções, querendo atingi-los na sua integridade física (o que apenas não conseguiu por circunstâncias alheias à sua vontade). E fê-lo, mesmo depois de os ofendidos se terem identificado e de terem referido ao que vinham - revelando, por isso, uma especial censurabilidade.
5. A própria circunstância de se munir de um objecto, como seja uma pedra (que, no caso, foi mais do que uma) – e independentemente de se averiguar qual o seu tamanho – já é revelador de uma especial censurabilidade a que o Tribunal não pode ser alheio. Resultou demonstrado que era sua intenção atingi-los na sua integridade física, apenas “porque sim”; e que sabia que tais comportamentos eram proibidos e punidos por lei, tendo actuado livre, deliberada e conscientemente, consciente da condição de militares da GNR daqueles. Parece-nos, pois, evidente que a conduta do arguido não integra a mera tentativa de ofensas à integridade física simples (não puníveis).
6. De acordo com a alínea l), do art. 132º, n.º2, do Código Penal, é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, a circunstância de o agente praticar o facto contra agente das forças ou serviços de segurança.
7. Ficou demonstrado que AA quis molestar fisicamente os corpos dos ofendidos. Verificados estão, assim, os condicionalismos do tipo da ofensa à integridade física, p. p. pelo art. 143º, n.º1, do referido Código. E a conduta descrita nos factos provados reflectiu uma especial indiferença para com o direito e é, por via disso, merecedora de uma especial censurabilidade, nos termos e para efeitos do mencionado art. 145º, do aludido diploma legal - que nos remete para as diversas alíneas do art. 132º, n.º2.
8. O desvalor da acção reside num “mais” consistente, no caso da alínea l) do art. 132º, nº2, agredir fisicamente militares da GNR no exercício das suas funções – e sem qualquer motivo que o justificasse ou sequer atenuasse a sua culpa.
9. In casu, o meio de que o arguido lançou mão – arremessar de pedras (independentemente do tamanho) – é susceptível de causar lesões de alguma gravidade.
10. A actuação do arguido constitui uma (tentativa de) violação inaceitável da integridade física dos militares da GNR e uma demonstração intolerável de força física intencionalmente dirigida à lesão do corpo e da saúde daqueles.
11. Reveste, assim, a especial censurabilidade geradora de uma culpa agravada, de que as circunstâncias previstas no art. 132º, nº 2, al. l), do referido Código constituem exemplo padrão – o que apenas não logrou conseguir por circunstâncias alheias à sua vontade.
12. Os crimes em apreço são punidos com pena de 1 mês a 2 anos e 6 meses de prisão. Tudo ponderado, tendo em consideração a ilicitude manifestada (mediana), o dolo directo, o comportamento do arguido, afigura-se-nos que este deverá ser condenado pela prática dos supra referidos crimes na pena de 9 meses de prisão por cada um deles.
13. Vistos os factos dados como provados relativamente às condutas do arguido, quer quanto às condutas que levou a cabo, quer quanto à sua personalidade e modo como actuou, cotejado com o lapso temporal em causa e, bem assim, o facto de ter perpetrado os factos em causa perante inúmeras vítimas, sendo que todos os crimes se tratam de crimes contra as pessoas, e tendo em consideração a moldura penal abstractamente aplicável (mínimo de 1 ano e 3 meses de prisão a 12 anos e 4 meses de prisão – cfr. Artigo 77º, n.º2, do Código Penal), chamando aqui à colação todos os fundamentos expostos no acórdão recorrido a propósito da personalidade do arguido (e o que resulta dos factos dados como demonstrados, supra transcritos), designadamente, as dificuldades de controlo dos seus impulsos, é nosso entendimento que a pena única dever-se-á fixar nos 5 anos de prisão.
14. Tal pena não deverá ser suspensa na sua execução, atendendo a que o arguido já havia sido condenado pela prática do crime de violência doméstica tendo por vítima a aqui ofendida FF, sua ex-esposa, sendo que iniciou o cumprimento dos factos susceptíveis de integrar a prática do crime de perseguição (e de ameaça agravada tendo por vítima o actual companheiro daquela) logo após o termo do prazo da suspensão da execução da pena de prisão cumprido no âmbito do aludido processo de violência doméstica – demonstrando, por isso, e à saciedade que tal advertência não lhe serviu de suficiente advertência para que não voltasse a cometer crimes da mesma natureza axiológico-normativa; só esperou que a pena aplicada naqueloutro processo
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