Acórdão nº 16721/17.6T8LSB.L2-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-01-2023

Data de Julgamento10 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão16721/17.6T8LSB.L2-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

ML e MA intentaram ação declarativa de condenação contra AS e MS.
Em 6.10.2021, o mandatário do Réu formulou requerimento em que comunica ao tribunal que teve conhecimento por familiar do óbito da Ré MS.
Em 6.10.2021, foi junto aos autos oficiosamente assento de óbito de MS, nos termos do qual esta faleceu em 6 de agosto de 2020.
Em 12.10.2021, foi proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto nos art.ºs 269º, nº 1, al. a) e 270º, nº1, do CPC, declaro suspensa a presente instância.
Consequentemente, fica sem efeito a data designada para julgamento.
Notifique.»
Tal despacho foi notificado às partes por notificação expedida em 13.10.2021.
Em 19.5.2022, foi proferido o seguinte despacho:
«Notifique as partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre a eventual extinção da instância por deserção (art.ºs 3.º, n.º 3 e 281.º do CPC).»
Em 1.6.2022, o mandatário dos Autores formulou o seguinte requerimento:
«ML e MA, AA. nos autos do processo referenciado em epígrafe, tendo sido notificados do douto despacho que convida as partes a pronunciarem-se sobre a eventual extinção da instância por deserção, discordando, vêm expor e requerer o seguinte:
1.
Quando o signatário contactou os AA. para dar conhecimento do teor do despacho e preparar a resposta, tomou conhecimento de que o A. marido ML havia falecido também no dia 18 de fevereiro de 2021, conforme certidão que ora se junta (DOC. 1).
2.
Sucedem-lhe, como herdeiros, além da cônjuge sobrevivo e coautora, MA, a filha do casal MIFL, como consta da escritura de habilitação de herdeiros que também se junta (DOC. 2), cabendo a esta o cargo de cabeça de casal.
3.
Pretendem a A. mulher, por direito próprio e como herdeira do R. marido falecido, bem como a filha herdeira, acima identificada, prosseguir a presente ação contra o R. sobrevivo e herdeiros da R. falecida, pelo deverá ser chamada à autoria sua filha habilitada que, aliás, já se encontrava arrolada como testemunha no processo: MIFL, divorciada, residente na Rua (…) Lisboa.
4.
Relativamente ao teor do despacho a que ora se responde, entende a parte requerente que, tendo a ação sido interposta contra os requeridos AS e MS, ambos respondem solidariamente pela matéria controvertida, objeto da presente demanda, pelo que, perante o óbito desta última, a parte sobreviva mantém a legitimidade e responsabilidade processuais, bem como os herdeiros legítimos que se habilitem à herança.
5.
Desconhecendo a parte requerente quem sucede nos direitos e obrigações da “de cujus”, forçoso é concluir que os mesmos, ainda que incertos, devem ser chamados à demanda, incumbindo à parte requerida promover a sua identificação e chamamento, pelo que se estranha que, dando-lhe causa e tendo o devido conhecimento, até ao momento, a parte requerida nada tenha feito para instruir e resolver o incidente de habilitação que, no entender da parte requerente, lhe incumbia.
6.
Entende, pois, a parte requerente que não se encontram reunidos os pressupostos da deserção e que, naturalmente, se opõem à extinção da instância.
Nestes termos e com estes fundamentos – e sempre com o douto suprimento de V.ª Ex.ª - se requer que, no âmbito do(s) incidente(s) de habilitação de herdeiros, os autos prossigam os seus trâmites, citando-se ao chamamento a herdeira habilitada acima identificada e ainda os herdeiros incertos da R. falecida, logo que devidamente identificados e habilitados para intervir nos presentes autos.»
Em 30.6.2022, foi proferido o seguinte despacho:
«Da Deserção da Instância:
A presente instância encontra-se suspensa por despacho de 12.10.2021 (notificado às partes por carta de 13.10.2021, que se presume recebida em 18.10.2021), por óbito da R.
Até ao momento, não foram habilitados ou sequer requerida a habilitação dos herdeiros da falecida.
Ora, dispõe o n.º 1 do art.º 281.º do NCPC que «considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
No caso dos autos, estão reunidos os pressupostos legais da deserção da instância: por um lado, os autos encontram-se sem qualquer impulso processual há mais de seis meses (cfr. art.º 138.º, n.º 1 do NCPC); por outro lado, essa falta de impulso decorre, claramente, de negligência dos AA., evidenciada pelo seu comportamento omissivo.
Não impede, antes reforça, tal entendimento, o facto – só agora comunicado – do A. marido ter falecido em 18.02.2021, pois que tal facto era, com certeza do conhecimento da A. mulher e, confessadamente, do seu II. Mandatário (vide art.º 1.º do requerimento de 01.06.2022), que optaram por nada comunicar ou requerer no processo.
O citado n.º 1 do art.º 281.º impõe uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas.
E a resposta não pode deixar de ser, in casu, afirmativa, pois que, através do despacho de 12.10.2021, a A. mulher, que se mostra representada por advogado, não só tomou conhecimento da necessidade de promover o andamento do processo, como sabia que o A. marido havia falecido em data anterior e nada disse nos autos, como se impunha (art.ºs 7.º e 8.º do CPC), optando, inequivocamente, por nada fazer quanto ao prosseguimento da acção.
Saliente-se que a negligência exigida pode revestir qualquer uma das modalidades por que habitualmente é decomposta: consciente ou inconsciente.
Assim, a negligência da parte em promover os termos do processo será consciente quando a mesma preveja a deserção da instância como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, não toma as providências necessárias para o evitar, acreditando na sua não verificação.
Tal negligência será inconsciente quando a parte, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, nem sequer chega a conceber a possibilidade de a deserção se verificar, podendo e devendo prevê-la e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
No caso vertente, como decorre do exposto, o comportamento da A. mulher e dos herdeiros do A. marido (desde logo, a própria A. mulher...) é, suficientemente, demonstrativo da negligência exigida, pelo que terá de concluir-se pela deserção da instância.
Não podemos esquecer-nos que a deserção da instância tem natureza sancionatória e compulsória, destinando-se, também, a tutelar a celeridade processual e a boa gestão dos serviços dos Tribunais, evitando também que os RR. fiquem, indefinidamente, à espera de ver a sua situação jurídico-processual definida.
Veja-se, a este respeito, o recentíssimo acórdão do STJ, de 05.05.2022, in www.dgsi.t, onde se decidiu que:
«I. Declarada a suspensão da instância por óbito de uma das partes passa a recair sobre a parte ou os sucessores da parte falecida, o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre dos art.º 276º/1 a) e art.º 351º CPC e ainda, art.º 3º/1 e art.º 5º CPC.
II. Nestas circunstâncias não cumpre ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista formular um juízo sobre a razão da inércia, por não resultar da lei a realização de tal diligência.
III. A negligência será avaliada em função dos elementos objetivos que resultarem do processo. Recai sobre a parte o ónus de informar o tribunal sobre algum obstáculo que possa surgir.
IV. A declaração de deserção, nos termos do art.º 281º/1 CPC, constitui uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo» (vide, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 12.01.2021).
Sobre a necessidade de intervenção do Tribunal, decidiu o mesmo STJ, em acórdão de 20.04.2021, in www.dgsi.pt, que «A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes».
Por todo o exposto, ao disposto nos art.ºs 138.º, n.º 1, 277.º al. c) e 281.º, n.º 1, do NCPC, decido declarar deserta e, por consequência, extinta a instância.
Custas pelos AA.
Registe e notifique.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Autora formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
« CONCLUSÕES
1. O mandatário só teve conhecimento, com natural surpresa, do falecimento do seu representado ML, marido da ora recorrente apenas e só quando contactou os AA. para lhes comunicar o conteúdo da notificação judicial (Refª 416863612, de 23/05/2022) sobre “a eventual extinção da instância por deserção” – o que, dado o prazo de resposta, terá ocorrido nos dias imediatos.
2. Ao concluir o contrário, a decisão incorre numa leitura ou interpretação incorreta dos factos, pondo em causa a verdade e a honestidade do mandatário e com notório prejuízo para os autores e, assim sendo, para a ora recorrente.
3. Além disso, a recorrente confessou não saber que era importante ou necessário comunicar ao tribunal e/ou seu mandatário o óbito do seu marido, o que, dadas as circunstâncias da morte e desculpável ignorância, se compreende e aceita.
4. Apesar do falecimento do seu marido, a recorrente não perdeu o interesse na presente ação nem antes, face às vicissitudes processuais - algumas causadas pela parte
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