Acórdão nº 1662/22.3T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-23

Ano2023
Número Acordão1662/22.3T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº1662/22.3T8PVZ.P1.



Acordam as Juízas da 5.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Morais;
1.º Adjunta: Desembargadora Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha e
2º Adjunta: Desembargadora Maria Fernanda Fernandes de Almeida.




Sumário:
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I - Relatório
A... SUCURSAL EM PORTUGAL intentou a presente acção declarativa com processo comum contra B..., SA, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €933.922,98, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que:
i. por acordo escrito datado de 09/09/2021, a requerente celebrou com a requerida um contrato de fornecimento de energia (que incluía dois pontos de entrega CPE) cuja duração era de 12 meses, sendo automática e sucessivamente renovável por iguais períodos, caso não existisse, por escrito e com 30 dias de antecedência, oposição à renovação;
ii. por força desse acordo, obrigou-se a autora a fornecer energia elétrica à ré, mediante o pagamento do respectivo preço contratualizado, sendo a facturação correspondente emitida com periodicidade mensal;
iii. emitidas facturas correspondentes à quantidade de energia consumida e vencidas, a requerida não pagou, apesar de interpelada para tal.
Citada, a Ré B... CONGELADOS S.A., contestou.
Alegou, em síntese, que:
i. o contrato de fornecimento de energia eléctrica, não doméstico, foi celebrado pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, e não de 12 (doze) meses, tendo ficado convencionado que a Ré pagaria um preço de energia (€/kW) fixo;
ii. chegou ao conhecimento da Ré em 02/06/2022, que a Autora, com fundamento no Decreto-Lei n.º33/2022, de 14 de Maio, alterou o tarifário a aplicar ao contrato em vigor para a “Tarifa Bassic Index”, tendo omitido que poderia eventualmente estar sujeita a uma sobretaxa, mercê de um mecanismo de ajustamento temporário, contemplado pelo mesmo decreto, em clara violação, desde logo, do dever de informação e protecção dos clientes previsto no artigo 8.º do Regulamento das Relações Comerciais dos Sectores Eléctrico e do Gás e no artigo 4.º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, que impende sobre a Autora que “na fase pós-celebração do contrato (o momento da execução do contrato) [exige] ao prestador do serviço que informe o utente acerca das alterações contratuais que se venham a verificar.”;
iii. nas facturas seguintes, a Autora procedeu, inopinadamente, ao cálculo e cobrança do custo da liquidação do valor do mencionado ajuste de mercado, estando a Ré isenta do referido pagamento, por força do nº 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14/05.
iv. Concluiu a ré que o recorte contratual do negócio celebrado entre ambas as partes (contrato de fornecimento a preços fixos), a sua anterioridade a 26/04/2022 e o facto de não ter havido qualquer renovação, prorrogação ou alteração dos preços até 20/05/2022, impedia (e impede) que lhe fosse imputado o custo da liquidação do valor do ajuste de mercado.
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Em 9/2/2023, foi proferido o seguinte despacho:
Notifique a. para, em 10 dias, se pronunciar sobre a matéria da contestação - alegada errada inclusão nas facturas do valor do “ajuste de mercado” -, devendo explicitar que valores, incluídos em cada uma das facturas cujo pagamento reclama, se reportam ao valor de ajuste de mercado”.
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A autora respondeu por requerimento apresentado em 17/2/2023 – referência 44761020.
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Dispensada a realização de audiência prévia e proferida decisão de mérito, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenada “a R. B... SA a pagar à A. Eni Plenitude Iberia, SL Sucursal em Portugal as quantias de:
1.- em relação à factura ...31 a quantia em falta de 130.331,68 euros (cento e trinta mil trezentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos);
2 - em relação à factura ...61 a quantia de 166.024, 21 euros (cento e sessenta e seis mil vinte e quatro euros e vinte e um cêntimos).
3- juros de mora contabilizados desde as seguintes datas e nos termos definidos na sentença, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora comerciais em relação aos montantes de capital ainda em dívida:
3.1. em relação à factura ...00, sobre o valor de 84.447,48 euros (oitenta e quatro mil quatrocentos e quarenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) desde 08/10/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%;
3.2. em relação à factura ...84, sobre o valor de 85.576,59 euros (oitenta e cinco mil quinhentos e setenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos) desde 06/11/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%;
3.3. em relação à factura ...84, sobre o valor de 24.402,17 euros (vinte e quatro mil quatrocentos e dois euros e dezassete cêntimos) desde 15/11/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%;
3.4. em relação à factura ...31, sobre o valor de 190.389,45 euros (cento e noventa mil trezentos e oitenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) e desde 18/10/2022 até 24/11/2022, à taxa de 7%, e desde essa data sobre o valor de 130.331,68 euros até integral pagamento, à taxa de 7% em 2022 e de 9,5% em 2023;
3.5. em relação à factura ...61, sobre o valor de 166.024, 21 euros (cento e sessenta e seis mil e vinte e quatro euros e vinte e um cêntimos) desde 15/11/2022 até integral pagamento, à taxa de 7% em 2022 e de 9,5% em 2023.
b) absolve a R. quanto ao mais peticionado.
Custas da acção por A. e R., na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do C. P. Civil).
Notifique e registe, ainda que apenas electronicamente”.
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Inconformada com esta decisão, dela veio a Autora/Recorrente interpor o presente recurso de apelação formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
1. Com o presente recurso, e ao contrário do decidido na douta decisão recorrida, pretende-se ver reconhecida a incidência de pagamento de MAT por parte da apelada.
2. Com efeito, a isenção prevista no n.º2 do artigo n.º7 do DL33/2022 é para contratos que se mantêm em situação de taxa fixa, e assim se mantêm em nome de uma estabilidade e expectativas legítimas dos consumidores.
3. E já não para contratos que ao abrigo do princípio da liberdade contratual as partes acertaram proceder à alteração da tarifa fixa.
4. Para tal, não concorre o argumento utlizado na sentença recorrida de que a não ser assim estaria atingida uma forma de contornar a lei e bastaria a operadora alterar a tarifa de fixa para indexada para aplicação automática do MAT.
5. Não é verdade, já que se a alteração for na decorrência da anuência e de uma plataforma consensual entre as partes o MAT aplica-se.
6. Aliás, na senda e espírito do que prevê o n.º5 desse artigo 7º em que as alterações contratuais relativamente aos preços permitem sujeitar os contratos celebrados antes de 22/04/2022 ao MAT.
7. No caso que nos ocupa, está provado que a apelada anuiu na alteração de tarifário para preço indexado, logo não poderá em nosso entender libertar-se do pagamento do MAT.
8. A lei pretendeu dividir claramente, entre as situações em que os contratos “nasceram” e se mantiveram em regime de tarifa fixa, caso em que valem por inteiro os argumentos aduzidos na sentença, e contratos que durante o seu período de vigência foram alvo de alterações contratuais consensuais entre as partes, e em que essas alterações relativamente aos preços implicam já uma sujeição a pagamento do MAT.
9. É o que flui claramente dos n.º2 e 5 do artigo 7 do já amplamente mencionado DL 33/2022.
10. A Ré, ora apelada, B..., S.A por escrito e como consta dos autos (no articulado eventual resposta) apresenta uma sua “conta corrente” plenamente condizente com a da apelante nos valores pendentes quanto às faturas aqui em causa e valores em débito, aceitando-os e solicitando um plano de pagamento.
11. Os documentos particulares fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, que como vimos não foi feita pela apelada. – artigo 376º do CC.
12. O tribunal não poderia ter deixado de, ao contrário do que fez, aprisionar-se no óbvio, deixar de dar como assentes os factos provados nos documentos juntos, na medida em que são contrários aos interesses da apelada invocados em sede judicial, realidade que não fez, valorando assim erradamente a prova ao seu dispor, aliás, com regras próprias de valoração da prova sediadas na lei substantiva civil.
13. Foram entre outras violadas as seguintes normas n.º2 e 5º do artigo 7º do DL 33/2022 e artigo 376º do Código Civil”.
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A apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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Por despacho de 22 de Junho de 2023, foi proferido despacho de admissão do recurso.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 do CPC, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio, mas uma ponderação sobre a decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável).
Pela Ré/Recorrida, com novidade relativamente a tudo o que tinha sido por si alegado, foram suscitadas, na resposta ao recurso, as seguintes questões:
a. pela pré-disposição, generalidade e rigidez das suas cláusulas, o contrato dos autos é
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