Acórdão nº 165/09.6BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão165/09.6BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

A ………………, Lda., recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra os actos tributários de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios, com os números ………….., ……….., ………….., …………, ………….., …………, …………, ………, ……….., ………….., …………, ……….., …………, …………, ……… e ………., relativos aos anos de 2004, 2005 e 2006, no valor global de € 148.391,44.

A Recorrente apresentou a respetiva motivação do recurso que concluiu assim:

«1ª A sentença objecto de recurso é nula, porquanto, na sua ambiguidade, é imperceptível.

Foi violado o previsto no art.615º, nº1, al. c) do Novo Código de Processo Civil.

2ª A sentença é ainda nula por não ser fundamentada sobretudo no que concerne às decisões sobre a matéria de facto, sendo totalmente omissa quanto à análise crítica da prova.

Foram violados os arts. 607º, nº4 do Novo Código Civil e 123º, nº2 do CPPT, com a consequência da nulidade da sentença prevista no art.125º do CPPT.

3ª Resulta de toda a matéria carreada para os autos - documental e testemunhal - a existência de um efectivo relacionamento comercial entre a Recorrente e a sociedade "J............ & Filho, Lda", nos anos de 2004, 2005 e 2006 (e nos anos anteriores e posteriores), sendo esta sub-contratada por aquela para a realização de obras de pintura para as quais não tinha capacidade, por si própria - por ter apenas dois funcionários seus, ambos pintores -, de dar satisfação.

4º Ficou provado que a sociedade "J………….& Filho, Lda" prestou, no ano de 2004, 2005 e 2006, diversos serviços de pintura em muitas obras adjudicas à Recorrente, colocando pessoal, que arregimentava com facilidade em meios débeis da sociedade, ao serviço de várias obras, a maior parte das vezes ao mesmo tempo.

5º Ficou provado que "nos anos de 2004, 2005 e 2006, a Impugnante teve a seu cargo, na área da pintura, as obras indicadas nas facturas juntas aos autos como documentos nºs 7 a 96 da impugnação".

6º Deve ser dado como provado que "o valor apurado pela inspecção tributária quanto aos materiais adquiridos pela ora Recorrente é adequado para as obras adjudicadas à Impugnante e para o valor pago em serviços a terceiros, nomeadamente à empresa J…………..& Filho, Lda".

7º Deve ser dado como provado "ser normal, atendendo ao bom relacionamento entre a Impugnante e a sociedade J ……………. & Filho, Lda, que transitassem saldos devedores de ano para ano.

8º Deve ser dado como provado que "os pagamentos dos serviços prestados pela empresa J………………& Filho, Lda eram efectuados consoante os metros quadrados de pintura realizada, com base nos orçamentos anualmente aceites pelas partes".

9ºDeve ser dado como provado que "as facturas eram emitidas pela empresa J …………..& Filho, Lda após medição dos trabalhos efectuados nas diversas obras que lhe eram adjudicadas enquanto subempreiteira.

10º Deve ser dado como provado que "formalmente, pelo menos, as facturas constantes dos autos foram emitidas pela empresa J …………… & Filho, Lda.

11º Deve ser dado como provado que "nos anos de 2004, 2005 e 2006, como consta do relatório de inspecção foram pagos pela Impugnante à empresa J ……………… & Filho, Lda €753.257,67 (setecentos e cinquenta e três mil duzentos e cinquenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), em dinheiro".

Todos os factos por que se pugna serem considerados como provados, assentam nos meios de prova que, ao longo das alegações, foram concretamente indicados.

12º Não podem ser correlacionados os factos indicados na sentença para se considerar haver fortes indícios de inexistência de prestação de serviços e, consequente, falsidade da facturação, com determinação da inversão do ónus da prova. Tais factos ou respeitam a meros incumprimentos de obrigações da sociedade "J ……………. & Filho, Lda", totalmente alheios à pessoa da Recorrente; ou respeitam a actos - controlo dos trabalhos do subempreiteiro e pagamentos feitos em numerário - que foram devida, concreta, esclarecedora e isentamente esclarecidos em juízo por diversas testemunhas, sem que daí possa ser retirado o mínimo indício de que a facturação emitida pela sociedade J …………. & Filho, Lda é falsa, antes pelo contrário.

13º Consequentemente, não é de aplicar a inversão do ónus da prova constante do disposto no art.75º, nº2 da Lei Geral Tributária, não se inscrevendo o caso em apreço em nenhuma das alíneas desse dispositivo, nem havendo qualquer indício, por mínimo que seja, que ponha em causa a veracidade das facturas lançadas na contabilidade da Recorrente - houve sim um manifesto défice de investigação por parte da Administração Fiscal, que não curou de averiguar se efectivamente a Recorrente se socorreu dos serviços da "J …………… & Filho, Lda", quantos trabalhadores tinha a Impugnante, quais as concretas obras realizadas, locais e dimensão dos serviços prestados, e qual o pessoal nelas colocado, se o material adquirido era o adequado às obras realizadas, se os cheques efectivamente existiam e foram levantados (confronto com os extractos bancários), tudo elementos essenciais para se averiguar se a Recorrente contabilizou mais serviços do que os que efectivamente necessitava.

14º Se tal investigação fosse feita, como exigido (não é a Recorrente que tem de demonstrar que uma factura corresponde a um serviço que lhe foi efectivamente prestado, como é evidente), então a Administração Fiscal chegaria à imediata conclusão de que os serviços foram efectivamente prestados, não havendo qualquer necessidade do caso chegar a juízo - todavia, e mal, optou-se por atribuir à Administração Fiscal o poder de, pela simples palavra na elaboração de relatório inspectivo, dizer umas trivialidades e concluir, por simples factos desconectados entre si (e sem investigar os factos que se prendem com a própria prestação de serviços em si), que as facturas são falsas, remetendo todo o esforço de prova contra quem goza da presunção de veracidade de todos os elementos que integram a sua contabilidade - houve, assim, grosseira violação do disposto no art. 75º da Lei Geral Tributária.

15º O presente processo não faz qualquer sentido, pois a consideração de que as facturas são falsas é contraditória com posições já definitivamente assumidas pela Administração Fiscal: a cobrança do crédito da sociedade "J…………& Filho, Lda" sobre a Recorrente, no valor imediatamente pago de € 3.513,14, como se toda a relação entre ambas as sociedades tivesse sido - como foi - correcta; a abertura de processos fiscais e criminais contra a sociedade "J…………& Filho, Lda" e seu sócio gerente por não entrega ao Fisco do valor do IVA correspondente às facturas que emitiu nos anos de 2004, 2005 e 2006, considerando-as verdadeiras, portanto, entre as quais se encontram as facturas que ora entendem como sendo falsas (sendo que, em processo criminal, como se verá, após deferimento do requerimento já efectuado e que se reiterará infra, a sociedade "J …………… & Filho, Lda" e o seu sócio gerente foram mesmos condenados criminalmente. Porque o direito e a justiça não admitem comportamentos contraditórios entre si (venire contra facto proprium), nem o enriquecimento duplo sobre a mesma realidade (enriquecimento ilícito - arts. 473º e segs do Código Civil).

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se em consequência as liquidações impugnadas.

Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA


*


Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1- No âmbito de uma acção de inspecção à sociedade “ A ………………, Ldª”, da qual resultou determinadas correcções efectuadas ao IVA dedutível dos anos de 2004 a 2006, procedeu-se a liquidação adicional de imposto para aqueles anos e correspondentes juros compensatórios, no valor total de € 148.391,44 – cfr “ prints informáticos” de fls 19 a 26, do Proc. Recl. apenso e Tramitação do Proc Ex. de fls 51, do P.A. apenso.

2- As correcções mencionadas supra resultam do Despacho de 20.10.2008, de fls 33, efectuadas com base nas “ conclusões do relatório” de fls 36, fundamentadas no Relatório elaborado pelos serviços de inspecção, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido e do qual consta, designadamente, que a sociedade mencionada em 1 deduziu indevidamente imposto suportado naqueles anos, no valor total de € 133.194,00, por se tratar de operações simuladas relativamente às prestações de serviços efectuadas pelo fornecedor “J ………….. & Filho, Ldª”, pelos seguintes factos: a empresa fornecedora não possuía estrutura para prestar os serviços facturados e de trabalhadores ao seu serviço, era destituída de contabilidade organizada e de documentos de suporte que justificassem os trabalhos realizados na respectiva facturação por aquele prestador nomeadamente através de subcontratos, os pagamentos não se encontravam documentados apresentando recibos emitidos na mesma data da facturação e as dívidas de clientes aí quantificadas apresentavam valores muito elevados face à estrutura da empresa, sendo que na sociedade adquirente os pagamentos aos fornecedores têm como suporte documental um documento interno com indicação de números de cheques emitidos e respectiva importância, sem que se torne viável aferir quais os pagamentos efectuados àquele fornecedor por falta de identificação dos seus beneficiários e atento a que os mesmos não coincidem com os montantes facturados, cuja conta corrente apresenta saldos em dívida em montantes...

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