Acórdão nº 1641/16.0T9AVR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-08

Ano2022
Número Acordão1641/16.0T9AVR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1641/16.0T9AVR-A.P1

CONFERÊNCIA DE 08-06-2022
I
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
Nos autos de Processo Comum Singular n.º 1641/16.0T9AVR, do Juízo de Competência Genérica da Mealhada, foi proferido despacho, em 28-02-2022, com o seguinte teor (no que agora releva):
“O arguido AA não prestou Termo de Identidade e Residência nos presentes autos.
Dos autos resulta que o arguido é notificado da acusação na morada indicada pela Embaixada de Portugal na ... (onde o arguido se encontra inscrito) mais concretamente na localidade de ..., Avenida ..., ..., inscrito naquela Secção Consular – vide fls. 953, veio o AR, assinado, que faz fls. 967.
Notificado para esta morada, veio o arguido juntar Procuração a fls. 966 onde indica esta morada como sendo a da sua residência em Cabo Verde.
Notificado para aquela morada do despacho que designou dia para a realização da audiência de julgamento, veio a carta devolvida com a informação que não atendeu – fls. 1097 e posteriormente que estava fora do país – cfr. fls. 1117.
Por conta destas informações, no início da audiência de julgamento considerou-se o arguido, que se fez ausente, não notificado e os autos seguiram para a sua notificação, desconhecendo-se o seu atual paradeiro.
Foi notificado por editais, para se apresentar em juízo no prazo de 30 dias o que não chegou a acontecer.
O tribunal desenvolveu as diligências necessárias para a notificação do arguido nas moradas conhecidas.
Dos elementos constantes dos autos, concluímos pela verificação de todos os legais pressupostos para a declaração de contumácia.
Assim, e tendo em conta o disposto no art. 335.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, declara-se o arguido contumaz. (…)” - (ref.ª 120407617, de 28-02).
*
Descontente com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA, tendo apresentado a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
1.ª Como se verifica dos artigos 311.º e ss. e 335.º do Cód. Proc. Penal, são pressupostos da declaração de contumácia:
a) - a dedução de uma pretensão punitiva reconhecida por despacho que receba a respetiva acusação e designe dia para julgamento (nos termos do artigo 312.º);
b) - a impossibilidade de notificação desse despacho ao arguido seu destinatário, depois de efetuadas todas as diligências adequadas para a determinação do seu paradeiro;
c) - a sua notificação por editais para se apresentar em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz;
d) - a sua não apresentação dentro do mesmo prazo e, obviamente,
e) - a não extinção da pretensão punitiva, nomeadamente, por efeito de prescrição, pois, se houver, ainda que depois do despacho que designa dia para julgamento, por não ter havido nenhuma causa de suspensão do prazo daquela, concretamente, por a acusação não ter sido notificada (artigo 120.º, alínea b), do Cód. Penal) ou o mesmo prazo não ter sido interrompido, por não ter havido constituição de arguido (artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código) ou notificação da acusação (alínea b) do mesmo artigo), é óbvio que a declaração de contumácia não pode ser proferida, pois, então, o processo deverá - tem de ser - arquivado, precisamente, por já não haver procedimento, por este se ter extinguido.
2.ª A não prescrição do procedimento criminal é, pois, um dos pressupostos da declaração de contumácia, verdadeiramente, o primeiro.
3.ª O que, no caso, assume especial relevância, ponderando que se encontra pendente recurso do despacho que negou a verificação dessa causa, afirmando a efetivação da notificação da acusação deduzida e unicamente motivadora da constituição do Recorrente como arguido, apenas com base em:
a) - a carta registada enviada, para essa notificação, em Cabo Verde e como se ainda se estivesse perante território português, ter sido recebida por uma tal BB e
b) - o Advogado subscritor da presente motivação, Mandatário dele há mais de 3 anos e sem poderes especiais, nomeadamente, o de confessar o que quer que seja, ter junto a respetiva procuração, dizendo (com base em informação do filho mais velho do arguido) que ele havia sido notificado, apesar de não ter deixado de acrescentar que “não conhecia o conteúdo dos autos” e que, por isso, pretendia consultá-los (fls. 965).
4.ª Sucede, porém, que tanto esse pressuposto, como o que acima se indicou em segundo lugar não se encontram preenchidos.
5.ª O da existência de uma pretensão punitiva não extinta, pelas razões que se indicaram no referido recurso e de que se junta cópia, dando-se a mesma reproduzida para todos os efeitos, sem prejuízo do que ainda se irá dizer.
6.ª O da não realização das diligências indispensáveis para a notificação do despacho que designa dia para julgamento, por nunca ter sido tentada a notificação do mesmo despacho pela única forma que poderia ter sido efetuada, tendo-se preferido praticar atos como se Portugal tivesse poder jurisdicional em Cabo Verde - onde o arguido reside há muitos e muitos anos - e, desta forma, não atendido:
a) - quer ao disposto no artigo 6.º do Cód. Proc. Penal, segundo o qual “a lei processual penal (só) é aplicável (…) em território estrangeiro nos limites definidos pelos tratados, convenções e regras do direito internacional”;
b) - quer ao preceituado no artigo 111.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma, enquanto diz que a comunicação de atos processuais a praticar no estrangeiro se efetua por carta rogatória;
c) - quer ao estabelecido na Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa:
- que regula, precisamente, a prática de atos processuais penais de um Estado a deverem lugar num outro igualmente aderente à mesma Convenção, em corolário do princípio “par in parem non habet imperium” e, desta forma, no estrito respeito do poder jurisdicional do Estado requerido; e
- cuja aplicação prevalece sobre as disposições do nosso direito interno, por força não só do artigo 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (“uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um tratado”), mas também, e sobretudo, do artigo 8.º, n.º 2, da nossa Constituição.
7.ª De todas estas disposições resulta, com efeito, que a notificação de um despacho que designa dia para julgamento de um arguido que reside em Cabo Verde - bem como de uma acusação - só pode ser efetuada nos termos da mesma Convenção, concretamente e face ao disposto no artigo 4.º dela, nos do artigo 142.º do Cód. Proc. Penal daquele País, que dispõe:
Artigo 142.º
Notificação a arguido, assistente ou parte civil
1. A notificação a arguido, assistente ou parte civil poderá ser feita, pelos meios previstos neste Código, ao respetivo defensor ou advogado.
2. Porém, deve ser feita na própria pessoa do arguido, assistente ou da parte civil, e igualmente ao respetivo mandatário, a notificação da acusação, da dedução de pedido de indemnização civil, do despacho de pronúncia ou não pronúncia ou do despacho materialmente equivalente, do despacho que designa dia de julgamento” (sublinhados e cheios nossos).
8.ª E, por isso, através de uma carta rogatória a expedir àquele País,
9.ª Conforme, aliás, já explicitou o Acórdão desse Alto Tribunal, de 30-06-2021, proferido no processo n.º 343/15.9JALRA-A.C1, a propósito de um arguido que residia em França.
10.ª Nos termos do seu sumário: “I - Residindo o arguido no estrangeiro e sendo a respetiva localização conhecida nos autos, a forma de assegurar a regularidade da notificação do despacho que designa dia para a audiência de discussão e julgamento, quando por outro meio não tenha sido possível notificá-lo, passa necessariamente pela expedição de carta rogatória com acionamento dos mecanismos de cooperação judiciária internacional. II – Não tendo a notificação sido efetuada por essa forma, não estão reunidos os pressupostos para a declaração de contumácia do arguido”.
11.ª E é óbvio que se a notificação do despacho em causa só pode ser efetuada nos termos das disposições citadas, por maioria de razão deve ser realizada a notificação da acusação, já que é ela que define o objeto do processo e, por isso, as balizas dentro das quais o arguido deve defender-se, não valendo, em consequência e também aqui, qualquer notificação por carta registada.
12.ª Ademais, efetuada, no caso, em pessoa diferente do arguido e de identidade desconhecida (sabe-se apenas o nome).
13.ª Arguido, acrescente-se, que só revestiu a respetiva qualidade em virtude da dedução da acusação (artigo 57.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).
14.ª. E relativamente ao qual nem sequer podia valer a ficção do artigo 113.º, n.º 3, alínea c):
a) - não só por a situação não se enquadrar nele,
b) - mas também por a mesma alínea pressupor a aplicabilidade do respetivo artigo (obviamente, por força do artigo 6.º do Cód. Proc. Penal) e, portanto e como (também) se salienta no aludido Acórdão, que a notificação tenha de ser efetuada em Portugal.
15.ª Acresce que, ao invés do que pretende o Tribunal “a quo” e como bem refere o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, secundado pelo Tribunal Constitucional (Ac. n.º 17/2010, processo n.º 498/09) estamos num domínio em que não há campo para conhecimentos presumidos ou informais, sendo inconstitucional, por violação do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição) e do direito ao processo devido (artigo 32.º, n.ºs. 1 e 5, da Constituição) o normativo extraído do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea b), do Cód. Penal, segundo o qual a notificação da acusação nele referida pode ser efetuada por carta registada enviada para o estrangeiro e recebida por terceiro, desde que o mandatário do arguido afirme a sua efetivação, independentemente de incorrer ou não em lapso na mesma afirmação - inconstitucionalidade que se invoca.
16.ª Violaram, pois, os despachos
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT