Acórdão nº 164/11.8TBBCL-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-20

Ano2023
Número Acordão164/11.8TBBCL-D.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA veio instaurar processo de inventário para partilha de bens comuns em consequência de divórcio, contra o seu ex-cônjuge BB, alegando, em síntese, que por sentença proferida em .../.../2011, transitada em julgado em .../.../2011, foi decretado o divórcio entre a requerente e o requerido, havendo bens comuns do ex-casal a partilhar, não existindo, no entanto, acordo quanto à sua partilha.

Nomeado o requerido para o cargo de cabeça-de-casal, veio o mesmo em 28/02/2022 apresentar a relação de bens que consta de fls. 15 e verso destes autos, na qual relaciona apenas dois créditos do extinto casal:

a) um, no montante de € 49.000,00, detido sobre o próprio cabeça-de-casal, referente às construções realizadas (muros e um pavilhão) num prédio que era sua propriedade;
b) outro, no montante de € 2.500,00, detido sobre CC, a título de benfeitorias realizadas num jazigo/capela pertencente à família da indicada devedora.

Em 3/03/2022 a requerente do inventário veio apresentar reclamação da relação de bens, nos termos da qual pretende que:

i) sejam relacionados os bens imóveis identificados nos pontos 3. e 6. e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº. 1151/12...., que correu termos no Juízo Local Cível ... – J..., assim como a moradia de três andares, com piscina, furo artesiano, chafariz, arranjos exteriores e muros de vedação e suporte que neles edificou o extinto casal, conforme os factos provados sob os nºs 8 a 21 da dita sentença, pelo valor de € 287.670,00 (€ 40.670,00 + € 247.000,00) resultante dos factos provados sob os nºs 31 e 32 da mesma sentença;
ii) seja excluído da relação de bens o crédito de € 2.500,00 detido sobre CC, por se achar extinto por compensação, ao ser deduzido à quantia do débito de € 40.670,00 fixado como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade sobre os prédios supra referidos na alínea i) como não relacionados, cujo pagamento a CC teria de ser feito por parte do extinto casal, como decidido também na referida sentença;
iii) seja relacionado, como passivo, o montante de € 38.170,00 a actualizar segundo o índice de preços no consumidor (com exclusão da habitação), entre o ano de 1996 e Junho de 2016, correspondente à dívida do extinto casal a CC (mãe do cabeça-de-casal), como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade, pela via da acessão industrial imobiliária, dos prédios identificados nos pontos 3. e 6., e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº 1151/12.... do Juízo Local Cível ... - J... (cfr. fls. 41 a 43vº destes autos).

Em 4/04/2022 veio o requerido/cabeça-de-casal apresentar resposta, na qual sustenta que:
a) os referidos bens imóveis, identificados nos pontos 3. e 6., e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº 1151/12.... não devem ser relacionados como bens imóveis da propriedade do extinto casal, porque não foi efectuado o pagamento a CC da quantia de € 38.170,00, devidamente actualizada, fixada na aludida sentença como condição suspensiva da aquisição desses imóveis;
b) deverá ser avaliado o terreno no qual foi incorporado/melhorado o imóvel em causa para aferir o valor actual de cada m2 do mesmo, e avaliado também esse imóvel melhorado/incorporado; após tal avaliação, deverá ser calculado o valor da dívida de CC ao extinto casal, por forma a que a mesma seja relacionada como activo no presente inventário; considerando-se nesse exercício as despesas que esta vem custeando com o processo de licenciamento e legalização da obra, e com os trabalhos de manutenção e conservação dos prédios em causa, tais como a execução de um muro de suporte do terreno e a mudança de telhado, despesas essas que ascendem a mais de € 40.000,00;
c) aceita a extinção do crédito de € 2.500,00, por via da compensação, detido sobre CC e que o mesmo seja, assim, excluído da relação de bens (cfr. fls. 44 a 46vº destes autos).

Após a requerente do inventário ter exercido o seu direito ao contraditório sobre os documentos que o cabeça-de-casal juntou com a resposta à reclamação e, do mesmo passo, ter pugnado pela falta de fundamento legal das avaliações aí requeridas por aquele, pois teriam por objecto factos que colidiriam frontalmente com o princípio do caso julgado, nos termos plasmados no requerimento de 13/04/2022 (refª. ...63), veio o cabeça-de-casal apresentar novo articulado em 28/04/2022, com a refª ...76, invocando que se extinguiu, por caducidade, o direito de o extinto casal adquirir, por acessão industrial imobiliária, os prédios que, segundo defende, são ainda da propriedade de CC (ou seja, os identificados nos pontos 3. e 6. e 4. e 7. dos factos dados como provados na sentença proferida no processo nº 1151/12....), por não ter sido paga à mencionada CC a quantia de € 38.170,00 fixada na sentença de 29/06/2016, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da mesma – pois considera que, embora a sentença não tenha fixado prazo para o pagamento daquela quantia, é aplicável subsidiariamente a solução consagrada no artº. 28º, nº. 5 do DL 385/88 de 25/10 (Lei do Arrendamento Rural) – insistindo, ainda, na realização das três avaliações que requereu na resposta à reclamação (cfr. fls. 64 a 66 destes autos).

Não tendo sido requerida a produção de quaisquer outras provas para além dos documentos oferecidos pelas partes, nem se afigurando necessário ao Tribunal de 1ª instância ordená-las oficiosamente, em 13/10/2022 foi proferida decisão sobre o incidente de reclamação contra a relação de bens nos seguintes termos:

«Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela parcial procedência da reclamação, decido que sejam aditados pelo cabeça-de-casal à relação de bens:
a) Como activo do património comum, a moradia de três andares, com piscina, furo artesiano, chafariz, arranjos exteriores e muros de vedação e suporte implantados pelo extinto casal nos prédios da mãe do cabeça-de-casal, tal como descritos nos factos dados como provados nos pontos 8., 10., 12., 13., 14., 15. e 21. na sentença proferida no processo que correu termos sob o nº. 1151/12.... pelo Juízo Local Cível ... – J...;
b) Como passivo do património comum, a dívida a CC no valor de € 38.170,00, a actualizar segundo o índice de preços no consumidor (com exclusão da habitação), entre o ano de 1996 e Junho de 2016, fixada como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade dos prédios identificados nos pontos 3. e 6., e 4. e 7. dos factos dados como provados na mencionada sentença.
*
Custas do incidente pela reclamante e pelo cabeça-de-casal na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respectivamente (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).»

Inconformado com tal sentença, o requerido/cabeça-de-casal BB dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

A. O Apelante, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discorda da douta decisão no incidente de reclamação ora recorrida, no que concerne à parcial procedência dos pedidos;
B. Designadamente a integrar como património ativo comum, a moradia de três andares, com piscina, furo artesiano, chafariz, arranjos exteriores e muros de vedação e suporte nos prédios da mãe do cabeça de casal;
C. Bem como integrar como passivo do património comum a dívida a CC no valor de 38.170,00€, fixada como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade dos prédios da mãe do cabeça de casal.
D. Fundamenta o tribunal “a quo” a sua decisão na tese de aquisição imobiliária de aquisição do direito de propriedade.
E. Na decisão da ação que correu termos pelo Juízo Local Cível ... – J... sob o nº 1151/12...., ficou decidido que:
“a) declarar adquirido pelo extinto casal formado por AA e BB, o direito de propriedade que a ré CC detinha sobre a casa referida em 3) e 6) e sobre o prédio rústico indicado em 4) e 7) dos factos provados, por via da acessão industrial imobiliária, condenando-se a ré no reconhecimento desse facto;
b) declarar que assiste ao extinto casal formado por AA e BB um crédito sobre a ré CC, no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), a título de benfeitorias realizadas no bem descrito em 34) dos factos provados, condenando se esta a reconhecer este mesmo facto;
c) fixar, como condição suspensiva da aquisição do direito de propriedade mencionado em a), o pagamento à ré CC, por parte de AA e BB, da quantia de 40.670,00€ (quarenta mil seiscentos e setenta euros), deduzida do crédito referido em b), por efeito da invocada compensação, o que totaliza o valor líquido de 38.170,00€ (trinta e oito mil cento e setenta euros), a atualizar segundo os índices de preços no consumidor (com exclusão da habitação), entre o ano de 1996 e Junho de 2016 (data da presente decisão).”
F. Acessão - causa de aquisição originária da propriedade (1316º do Código Civil) – dá-se quando à coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia (artigo 1325º do CC);
G. Quando por facto do homem ocorre a confusão entre objetos de natureza imobiliária pertencentes a diversos donos, designa-se à faculdade de resolver o conflito entre estes através da aquisição da propriedade nos termos e com os requisitos previstos nos artigos 1339º e segs. do CC “acessão industrial imobiliária” (artigo 1326º do CC);
H. Perante a ocorrência de uma sobreposição de duas propriedades distintas, não suportada por um direito de superfície validamente, a lei vem arbitrar o possível conflito daí emergente, mediante a fixação abstrata de um critério de prevalência;
I. O legislador faz depender, nesta situação em concreto, o direito à aquisição do direito de propriedade do prédio no qual foi construída obra por terceiro não proprietário do mesmo como requisitos...

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