Acórdão nº 1637/21.0T8AGD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-30

Ano2023
Número Acordão1637/21.0T8AGD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de apelação n.º 1637/21.0T8AGD.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Águeda





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:



RELATÓRIO
Depois de frustrada a tentativa de conciliação, AA apresentou petição inicial para impulso da fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (conforme art.º 117º, nº 1, al. a) do Código de Processo do Trabalho), contra “A..., Unipessoal, Lda.”, pedindo a condenação da Ré a:
1) reconhecer que o acidente em causa constitui um acidente de trabalho;
2) pagar-lhe a quantia de €9.096,16 acrescida dos respetivos juros de mora e até efetivo e integral pagamento, bem como a título de prestação suplementar o que resultar do exame por Junta Médica.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, ser trabalhadora da Ré desde 20/07/2020, e em 13/08/2020 sofreu acidente de viação quando se deslocava de casa do seu namorado para a sede da Ré; em consequência do sinistro esteve com incapacidade temporária para o trabalho até 04/01/2021, tendo direito a €3.060,00 de indemnização; depois foi-lhe atribuída IPP de 3%; teve despesas com deslocações, médicas e medicamentosas num total de €1.536,16; esteve dependente da sua mãe para executar as suas tarefas diárias, pelo que reclama o pagamento de prestação suplementar por assistência de terceira pessoa; sofreu danos não patrimoniais que devem ser compensados com €4.500,00; a Ré não transferiu a sua responsabilidade para qualquer companhia de seguros.

Citada a Ré, a mesma apresentou contestação, alegando, em resumo, que não aceita a caracterização do acidente dos autos como de trabalho, por entender que o acidente não ocorre no percurso e tempo habitual entre a residência e o trabalho; aquando da contratação da Autora solicitou à sua mediadora de seguros que incluísse a trabalhadora e dois outros colaboradores no seguro de prémio fixo existente, o que em relação à Autora não foi efetuado; concluiu dever a ação ser julgada totalmente improcedente, e ser absolvida de todos os pedidos.

A Autora apresentou resposta.

Citado o Centro Distrital da Segurança Social de Aveiro, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2 do Decreto-lei nº 59/89, de 22 de fevereiro, nada foi alegado.

Foi proferido despacho a convidar a Autora a apresentar nova petição inicial que colmatasse insuficiências factuais apontadas.

Foi apresentada nova petição inicial, a que se seguiu a apresentação de nova contestação.

Foi proferido despacho a considerar não ser admissível o articulado de resposta apresentado pela Autora, e foi determinado o desdobramento do processo (com organização de apenso para fixação de incapacidade), seguindo-se a prolação de despacho saneador, no qual foi afirmada a regularidade e validade da instância, foram consignados os factos considerados assentes, definido o objeto do litígio e enunciados temas de prova.

No apenso para fixação de incapacidade, depois de realizado exame por junta médica, foi decidido que a Autora esteve afetada de incapacidade temporária absoluta (ITA) de 14/08/2020 a 05/01/2021, e fixar em 2,5% o grau de incapacidade permanente parcial (IPP), desde 06/01/2021 (dia seguinte ao da alta).

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar a ação improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.
Foi fixado o valor da ação em €9.096,16.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que:
A. O sinistro em causa constitui um acidente de trabalho;
B. A Autora desde pelo menos três meses antes da data do sinistro, residia com o tal BB, ora em casa dos pais da Autora, ora em casa dos pais do tal BB,
C. O que faziam de forma alternada, semanalmente,
D. Dormindo juntos,
E. Partilhavam a mesma cama,
F. Tomavam juntos as refeições,
G. Partilhavam a habitação.
H. Devendo ser mantidos/confirmados os demais factos provados com a alteração da alínea g) nos termos supra referidos;
I. E, ainda os factos melhor identificados nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), x), z), aa), ab), ac) e ad) dos factos dados como não provados têm que ser dados como provados,
Termina dizendo dever ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por outra que condene a Ré, nos exatos termos peticionados.

A Ré apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que igualmente se transcrevem:
1. Após minuciosa e crítica análise de toda a prova produzida, e bem assim, dos depoimentos prestados por todas as testemunhas inquiridas em sede de Audiência de Julgamento, que veio julgar a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo a Ré (ora Recorrida) do pedido contra si formulado, vem a Autora, ora Recorrente, insurgir-se, requerendo a reapreciação da prova gravada, apresentando argumentação que, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, não poderá proceder.
2. O Tribunal a quo apreciou livre e regularmente a prova testemunhal produzida, explicitando e motivando o processo da sua aquisição, decidindo, depois, de conformidade sendo que, o que na verdade está a ser posto em causa no vertente recurso é a decisão.
3. Mesmo em face da matéria de facto que a recorrente alega ter sido mal julgada e que, por isso, deve de ser apreciada pelo tribunal de recurso, não pode deixar de considerar-se que a instância, em face da imediação, está em condições mais favoráveis para proceder à valorização dessas provas, tendo prolatado uma decisão de harmonia com a única solução possível isto é que não pode o sinistro ser qualificado como acidente de trabalho.
4. Como fica patente da análise da sentença, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objetiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem inteiramente a nossa concordância.
5. Limitando-se a Recorrente a discordar da valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada.
Sucede que,
6. A censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
Doutra forma,
7. Pretende a recorrente substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.
8. A força probatória da prova testemunhal é apreciada livremente, estando in casu devidamente fundamentada e motivada, constituindo a decisão a solução de direito mais plausível.
9. Os depoimentos transcritos nas alegações que sustentam o recurso da apelante têm de ser apreciados e mitigados com os depoimentos das demais testemunhas ouvidas em audiência de julgamento com especial relevo para a testemunha CC e DD como, e bem, foi feito pelo Tribunal a quo na decisão posta em crise.
10. Pelo que a sentença, posta em crise pela Recorrente, encontra-se fundamentada, pronuncia-se sobre as questões que lhe foram colocadas e não contém qualquer erro, nulidade ou vício que mereça reparo, devendo, por isso, improceder todas as conclusões tiradas pela apelante no âmbito do recurso interposto pela mesma.
11. Posto isto, não tem a Autora Recorrente razão para se insurgir contra a matéria de facto, devendo, nessa medida, manter-se inalterada a matéria de facto impugnada.
12. Atendendo a tudo quanto ficou exposto, deve a sentença ser mantida pois está em conformidade com o direito aplicável.
Termina dizendo não dever ser dado provimento ao recurso apresentado pela autora, mantendo-se, consequentemente a sentença recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Digno Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser dado provimento ao recurso, destacando-se a referência do seguinte:
4. Entende a Recorrente que deverá ser dado provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser a douta Sentença revogada e substituída por outra que condene a Ré, nos exatos termos peticionados.
4.1. Está em causa neste caso saber se o acidente de viação que sofreu a Recorrente é, também, acidente de trabalho.
Com relevo, para este efeito deu-se como provado que a Autora/Recorrente em 13/08/2020, vivia em casa de seus pais, sita na Rua ..., em ..., que fica a cerca de 400m do local onde presta a atividade referida em B, sito na Rua ..., em ... dos factos provados.
Mas também que a Autora pernoitou na casa onde o seu namorado vivia por mais do que uma vez, em datas em concreto não apuradas – G dos factos provados.
E que o sinistro referido em C, ou seja que no dia 13/08/2020, quando conduzia o veículo ciclomotor com a matrícula ..-ZT-.. na EN ...33, a Recorrente interveio num embate que envolveu uma viatura automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-PQ-.., ocorreu pelas 08h40m, quando a Autora se deslocava da casa dos pais do seu namorado BB, com quem este vivia, sita na Rua ..., em ..., e onde tinha pernoitado, para o local onde presta a atividade referida em B., ou seja o exercício das suas funções inerentes à categoria de assistente administrativa de logística, recebendo em contrapartida €10.905,34, ilíquidos anuais.
A Autora fazia esse trajeto a pé, demorando alguns minutos, ou em veículo motorizado.
4.2. Salvo melhor opinião para efeitos do disposto no artigo 9º, nº 1 al. a) e nº 2, al. b) da Lei 98/2009, de 04 e setembro, esta residência dos pais do namorado da Autora, onde ela com frequência estava, tomava refeições e pernoitava, por força da relação
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