Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 163/23.7T8ALM-A.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-12)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

AD, S.A., por apenso a ação declarativa, intentou procedimento cautelar comum, nos termos do disposto nos artigos 362º e ss. do CPC, contra KR, LDA., requerendo, sem audição da requerida, seja ordenada a restituição à Autora da posse sobre o estabelecimento supra identificado, ilicitamente detida pela Ré.
Para tanto alegou, em suma, que é proprietária de um estabelecimento de hotelaria denominado “VC Hostel”, o qual se encontra instalado em prédio de sua propriedade. Por contrato datado de 5 de abril de 2022 a requerente cedeu a exploração do referido estabelecimento de hotelaria à requerida. Por notificação judicial avulsa efetuada em 23 de novembro de 2022 a requerente comunicou à requerida que, a menos que em cinco dias entregasse à requerente uma garantia bancária ou em alternativa entregasse por depósito garantia o valor equivalente, como previsto no referido contrato, este ficava resolvido a partir do quinto dia. A requerida não entregou garantia bancária, nem fez o depósito substitutivo, pelo que o contrato de concessão da exploração do estabelecimento hoteleiro supra identificado cessou a sua vigência no dia 29 de novembro de 2022. A requerida não entregou o estabelecimento. A falta de entrega do estabelecimento após resolução é penalizada, nos termos contratualizados (cfr. Clausula 9ª, nº 2º do contrato) com a indemnização de 15.000,00€ por cada mês de atraso na entrega. A partir do dia 30 de novembro de 2022, passou a requerida a deter ilicitamente e contra a vontade da proprietária, perturbando, sem violência, o seu direito de explorar o seu estabelecimento hoteleiro, nos termos da cláusula 24º do contrato cedência de exploração, a requerida assumiu a obrigação de comunicar a todos os fornecedores a alteração da exploração e a alterar o destinatário da faturação dos serviços prestados ao estabelecimento, tais como elevadores, eletricidade etc., o que não fez. A requerida está progressivamente a deixar degradar o estabelecimento. Além do direito à entrega do estabelecimento, é ainda a requerente credora de elevados créditos, cuja recuperação, a persistir esta situação, será impossível ou muito difícil, dada a inexistência de património da requerida suscetível de garantir a satisfação de créditos de qualquer credor, nomeadamente os da requerente. É a requerente credora dos valores de 12.300,00€, relativa à fatura nº 503 (artigo 13º da P.I.) relativa a outubro de 2022 e de igual quantia de 12.300,00€ relativa à fatura nº 537 (artigo 14º da P.I.) relativa a novembro de 2022. Relativamente à indemnização pela falta de entrega do estabelecimento é neste momento a requerente credora de 105.000,00€. É ainda credora da entrega do estabelecimento no qual só o imóvel, antes da degradação a que a requerida o deixou chegar, tinha o valor patrimonial fiscal de 347.454,80€. Á medida que o tempo vai passando, com o aumento das responsabilidades da requerida é mais do que certo que a sentença que venha a ser proferida será absolutamente inútil relativamente aos efeitos e objetivos visados com a ação principal. Acresce que não é conhecido à requerida qualquer bem patrimonial suscetível de responder pelo passivo aqui demonstrado. As últimas contas depositadas pela requerida reportam-se ao exercício de 2021 e foram entregues apenas em 29 de dezembro de 2022. Nessa altura as capitais próprios só eram positivos em 89.339,15€ e à custa de “outros instrumentos de capital próprio” que ninguém sabe quais são, no valor de 600.000,00€ criada à pressa para evitar cair na alçada do artigo 35º do Código das Sociedades Comerciais, mas também facilmente evaporáveis. Os resultados negativos da atividade foram de 516.420,78€. Tais contas revelam que à data 29/12/2021 a requerida tinha um índice de solvabilidade de apenas 8%, porquanto tinha de capitais próprios 89.339,15€ para fazer face a responsabilidades de 1.138.918,91€ (IES, pág. 2). Assim, o índice de liquidez geral da requerida é inferior a 1, ou seja, de 0,87, pelo que os valores dos ativos não cobrem os passivos correntes. A requerida está intencionalmente a deixar degradar o património, se é que não está a deteriorá-lo intencionalmente.
Em 15/06/2023 foi proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial, com fundamento na manifesta improcedência do pedido, do seguinte teor:
“(…) A autora lança mão de uma providência comum visando a restituição de posse de um determinado estabelecimento de hotelaria.
A providência cautelar comum para restituição de posse (artº 395º do CPC) depende da verificação dos seguintes pressupostos:
-Probabilidade da existência de uma situação de posse (fumus boni juris);
- Verificação de actos de esbulho não violento ou de turbação (lesão ou perigo de lesão);
- Perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora). (…)
O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito, ora, no caso que cumpre apreciar, não se alcança da exposição da autora que esta tivesse sido desapossada do estabelecimento de hotelaria identificado nos autos. Por força da existência do contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes, a posse do estabelecimento é da titularidade da aqui requerida e, mesmo admitindo que a requerente resolveu validamente o contrato de cessão de exploração -o que é altamente controvertido, tendo em conta a posição já assumida pela ré na contestação apresentada na acção principal-, dessa resolução não resultou materialmente a devolução da posse à autora, o que não nos permite concluir, como no início, que a requerente beneficia de uma situação de posse sobre o estabelecimento e, logicamente não pode do mesmo ser esbulhada, ainda que de forma não violenta.
Além de tudo o que já foi dito, temos sustentado em situações análogas –quando na base da posse estão contratos de arrendamento- que não é possível através do recurso a providência cautelar antecipar despejos pelos senhorios -cfr. a este propósito o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-01-2014, no qual se sumaria que Por outro lado, não é admissível pedir a entrega judicial do locado, livre de pessoas e bens, no âmbito do procedimento cautelar comum, na redacção anterior à Lei nº 41/2013 de 26/06, já que tal representa uma decisão com efeitos definitivos e irreversíveis, quando o que está em causa deverá ser a tutela provisória do direito ameaçado (Ac. proferido no proc. 4387/13.7TBCSC.L1-8, versão integral em www.dsgi.pt).
Ainda que quanto às supra indicadas questões se pudesse ter entendimento diverso- no que não concedemos-, embora a autora alegue que (…) com a sua conduta causar à Autora uma lesão grave dos seus direitos patrimoniais de impossível ou muito difícil e onerosa reparação, (…) a Ré está a criar à Autora um dano de reparação impossível para todos quanto laboram na sua unidade e da qual dependem e, ainda, a Ré esta intencionalmente a deixar degradar o património, se é que não está a deteriorá-lo intencionalmente a autora não quantifica minimamente os danos referidos de forma a que se conclua que a sua reparação é excessivamente onerosa ou impossível, de forma a que jurídico-processualmente se conclua, também, pela existência de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora).
Em suma, da factualidade alegada, julgamos não estarem verificados os requisitos da providência cautelar comum.
Em face do exposto, é nosso entendimento que esta providência cautelar é manifestamente inviável, razão pela qual se indefere a mesma liminarmente.”
A requerente interpôs recurso deste despacho, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“- Está demonstrada a existência do direito da Apelante, tendo o Tribunal “a quo” ignorado a existência desse direito, apesar de demonstrado.
- Por em causa a resolução contratual da iniciativa da Apelante e incompatível com a postura contratual da Apelada até setembro de 2022.
- A reparação dos danos da Apelante é incompatível com a mora no julgamento da causa principal.
- O receio da Apelada na satisfação dos seus créditos é objetivo e legitimo face a incapacidade financeira e patrimonial da Apelada para assumir as suas responsabilidades.
- O Tribunal “a quo” fez, pois, uma errada apreensão dos fatos, com uma errada aplicação do direito à realidade.
- Nada do que se escreveu na sentença em recurso justifica objetivamente a decisão, pelo que estamos perante uma violação do artigo 154º do CPC e do artigo 615º, nº 1, alínea c) do mesmo código.
- O Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação dos fatos, assim violando o disposto no artigo 238º do Código Civil e assim, fez uma errada aplicação do direito.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve dar-se provimento à presente apelação e em consequência revogar-se a sentença proferida, substituindo-por uma decisão que decrete a providência requerida.”
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a que consta do relatório antecedente e a seguinte, decorrente da consulta dos autos principais, de que o presente constitui apenso:
1. Em 09/01/2023 a ora requerente interpôs contra a ora requerida ação declarativa, com fundamento na resolução do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial instalado no prédio descrito na C.R. Predial de … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, de que a primeira é proprietária, por falta de prestação de garantia bancária ou de depósito substitutivo, tendo formulado os seguintes pedidos de condenação da Ré, a:
“a) Entregar de imediato o estabelecimento de hotelaria identificado supra nos artigos 1º e 2º.
b) A pagar à A. a quantia de 24.600€ (Iva incluído) das faturas nº 503 e 537, relativa às mensalidades de outubro e novembro de 2022.
c) Pagar a
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