Acórdão nº 1618/19.3T9TVD.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-10

Data de Julgamento10 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão1618/19.3T9TVD.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 1618/19.3T9TVD, procedeu-se ao julgamento de SR, MR e TR, pelos factos e com o enquadramento jurídico constantes da acusação pública de fls. 142-148, para a qual remete o despacho de pronúncia de fls. 209-2018, imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal (doravante “CP”), por referência ao artigo 202.º, alínea b) do mesmo diploma.

A sociedade “EDP - Distribuição de Energia, S.A.” apresentou pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

«NESTES TERMOS, decide-se:
a)-Condenar a arguida SR pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo;
b)-Condenar a arguida MR pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo;
c)-Condenar o arguido TR pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea b) do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos e (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo;
(…)

Do pedido de indemnização civil:
Decide-se julgar integralmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante “E- REDES – Distribuição de Eletricidade, S.A.” contra os arguidos e, em consequência, decide-se condenar os arguidos/demandados SR, MR e TR a pagar uma indemnização à demandante, no montante global de € 148.729,99 (cento e quarenta e oito mil, setecentos e vinte e nove mil Euros e noventa e nove cêntimos), pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal civil em vigor de 4%, desde a data de notificação dos arguidos para contestar o pedido e até efectivo e integral pagamento.
(…)

2.Os arguidos recorreram da sentença, finalizando a sua motivação conjunta com as seguintes conclusões (transcrição):
I–Os Arguidos e ora Recorrentes foram julgados e condenados pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2 al. a), do Código Penal, por referência ao artigo 202.º, alínea b) do mesmo diploma, na pena de dois anos e seis meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo.
II–Foram ainda condenados a pagar à Demandante E-Redes – Distribuição de Eletricidade, S.A., a quantia de € 148.729,99 (cento e quarenta e oito mil setecentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos).
III–Com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo, que na face de uma aparente ilegalidade entendeu que teria de encontrar responsáveis para punir criminalmente pela mesma, sem cuidar de verificar se a factualidade imputada seria suficiente e se a prova produzida permitiria dar por provada essa mesma factualidade.
IV–Também se considera que a factualidade imputada não permite a subsunção legal apresentada pela acusação e corroborada pela douta sentença ora recorrida.
V–Assim, da fundamentação resulta uma referência quase geral à autoria, à dinâmica de coautoria, ao conhecimento, consciência, vontade e intenção de atuação de cada um dos arguidos, não se identificando quais os factos, em concreto, para os quais houve recurso à prova por presunção.
VI–Não há correlação entre cada um dos factos e a prova considerada para essa decisão.
VII–Não o fazendo, ficam também os Arguidos impedidos de exercer de forma efetiva o seu direito ao recurso, constitucionalmente consagrado pelo n.º 1 do artigo 32.º da CRP, uma vez que não conseguem impugnar com a certeza necessária os pontos de facto contra si julgados por provados.
VIII–Termos em que se mostra verificada a nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do mesmo CPP, que aqui expressamente se argui para os devidos e legais efeitos.
IX–Ainda que assim não se entenda, certo é que também a prova produzida é manifestamente insuficiente para que o Tribunal a quo possa proferir uma decisão condenatória.
X–Os factos imputados diretamente aos arguidos, nomeadamente os pontos 6, 7, 9 e 10 da matéria de factos julgada provada, resultam apenas de uma presunção retirada de elementos probatórios que não contendem diretamente com os arguidos, pelo que a fundamentação da douta sentença é demonstrativa da insuficiência probatória para julgar por provados os factos acima elencados.
XI–A gerência referida na douta sentença – que não corresponde, na íntegra, com a estrutura societária, conforme resulta da certidão permanente de fls. 91 a 100, uma vez que nem todos os gerentes e arguidos são sócios–remete apenas para a gerência “de direito”.
XII–Não foi produzida qualquer prova no sentido de confirmar ou informar que essa mesma gerência formal tinha correspondência material.
XIII–Não se sabe, porque nem sequer constava do libelo acusatório, quem dava as ordens, quem tinha acesso às contas bancárias, quem recebia as faturas da referida EDP, S.A. e tinha por obrigação proceder à sua contabilização e pagamento.
XIV–Nada se sabe quanto à gerência de facto. Nada foi alegado quanto ao exercício efetivo da mesma, à exceção da alegada celebração de um contrato comercial com a EDP, S.A., que não conhecemos quem assinou.
XV–Não se sabe sequer como é que a sociedade “H. ” se obrigava, nem houve qualquer preocupação do Tribunal a quo em perceber isso mesmo, sendo que tal elemento constava da certidão permanente junto aos autos.
XVI–Não é igual a participação social de todos os arguidos na sociedade, o que, por si só, também significa que formalmente – porque materialmente tal matéria foi obliterada do libelo acusatório – a capacidade de decisão é diferente relativamente a cada um dos arguidos, sendo que, por exemplo o arguido TR nem sequer é sócio da referida sociedade.
XVII–Contrariamente ao que argumenta a douta sentença recorrida, as “únicas pessoas interessadas em proceder à mencionadas alterações do contador”, não tem idêntico interesse, porquanto o seu eventual benefício – também ele apenas presumido por intermédio da sociedade que não se sabe quem gere – será manifestamente distinto para cada um dos arguidos.
XVIII–Não se consegue estabelecer uma conexão, para além de qualquer dúvida razoável, entre a autoria da apropriação de energia elétrica e os arguidos.
XIX–Ou seja, da prova produzida não se consegue afirmar que “em concretização de tais desígnios, por si ou por alguém por si mandatados, no dia 5 de Março de 2015, retiraram os selos da tampa do contador e os selos da régua de bornes do contador e lograram aceder ao interior do contador, onde substituíram as resistências existentes por outras resistências com um valor óhmico diferente, alterando assim o circuito de medição das correntes de entrada e desta forma fizeram com que as medições de passagem de corrente eléctrica na baixada passassem a ser superiores às que estavam registadas pelo contador, na ordem de -57%, contra a vontade e sem o conhecimento da “E-Redes”.
XX–Não cabe aos arguidos fazer prova da sua inocência, porquanto a mesma já se presume.
XXI–Similar decisão resulta do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, recentemente proferido em 13.01.2020, no âmbito do processo n.º 373/16.3T9BCL.G1, disponível em www.dgsi.pt, da qual resulta que “a mera prova de que o arguido era um dos sócios e o único gerente de uma sociedade na data em que foi realizada a manipulação do contador da electricidade fornecida ao respectivo estabelecimento comercial, de forma a que parte da energia consumida não fosse contabilizada, não permite ir ao ponto de estabelecer a conexão, para além de qualquer dúvida razoável, entre a autoria da apropriação da energia eléctrica e o arguido. Surgindo como resposta a esta incerteza o princípio do in dúbio pro reo, postulado do princípio constitucional da presunção de inocência.”
XXII–Com efeito, “a sentença que exclusivamente com base naquela factualidade e sua conjugação com as regras da experiência comum conclui ter sido o arguido – por intermédio de alguém a seu mando–o autor dos factos, enferma de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP.”
XXIIITambém nos presentes autos igual ilação terá de se retirar da inexistente prova produzida quanto à concreta autoria dos factos.
XXIV–Daí a impossibilidade de o Tribunal a quo cumprir com o desiderato da fundamentação, uma vez que se o tivesse feito, se conseguiria perceber que não há interrelação entre os factos acreditados por prova de caráter direto e os factos julgados por provados por recurso aos meios de prova indiretos.
XXV–Até quanto à imputada coautoria, a própria decisão recorrida refere que o acordo, entre os arguidos, não tem de ser prévio, nem expresso, “podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, desde que o mesmo revele a consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado tipo legal de crime”.
XXVI–No entanto, calcorreada a própria decisão e
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