Acórdão nº 1598/21.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-03-17

Ano2022
Número Acordão1598/21.5T8VCT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

No Processo Tutelar Cível de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais dos menores D. F. E L. I., instaurado pelo pai J. F., contra a mãe M. J., o requerente alegou, em síntese:

- Viveu em união de facto com a requerida de 2011 a 2017, tendo dessa união nascido em -.5.2011, o menor D. F. e, em -.6.2015, a menor L. I..
- A união de facto cessou em 2017, tendo os menores sido confiados à sua guarda no âmbito do processo de promoção e protecção nº 552/18.9T8BCL, no Tribunal Judicial de Barcelos.
- A mãe dos menores não dispõe de condições pessoais, sociais e económicas adequadas ao crescimento e desenvolvimento dos menores e, por isso, estes devem continuar à sua guarda, mantendo o convívio com a mãe mediante visitas supervisionadas, sem pernoitarem com a mesma para evitar situações de negligência mencionadas nos relatórios sociais.
- A requerida deve contribuir para o sustento dos filhos, sendo adequado e proporcional às suas posses e às necessidades daqueles a fixação de uma pensão de alimentos mensal, no valor de €300,00 mensais.
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Realizou-se a conferência de pais a que alude o art. 35ºdo RGPTC, no qual foi fixado um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais e solicitado um relatório técnico especializado.
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Foram apresentadas as alegações por ambos os progenitores, tendo o requerente reduzido para € 150 o valor da pensão de alimentos peticionada para cada um dos filhos.
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No início da audiência, os progenitores chegaram a acordo quanto aos vários aspetos do exercício das responsabilidades parentais, com exceção da pensão de alimentos.
Segundo esse acordo que foi judicialmente homologado, os menores ficaram a residir com o pai, ao qual foram atribuídas as responsabilidades relativas à orientação da sua vida corrente, bem como quanto à saúde e educação dos mesmos, sendo as responsabilidades relativas às questões de particular importância atribuídas em conjunto a ambos os progenitores, e foi fixado o regime de visitas à mãe.
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Prosseguindo a audiência, foi produzida prova em ordem à decisão sobre a pensão de alimentos, tendo em 13.12.2021 sido proferida sentença, que considerando não ter a progenitora a possibilidade de prestar alimentos aos filhos, não a condenou no pagamento de qualquer pensão.
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Inconformado, o requerente interpôs o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes

CONCLUSÕES:


Vem o presente recurso interposto da D. Decisão que decidiu «Não se condena a R. da a prestar alimentos».

O dever dos pais de educação e manutenção dos filhos é um verdadeiro direito-dever subjectivo e não uma simples garantia institucional ou uma simples norma programática, integrando o chamado poder paternal.

Compete a ambos os progenitores a obrigação de sustentar os filhos. Esta obrigação abrange tudo aquilo que é indispensável ao adequado desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos menores, tendo, porém, em conta as possibilidades dos obrigados.

Sobre o/a progenitor/a impende um dever jurídico de contribuir para o sustento do/a filho/a, de acordo com as suas possibilidades. Não se trata de um simples dever jurídico de cariz estritamente pecuniário, mas dum dever de observar comportamentos para dar satisfação àquelas necessidades do seu descendente. Trata-se duma obrigação que assenta e emerge da responsabilidade parental, e nesta encontra o seu fundamento.

A condição de progenitor (no caso mãe não guardiã) implica o dever de ter ou adquirir uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos e a situação de sofrer de epilepsia não a dispensa de cumprir a obrigação de alimentos que deverá, nesse caso, ser calculada de acordo com a sua capacidade laboral e de auferir rendimentos.

A lei expressamente consagra a obrigatoriedade de a sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais definir e fixar os alimentos devidos ao menor e a forma de os prestar – art.º 1905º do C.C.

Só em situações de carácter verdadeiramente excepcional será legítimo ao tribunal não fixar qualquer prestação de alimentos, como seja o caso de comprovada indigência, daqueles que perderam, de forma irreversível e sem concorrerem culposamente para tanto, o seu património e a sua capacidade laboral, o que não resulta demonstrado nos autos.

Atendendo ao superior interesse do/s menor/es deverá ser fixada uma prestação de alimentos, de acordo com as normais realidades da vida e em termos de equidade e bom senso, tanto mais que a própria Requerida concordou em contribuir para o sustento dos seus filhos.

A fixação da prestação nos termos expostos não constitui uma presunção insuportável para a progenitora (até porque a mesma concordou com tal fixação em sede de audição técnica especializada) uma vez que esta poderá, querendo, demonstrar a sua incapacidade efectiva, dispondo de meios judiciais que lhe permitem afastar tal obrigação.
10º
A paternidade/maternidade gera responsabilidade, compreende-se que, relativamente aos alimentos devidos a filho menor, o critério legal seja muito apertado, não repugnando estimular fortemente a capacidade de trabalho do progenitor, sendo certo que este não tem o direito de se manter ocioso, por forma a subtrair-se à prestação alimentar, pelo que deverão tomar-se em consideração os recursos que aquele poderia obter com o seu trabalho.
11º
A obrigação a que o progenitor está adstrito tem ínsita uma obrigação de facere, de desenvolver activo e proficiente esforço na angariação de meios para prover ao sustento dos filhos, não sendo admissível que se remeta a uma passividade laboral incompatível com os seus deveres parentais.
12º
A medida das possibilidades do obrigado é traduzida não só pelos rendimentos efectivamente auferidos (integrada pelos encargos suportados com a própria subsistência), no caso de exercer actividade profissional, mas também pela capacidade do obrigado exercer uma actividade profissional geradora de rendimento.
13º
No apuramento da existência – e medida – da obrigação de alimentos, não pode o tribunal deixar de considerar que o progenitor não guardião só fica exonerado da obrigação desde que demonstre estar impossibilitado de prestar, designadamente por estar efectivamente incapacitado de obter rendimentos pelo exercício de uma actividade profissional, o que não acontece nos presentes autos.
14º
Ao não fixar os alimentos devidos aos menores, o Tribunal a quo impede que o Estado use da sua solidariedade para quem carece de alimentos e impede que ele se possa substituir ao progenitor que não paga a pensão, colocando até em causa a sua missão social.
15º
A D. Decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 36.º, nºs 3 e 5, 69.º da CRP, nos art.ºs 607.º e 986.º do CPC, nos art.ºs 1877.º, 1878.º, 1882.º a 1885.º, 1886.º, 1887.º, 1921.º, 2003.º, e 2004.º do CC, nos art.ºs 45.º, 46.º, 47.º e 48.º do RGPTC, o Decreto-Lei 164/99 de 13 de Maio e o art. 27.º, nº s 1 e 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE CONCLUA PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO FIXANDO UMA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A FAVOR DOS FILHOS DO RECORRENTE, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS COMO É DE JUSTIÇA!
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O Ministério Público respondeu, pugnando pela manutenção do decidido, considerando que face às circunstâncias apuradas, a situação é de clara falta de meios da devedora para prestar alimentos.
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Foram colhidos os vistos legais.
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Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

II. Delimitação do objecto do recurso

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão a decidir é saber se deve ser fixada pensão de alimentos a pagar pela mãe não guardiã aos filhos menores.

III. Fundamentação

A- Os FACTOS

Foram os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido:

1 - D. F. nasceu a - de Maio de 2011.
2 - L. I. nasceu a - de Junho de 2015.
3 - D. F. e L. I. são filhos de J. F. e de M. J..
4 – J. F. e M. J. viveram juntos durante anos e até 2017.
5 - Em benefício dos menores tramitou processo de protecção, vindo a revisão de Janeiro de 2021 a substituir a medida de confiança a pessoa idónea pela medida de apoio junto do pai.
6 - D. F. e L. I. vivem com J. F. desde Janeiro de 2021, sendo este a suportar as despesas daqueles.
7 - E sem que M. J. haja entregue mensalidade para ajudar no sustento dos filhos.
8 – J. F. trabalha na construção e declarou vencimento de 665 euros em Setembro de 2021.
9 - A companheira recebe subsídio de doença e tem dois filhos com ela.
10 -...

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