Acórdão nº 158/20.2T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 23-01-2023

Data de Julgamento23 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão158/20.2T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de apelação n.º 158/20.2T8MTS.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos – J3



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “R...)” (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo
a) a condenação da Ré no pagamento do valor global de €81.470,96 relativos aos subsídios de férias (€17.487,98) e de Natal (€17.487,98) não pagos durante a vigência do contrato, acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como da formação não ministrada (€1.339,45), das retribuições não pagas durante o período de inatividade (€43.667,58) e de 11 dias de férias não gozados (€1.487,97);
b) no tocante ao período de inatividade, caso não se considere o valor total, deverá a Ré ser condenada em 20% desse valor, ou seja, a 20% de €43.667,58 no total de €8.733,51, reconhecendo-se a existência de um contrato de trabalho intermitente.
c) a condenação da Ré no pagamento, ainda, do valor de €2.000,00 a título de danos não patrimoniais acrescidos dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento;
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que, sendo competentes os tribunais portugueses e aplicável a Lei Portuguesa, a Ré durante a vigência do contrato de trabalho (entre 12/02/2010 e 28/01/2019) nunca lhe pagou subsídio de férias nem subsídio de Natal, bem como nos últimos 3 anos não tem registo de lhe ter proporcionado formação; acresce que a Ré solicitou à Autora que durante determinados meses não recebesse qualquer remuneração, o é ilícito; com a situação de tensão com a Ré, que levaram à saída da Autora como trabalhadora da Ré, sofreu danos não patrimoniais indemnizáveis.

Foi realizada «audiência de partes», e, frustrada a sua conciliação, foi notificada a Ré para poder contestar, apresentando contestação na qual alegou, em resumo, que por acordo com o Sindicato do Pessoal de Voo da Aviação Civil, a Ré concordou em passar a aplicar a legislação nacional às relações laborais com os trabalhadores alocados a bases em Portugal, a partir de fevereiro de 2019, sendo antes desse período a relação laboral regida pelas leis da Irlanda e a sua avaliação sujeita aos tribunais irlandeses; concluiu dever a ação ser julgada totalmente improcedente.

Foi realizada «audiência prévia», sendo determinada a inquirição de testemunhas com vista à apreciação da competência internacional, sendo depois proferido despacho a julgar improcedente a exceção de incompetência internacional invocada pela Ré.
Foi fixado o valor da ação em €33.470,96.
Foi proferido despacho saneador, sendo dispensada a identificação do objeto do litígio bem como a enunciação dos temas de prova.

Realizada «audiência de discussão e julgamento», foi determinado fosse solicitado ao Gabinete de Direito Comparado informação sobre legislação laboral da República da Irlanda em vigor em janeiro de 2020, e após foi proferida sentença decidindo julgar a ação parcialmente procedente, e em consequência:
i) condenar a Ré a pagar à Autora:
a) a retribuição dos dias de férias não gozadas nos anos de 2010 a 2018 por referência ao período de 22 dias de férias anual, ponderando o período anual de trabalho concreto prestado pela autora a partir do ano de 2012 e a retribuição concretamente auferida pela Autora em cada um daqueles anos (de 2010 a 2018), a liquidar posteriormente;
b) a compensação retributiva correspondente a 20% da retribuição base pelos períodos de inatividade nos anos de 2012 e até à cessação do contrato de trabalho, a ser calculada por referência à retribuição base auferida pela Autora em cada um desses anos e aos concretos períodos de inatividade em cada, a liquidar posteriormente;
c) a quantia correspondente a 55 horas de retribuição (por formação profissional não ministrada), a calcular por referência à retribuição que a Autora auferia aquando da cessação do contrato de trabalho, a liquidar posteriormente;
ii) absolver a Ré do demais peticionado.
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
A. Sem prejuízo da factualidade provada, o Mto Julgador a quo considerou que apesar da Recorrente nunca ter acordado na celebração de qualquer pacto de jurisdição, nem ter aceite o afastamento da aplicação da lei portuguesa, os factos apurados não permitiam concluir por qualquer conduta censurável ou reprovável da Recorrida.
B. Assim, considerou que por força da convenção e do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento, a lei aplicável ao contrato seria a lei irlandesa mas, no entanto, esta primazia da lei não poderia privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha seria aplicável – a lei portuguesa.
C. Concluiu, ainda, que a legislação laboral portuguesa contém inúmeras disposições imperativas, inderrogáveis e imutáveis pelo contrato individual de trabalho mas, contrariamente ao que seria lógico, veio a assumir a posição de que resultou ter sido vontade das partes incluir na retribuição acordada todas as variantes que poderia influir no valor final da retribuição, apesar de ter dado como provado que a Autora não teve qualquer influência ou poder de negociação na elaboração do contrato.
D. Assim, veio a julgar improcedente o pedido de pagamento de subsídio de férias e de Natal com fundamento de que ponderando que na legislação portuguesa nada obsta a que o salário seja negociado e previsto num valor anual global e que a retribuição acordada entre as partes não fica aquém do valor do salário mínimo nacional nem das retribuições anuais previstas para o setor na contratação coletiva existente à data, é de considerar que a mera ausência de previsão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal não importa uma derrogação material à lei substantiva imperativa portuguesa e à proteção que nela se pretende alcançar.
E. Efetivamente parece-nos indiscutível que a lei irlandesa priva o trabalhador da proteção que lhe é conferida pela lei portuguesa por disposições não derrogáveis, no que concerne aos subsídios de férias e de Natal.
F. Com efeito as disposições do Código do Trabalho que preveem os subsídios de férias e de Natal revestem natureza imperativa e não podem ser afastadas por vontade das partes, a não ser em sentido mais favorável, constituindo prestações obrigatórias (artigo 3.º, n.º 4 do C.T.)
G. Assim, sem dúvida que a lei laboral portuguesa confere ao trabalhador uma proteção mais ampla do que aquela que resultaria da aplicação da lei irlandesa que nem sequer prevê qualquer tipo de pagamento a título de subsídios de férias e de Natal.
H. Também não se aceita que se considere mais favorável a lei que assegura ao trabalhador um maior rendimento pois nesse caso estamos a falar de matérias retributivas que constituem o sinalagma do trabalho prestado o que não se coaduna com a natureza dos subsídios.
I. Quanto ao subsídio de férias, sendo as férias concebidas como um facto de equilíbrio bio psíquico do trabalhador, implicando uma rutura no quotidiano laboral e extralaboral que redunda num acréscimo de despesas para o trabalhador e respetiva família, o respetivo subsídio surge para possibilitar que o trabalhador enfrente este previsível aumento de gastos.
J. Quanto ao subsídio de Natal, consiste o mesmo numa prestação pecuniária paga ao trabalhador durante a quadra natalícia, visando assegurar a este último uma disponibilidade financeira que lhe permita enfrentar o acréscimo de despesas tradicionalmente associado a esta época do ano.
K. Assim, tendo estas prestações previstas nos artigos 263.º e 264.º do C.T. uma natureza distinta da retribuição mensal paga como contrapartida do trabalho prestado nos termos do artigo 258.º do mesmo Código, e sendo apenas a esta que se refere a retribuição mensal garantida (a qual não dispensa no sistema jurídico português o pagamento de um valor igual nas alturas próprias a título de subsídio de férias e de Natal) não pode a comparação de regimes ser efetuada apenas por reporte à retribuição mínima mensal garantida prevista em cada um dos sistemas jurídicos.
L. A Recorrida tem vindo[2] a sustentar, e pela primeira vez em Portugal um Juiz veio a perfilhar deste entendimento, que uma vez que o salário anual fixado pelas Partes é superior ao valor mensal de €600,00 (RMMG), a lei irlandesa é mais favorável do que a lei Portuguesa.
M. Se compararmos os valores da retribuição praticados pelas companhias aéreas portuguesas, verificamos, que os Comissários de Bordo que nela prestam serviço têm uma retribuição mensal de valor semelhante ao do Recorrente e a esta acrescem os subsídios de férias e de Natal de valor igual (à, pelo menos, retribuição base).
N. As normas que consagram aqueles subsídios são normas imperativas mínimas, na medida que delas decorre a obrigatoriedade do seu pagamento, e a sua correspondência a, pelo menos, a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador.
O. Porque assim é, julgamos que a Recorrida não logrou demonstrar que o regime jurídico irlandês é mais favorável à aqui Recorrente do que a aplicação do regime jurídico português, no que tange à (não) aplicação do subsídio de férias e subsídio e Natal, sendo reconhecido por todos que estes estão consagrados em normas de natureza imperativa que, salvo o devido respeito, caracterizam a ordem jurídica laboral do Estado Português e a individualizam face às demais ordens jurídicas laborais dos diversos Estados que compõem a mapa mundial.
P. Nestes termos, inexistem dúvidas de que a Lei irlandesa “escolhida” pelas partes priva efetivamente o trabalhador da vantagem pecuniária que lhe é conferida por disposições da Lei Portuguesa não derrogáveis por acordo, em matéria de subsídios de férias e de Natal pelo que andou mal o
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