Acórdão nº 1565/21.9T8EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28-09-2023

Data de Julgamento28 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão1565/21.9T8EVR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, AA participou acidente de trabalho ocorrido no dia 12.06.2021, quando exercia, enquanto trabalhador independente, a actividade de extracção de cortiça. O acidente terá consistido numa queda de três metros de altura, quando se encontrava na pernada de um sobreiro.
Realizada a fase conciliatória, a conciliação não se obteve porquanto a seguradora para quem estava transferida a responsabilidade infortunística laboral, LUSITÂNIA – Companhia de Seguros, S.A., recusou a sua responsabilidade por considerar que o acidente se deveu a negligência grosseira do sinistrado.
Assim, o sinistrado apresentou petição inicial demandando a seguradora e pedindo o pagamento das prestações normais decorrentes do acidente.
A Ré contestou, aceitando a ocorrência do acidente e o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas, mas não aceitou a sua responsabilidade, argumentando com a actuação culposa do sinistrado.
Citado, o Instituto de Segurança Social, I.P., pediu o reembolso da quantia de € 773,44, paga ao sinistrado a título de subsídio de doença. Também esta pretensão foi contestada pela seguradora, sob a mesma argumentação.
Realizado julgamento, a sentença considerou que o sinistrado violou regras sobre segurança e saúde no trabalho e incorreu em negligência grosseira, motivo pelo qual absolveu a seguradora de todos os pedidos.

Inconformado, o sinistrado recorre e conclui:
(…)

Na respectiva resposta, a Seguradora sustenta a manutenção do julgado.
Nesta Relação de Évora, a Digna Magistrada do Ministério Público produziu parecer, propondo o provimento do recurso.
Cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto:
Consignando, previamente, que o Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e que se procedeu à audição da prova gravada, procedamos à análise da impugnação fáctica deduzida, respeitante ao seguinte facto, que a sentença considerou não provado: “A. O uso do arnês não era possível nas circunstâncias referidas em 2. a 5.”
O Recorrente entende que este facto deveria ser considerado provado, argumentando que o sobreiro em questão não permitia a fixação de corda onde prender o arnês, e que o uso de tal equipamento não é possível neste tipo de actividade.
Em primeiro lugar, foram juntas aos autos fotografias da árvore em questão, onde ocorreu a queda, e da pernada onde o sinistrado se encontrava – havendo a notar que a autenticidade de tais fotografias foi confirmada em audiência pelo próprio Recorrente e pelas testemunhas …, … e ….
O sobreiro em causa tem um tronco, que se desenvolve até cerca de 1,50m de altura, dividindo-se depois em quatro grandes pernadas, que se afastam do tronco principal. O sinistrado estava a tirar cortiça em duas dessas pernadas, que se desenvolvem para o mesmo lado da árvore, a uma distância que permite ter um pé em cima de uma e o outro pé em cima da outra – o sinistrado chamou a esta situação de “pernada dupla”. Segundo o próprio sinistrado, colocou-se em cima das duas pernadas, tirou a cortiça na pernada da esquerda e quando estava a transferir o peso para a pernada da direita, para tirar ali a cortiça, escorregou.
Do que observamos, a fixação de corda onde segurar o arnês, não era impossível – ora dava para fixar numa das pernadas, ora na outra, permitindo a existência de um ponto resistente capaz de amparar o sinistrado em qualquer situação de desequilíbrio.
E do que ouvimos nos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, nomeadamente …, que se dedica igualmente à extracção de cortiça, e de …, o proprietário da herdade onde o sobreiro está plantado, o uso de arnês e de corda de segurança não é uma impossibilidade nesta actividade, tanto mais que é dada formação sobre o seu uso – embora todos os sobreiros tenham morfologias diferentes, cada árvore deve ser avaliada e procurados os seus pontos resistentes, caso haja necessidade de realizar trabalhos em altura.
O que existe é um hábito de não usar esse equipamento, porque é encarado como um “empecilho” ou um “transtorno”, não no sentido de impedir a tiragem da cortiça, mas antes porque faz demorar o trabalho.
Ou seja, em sacrifício da segurança, maximiza-se o volume de cortiça tirada em menos tempo.
É mais rápido um tirador de cortiça subir às pernadas, sem ter de se preocupar em fixar cordas de segurança, tirar a cortiça num autêntico exercício de equilibrismo, e passar rapidamente à árvore seguinte.
De todo o modo, o que se questiona é acerca da impossibilidade de colocação do arnês nas condições específicas do sobreiro onde o sinistrado estava a realizar o seu trabalho: e a resposta é que não era impossível, podia era demorar mais tempo, mas essa é outra questão.
Em resumo, procedeu bem o tribunal recorrido ao considerar este ponto como não provado, pelo que a impugnação de facto não procede.

A matéria de facto fixa-se assim:
1. AA nasceu a …/…/1980.
2. No dia 12 de Junho de 2021, pelas 08h30, em Montemor-o-Novo, enquanto exercia funções, por conta própria, como trabalhador florestal/tirador de cortiça, AA sofreu uma queda de uma altura de três metros.
3. A referida queda deu-se quando AA se encontrava em cima de um sobreiro, a pelo menos três metros do solo, e, ao deslocar o peso do corpo de uma perna para a outra, um dos pés escorregou, o que causou o desequilíbrio daquele e subsequente queda ao solo.
4. Nas circunstâncias supra-referidas, AA usava luvas e calçado de protecção.
5. Não usava, porém, arnês e cordas de segurança.
6. Em consequência da referida queda, AA sofreu fractura do rádio esquerdo e das vértebras lombares L1 e L2.
7. As lesões acima descritas determinaram ao sinistrado um período de Incapacidade
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