Acórdão nº 1533/20.8T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-09-28

Ano2023
Número Acordão1533/20.8T8STB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
No processo de inventário (competência facultativa) intentado em 04-03-2020, em que é inventariado AA, falecido em 22-12-2017, e Requerentes CC e DD, respetivamente, filha e genro do inventariado, exercendo as funções de cabeça-de-casal, a viúva BB, foi proferida, em 10-02-2023 (Ref.ª 96369567), decisão que decidiu a reclamação contra a relação de bens.
Constando da parte dispositiva desta decisão, o seguinte:
«Face às razões de facto e de direito supra expostas, decido:
a) Adicionar à relação de bens as doações de dinheiro a favor da legatária EE, nos montantes de €220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), €2.000,00 (dois mil euros) e de €19.000,00 (dezanove mil euros), as quais deverão passar a integrar a relação de bens, como verbas n.º 10, 11 e 12.
b) Atribuir à verba n.º 4 o valor de €95.000,00 (noventa e cinco mil euros);
c) Atribuir à verba n.º 5 o valor de €72.000,00 (setenta e dois mil euros);
d) Manter o mais relacionado nos termos em que se encontra, com a rectificação de 17/07/2020, excluída do passivo adicionado em 01/09/2021.»

Inconformada, EE, neta do inventariado e legatária, veio interpor recurso daquela decisão, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1 - A Resposta à Reclamação de Bens entregue tempestivamente via Citius, foi ignorada, pelo que não surtiu o efeito desejado, ou seja; as questões colocadas pela Recorrente não foram apreciadas.
2 - Se o Meritíssimo Juiz a quo tivesse levado a julgamento tais quesitos o resultado seria completamente diferente.
3 - E as questões que foram colocadas na respetiva peça processual da ora Recorrente teriam sido cabalmente esclarecidas.
4 - Destarte, o Meritíssimo Juiz a quo o julgar como julgou, violou de forma clara e inequívoca o princípio do contraditório plasmado no código de processo civil e na Constituição Portuguesa; pelo que a decisão também enferma de inconstitucionalidade; ao decidir como decidiu não contemplou os factos aduzidos pela Recorrente.
5 - Essa omissão influencia nitidamente o desfecho da causa. Na verdade, tais factos não foram levados à discussão e julgamento, violando deste modo o princípio do contraditório.
6 - Não tendo sido objeto de qualquer consideração, nem quanto à sua tempestividade nem quanto às questões nele vertidas, a decisão enferma de nulidade (art.º 615 do CPC).

Termos em que, recebido o presente Recurso de Apelação e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser proferido o douto e final Acórdão que declare nula a sentença recorrida em conformidade com as conclusões já aduzidas, anulando todo o processado ulterior à Resposta da Recorrente (…)».

Foi apresentada resposta ao recurso pela Requerente do inventário, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de 19-05-2023 (Ref.ª 97216873) e foi dado cumprimento ao disposto no artigo 641.º, n.º 7, do CPC.

II- OBJETO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Nulidade da decisão
- Violação do princípio do contraditório e inconstitucionalidade da decisão

III- OS FACTOS
1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
« A)Factos provados
Em face da posição expressa pelas partes nos respectivos articulados e prova constantes dos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para o âmbito da reclamação:
1) AA e BB contraíram matrimónio em 17/12/2012.
2) AA faleceu no dia 22/12/2017, no estado de casado, sob o regime imperativo de separação de bens, com BB.
3) O regime de bens desse casamento derivou da idade do inventariado, com 89 anos ao momento da celebração do matrimónio.
4) AA deixou testamento público de 28/07/2015, no qual expressou a seguinte vontade:
(…) Que pelo presente testamento lega, por conta da sua quota disponível, a sua referida esposa BB (…) o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Avenida, Cabanas, freguesia de Quinta do Anjo, Concelho de Palmela, inscrito na matriz sob o artigoda referida freguesia.”
5) O prédio urbano, sito na Avenida …, Cabanas, freguesia da Quinta do Anjo, descrita na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o nº … da citada freguesia, inscrito na respectiva matiz predial urbana sob o artigo …, foi inscrito em registo, a favor do inventariado, em 06/07/2012, por partilha da herança deixada por óbito da sua pré-falecida esposa, FF.
6) Tal prédio foi inscrito em registo a favor de BB, em 05/01/2018, por conta do aludido em 4).
7) Após a celebração do matrimónio com BB, o inventariado e a sua esposa passaram a fazer uso, em comum, das contas bancárias tituladas pelo inventariado.
8) Ambos procediam, através dessas contas, à realização de pagamentos de bens e de serviços, transferências e levantamentos em numerário em benefício de ambos para suportarem as despesas de saúde, do sustento da vida corrente e de recreio do casal.
9) O referido em 7) e 8) sucedeu até ao óbito do inventariado.
10) CC é filha de AA e de FF.
11) Em 10/02/1992, AA e sua primeira esposa, FF, celebraram escritura pública de doação, através da qual, declararam doar à neta de ambos, EE, por conta das suas quotas disponíveis e livre de ónus ou encargos, o prédio composto por lote de terreno para construção urbana sito na Quinta da Torre, freguesia de Quinta do Anjo, concelho de Palmela, descrito na Conservatório do Registo Predial de Palmela sob o número …, então inscrito sob o artigo …, a que atribuíram o valor de 1.000.000$00 (um milhão de escudos).
12) No acto, EE declarou aceitar a referida doação.
13) Em 04/07/2001, AA e FF, celebraram escritura pública de doação, através da qual, declararam doar à neta de ambos, GG, por conta das suas quotas disponíveis, o lote de terreno para construção urbana sito na Avenida …, freguesia de Quinta do Anjo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número …, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …, a que atribuíram o valor de 3.150.000$00 (três milhões e cinto e cinquenta mil de escudos).
14) No acto, GG declarou aceitar a referida doação.
15) Por sentença homologatória de transacção, efectuada no âmbito do proc. n.º 117/2016-JPP, do Julgado de Paz de Palmela, GG obrigou-se a pagar ao seu avô, AA, o valor de €10.000,00 (dez mil euros), como contrapartida para a realização de operação de destaque urbanístico da faixa 3m de frente por 17,50m de comprimento, correspondente a uma servidão de passagem do prédio aludido em 13), a onerar o prédio aludido em 5).
16) O valor aludido em 14) foi pago através de cheque bancário de 06/04/2017.
17) A operação foi concluída através de escritura pública de compra e venda datada de 20/12/2018, através da qual GG adquiriu a BB a porção de terreno identificada em 14).
18) Em resultado da venda de um prédio designado por “Pomar”, o autor da sucessão entregou, a título gratuito à sua neta EE, a quantia de €220.000,00 (duzentos e vinte mil euros), que esta recebeu e fez sua.
19) Em resultado da venda de um trator, o autor da sucessão entregou, a título gratuito à sua neta EE, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), quantia que esta recebeu e fez sua.
20) O autor da sucessão entregou, a título gratuito à sua neta EE, a quantia de €19.000,00
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