Acórdão nº 1530/18.3T9LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 10-04-2024
Data de Julgamento | 10 Abril 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 1530/18.3T9LRA.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS)) |
Adjuntas: Rosa Pinto
Maria Teresa Coimbra
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO:
Nos autos supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal ..., após julgamento foi proferida sentença decidindo nos seguintes termos:
(...)
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido condenar:
5.1. condenar o arguido AA pela prática, na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 1, als. a) e b), e 104º, nº2, b), do R.G.I.T., na pena de um ano de prisão, substituída pena pela pena de cento e oitenta dias de multa à razão diária de quinze euros, o que perfaz a pena de multa de substituição global de dois mil e setecentos euros;
5.2. condenar o Arguido no pagamento das custas processuais, que fixo pelo mínimo legal (artigo 8.º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, e artigo 513.º, n.º1, ambos do C.P.P.), outrossim nos demais encargos do processo (artigo 514.º, n.º1 do C.P.P.);
5.3. julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pelo Ministério Público, em representação do Estado e, por conseguinte, condenar o arguido/demandado AA no pagamento ao Estado de uma indemnização por danos patrimoniais no montante de €68.760,28 (sessenta e oito mil, setecentos e sessenta euros e vinte e oito cêntimos),, acrescidos dos respetivos juros de mora, calculados à taxa legal de 4% e contados desde a notificação do Arguido/Demandado do pedido de indemnização civil e até efetivo e integral pagamento; e
5.4. condenar o Demandado no pagamento das custas processuais atinentes ao pedido referido em 5.3..
(…)
Inconformado, recorre o arguido retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. Na sentença proferida em20-6-2023(Ref.104182420) o Tribunal recorrido não deveria ter condenado o arguido, ora recorrente, como autor material de um crime de fraude fiscal qualificado, na pena de um ano de prisão, substituída pela pena de cento e oitenta dias de multa á razão diária de quinze euros;
2. Aliás, o arguido, ora recorrente, não deveria, sequer, ter sido acusado (não devendo ter sido recebida a acusação contra o mesmo deduzida) pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de fraude fiscal qualificado, porque:
3. A Acusação é nula porque:
a) Não narra, nem sequer de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, nomeadamente o lugar, o tempo, a motivação da sua prática e outras circunstâncias relevantes;
b) A acusação é “conclusiva” e não refere os factos concretos integradores da mesma ( e que permitam ao arguido defender-se e tomar posição quanto á mesma e aos factos concretos que lhe são imputados);
c) Nem sequer é feita uma narrativa dos factos na Acusação por remissão para quaisquer documentos juntos aos autos que sejam devidamente contextualizados na acusação e aí localizados, identificados com precisão e se mostrem articulados com o desenvolvimento factual lógico e cronológico e com descrição dos factos, individualizados e a sua quantificação jurídica;
d) Motivo porque não devia a acusação deduzida ter sido aceite, por não ser o julgamento o local indicado para a mesma ser corrigida ou completada
4. A acusação deduzida não satisfaz, assim, as garantias de defesa emergentes do artº 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, o que ora se invoca expressamente, para todos os legais efeitos;
5. O inquérito-crime que deu azo a este processo surgiu no decurso de denuncias feitas pela ex-trabalhadora BB, em Maio de 2018, quer perante a A.T., quer perante o M.P. – DIAP, quer ainda perante o ACT., tendo em consequência, também originado abertura pela A.T., do procedimento de Inspeção Tributária, cuja prova aqui produzida, foi utilizada no âmbito deste processo penal, o que é vedado pela C.R.P., por violação do principio Constitucional consagrado no artº 32º nº1 da C.R.P., como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 298/2019 de 15-5, que ora aqui se invoca expressamente para os legais efeitos.
6. O Tribunal Constitucional considerou, pois, que é inconstitucional a interpretação dos artigos 61º nº1 al, d), 125º e 126º nº2 al. a) do C.P.P. (Relativos á proibição de prova obtida contra a vontade ou sob coação do arguido), segundo a qual a prova obtida ao abrigo do dever de cooperação no âmbito de uma inspeção tributária, sem o prévio conhecimento ou decisão da autoridade judiciária competente, pode ser utilizada no âmbito de processo-crime.
7. A A.T. não concluiu em tempo a Inspeção Tributária, iniciada em meados de 2018, não procedeu a qualquer liquidação, mesmo oficiosa, de IRC. E não reagiu ao encerramento da empresa em 31-12-2019 (nomeadamente para efeitos fiscais de IRC e IVA), tendo ficado a “aguardar” a conclusão deste Inquérito-crime para nele “beneficiar” da prova obtida em sede de inspeção tributária para efeitos criminais;
8. Do descrito na conclusão anterior decorreu o impedimento para a empresa em causa de reagir, atempadamente, contra a A.T., perante o TAF de Leiria (Tribunal Fiscal competente) quanto á existência das alegadas divida(s) de IRC., dos anos indicados na acusação.
9. A quantificação da obrigação tributária deve ser norteada pelos princípios fundamentais do Direito Fiscal, de modo a ser realizada uma tributação de acordo com a efetiva capacidade contributiva do sujeito Passivo;
10. O Principio (Fiscal e Constitucional) da “tributação do lucro real” impõe deveres á A.T., designadamente a realização de ação inspetiva para aferição de todos os elementos que o contribuinte apresente em sua defesa, para prova da veracidade dos factos e declarações que apresenta. Inexistindo tal procedimento da A.T. pode ocorrer erro ou excesso de quantificação de rendimentos;
11. Á A.T. cabe observar as realidades tributárias e a verificação do cumprimento das obrigações tributárias, junto dos contribuintes, prevenindo infrações tributárias e, este ónus recai sobre a A.T., atento o princípio da tributação do rendimento real (artº 102º nº2 da C.R.P.);
12. A “liquidação” do(s) Imposto(s) indicada na acusação deduzida e, na sentença proferida padece de vicio(s) de violação de lei, por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito, erro e excesso de quantificação, o que é - se fosse, como devia, aplicado as normas legais do Direito Fiscal - cominado com anulabilidade, porque, para mais foi, “liquidada” de forma obscura, insuficiente e de forma que, fiscalmente, não se pode, sequer, considerar, como fundamentada.
13. As provas que constam dos autos e as produzidas em julgamento foram incorreta e erroneamente julgadas e as concretas provas em causa impõem decisão diversa da recorrida;
14. Em sede de audiência de julgamento (13-4-2023) o arguido, ora recorrente, juntou aos autos documentos que o Tribunal recorrido indevidamente, não valorou, a saber:
a) A conferência do total dos valores faturados depositados na conta ENI (empresário em nome individual) reconciliada e na conta particular ...98, anos 2015, 2016 e 2017;
b) Cópias de extrato da conta bancária nº ...98 de 31-12-2017, bem como da fatura nº ...33 de 30-10-2015 do valor de € 1.070,00, em nome de CC (...), donde se alcança a entrada, a crédito , de € 1.500,00 em 6-11-2015 e € 1.750,00 em 1-12-2015 e a saída a débito, a titulo de devolução da quantia de € 1.500,00 em 9-12-2015;
c) Cópias de documentos comprovativos de pagamentos ao arguido, em prestações, de Jazigos;
15. A 1ª testemunha de acusação, Sr. Inspetor Tributário DD, só se referiu, em concreto, aos dois clientes do arguido indicados na Acusação e, tão só, de forma lacónica confirmou, genericamente, o seu relatório de fls. 234 a 255 dos autos, com a referência de : “ indícios que levam a crer fuga ao fisco … “ sendo que confirmou não ter realizado reconciliação na atividade ENI do arguido;
16. Os elementos probatórios constantes dos autos, por si só e conjugados com as regras da experiência comum, indicam a existência de erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal recorrido;
17. O Tribunal recorrido errou, pois, ao dar co mo provados factos (e parte de factos) descontextualizados de toda a dinâmica empresarial, na sentença recorrida, que não apreciou e valorou, como devia toda a prova existente segundo as regras de experiencia comum, daí ter errado, claramente, na apreciação de prova;
18. A livre apreciação de prova, não é o livre arbítrio, daí que a fundamentação insuficiente sem devida e concretamente sopesados e tidos em consideração todos os factos, consubstanciam uma insuficiente fundamentação e torna nula decisão e, no caso de assim se não entender sempre, então, estaríamos perante uma prova incerta ou factos incertos, o que deve favorecer o arguido, ora recorrente, por aplicação do principio “in dubio pro reo”;
19. Á luz do principio de investigação, todos os processos relevantes para a decisão que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser atribuídos “á dúvida razoável” do Tribunal, também não possam considerar-se “Provados” como erroneamente fez o Tribunal recorrido;
20. O crime de fraude fiscal consuma-se quando o agente, com intenção de lesar patrimonialmente o FISCO, atenta contra a verdade e a transparência exigidos na relação Fisco – contribuinte, através de qualquer das modalidades de falsificação prevista na respetiva norma legal. Contudo, como resulta das anteriores conclusões, o arguido, ora recorrente, não praticou, como autor material, um crime de fraude fiscal qualificado;
21. E, muito menos o arguido, ora recorrente, causou prejuízo patrimonial ao Estado (AT / FISCO), em IRC em falta, dos anos de 2015, 2016 e 2017, no valor global de € 68.760,28.
22. À A.T. cabe observar as realidades tributárias e a verificação do cumprimento das obrigações tributárias, junto dos...
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