Acórdão nº 1522/21.5YLPRT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-13

Ano2022
Número Acordão1522/21.5YLPRT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [ …., Unipessoal, Lda, ]intentou, em 25.11.2021, junto do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), procedimento especial de despejo contra B [ …. Portuguesa, Lda ] , com vista ao despejo do r/c do prédio sito na Rua …, nº 170/172, em Lisboa, com fundamento na cessação do contrato, celebrado em 2011, por oposição à renovação pelo senhorio.
A Ré deduziu oposição, invocando, em síntese, que entre a anterior proprietária do imóvel, a Companhia de Seguros Fidelidade-Mundial, S.A., e a Ré, foi celebrado um contrato promessa de arrendamento não habitacional respeitante ao dito espaço, tendo em conta que a Ré já explorava um estabelecimento comercial no nº 176 do mesmo edifício desde 1962, pelo que as partes pretendiam juntar ambos os espaços com vista à existência de uma única loja, como veio a suceder, ficando a Ré na expectativa da celebração do contrato prometido, conforme estipulado. Conclui que estando em causa um contrato promessa de arrendamento e não um contrato de arrendamento, o procedimento especial de despejo, que pressupõe este último, deve ser considerado inepto, por haver contradição entre o pedido e a causa de pedir. Mais reclama, em reconvenção, a quantia de € 12.105,99, respeitante a uma renda paga em duplicado e ao valor de reparações, necessárias e urgentes, realizadas pela Ré no espaço em apreço, sustentando ainda que a inadmissibilidade da reconvenção configuraria violação do disposto no art. 18, nº 2, da C.R.P..
Remetidos os autos à distribuição foi, em 21.2.2022, proferido despacho que concluiu: “(…) não admito a reconvenção e, consequentemente, absolvo o Autor da instância reconvencional.”
Mais se determinou a notificação da A. para se pronunciar sobre a matéria de exceção arguida, ao que esta correspondeu, concluindo pela respetiva improcedência.
Entendendo-se, por sua vez, que o estado dos autos já o permitia, sem necessidade de mais provas e, depois de ouvidas as partes, proferiu-se sentença, em 18.5.2022, que concluiu nos seguintes termos:“(…) julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência declaro a extinção do contrato de arrendamento, por não renovação do mesmo, e condeno o Opoente/Requerido no despejo do locado, sito na Rua ..., n° 170/172, r/c, em Lisboa.
Fixo o valor da acção em quinze mil Euros, nos termos do disposto nos artigos 298.°, n.° 1 e 306.°, n.° 2, ambos do Código de Processo Civil e 26.° do Decreto-Lei n.° 1/2013, de 7 de Agosto.
Custas a suportar pelo Opoente/Requerido, nos termos do artigo 527.°, n° 1 e 2 do Código de Processo Civil.
(…).”
Desta decisão interpôs recurso a Ré, apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:

1. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida no autos do PED n.° 1522/21.5YLPRT, em 18.05.2022, que julgou procedente a acção, e em consequência, declarou a extinção do contrato de arrendamento, por não renovação do mesmo e condenou o Oponente/Requerido no despejo do locado, sito na Rua ..., n° 170/172, r/c, em Lisboa, mais precisamente por entendermos que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à seleção da matéria de facto e quanto à interpretação e aplicação do Direito;
2. Em concreto, o presente recurso tem, assim, por objeto:
a) Da Sentença e seu conteúdo;
b) A impugnação da matéria de facto, através da reapreciação da prova documental - ineptidão do Requerimento de Despejo; e
c) O erro de julgamento quanto à matéria de direito, mais precisamente no que respeita à interpretação e aplicação, ao caso concreto, do disposto no artigo 1070.°, do Código Civil;
d) O erro de não admissão da reconvenção.
3. Em 13.01.2022, a ora Apelada intentou um Procedimento Especial de Despejo, com vista à resolução do contrato de arrendamento do imóvel identificado e entrega do locado à sua proprietária;
4. A pretendida resolução do contrato de arrendamento teve como fundamento efectivar a cessação do arrendamento, atenta a não entrega do locado na data prevista.
5. Em sede de Oposição ao PED, a ora Apelante invocou uma excepção dilatória por não se estar perante um contrato de arrendamento, que a aqui Apelada fosse condenada a cumprir o contrato promessa e firmar o contrato prometido e ainda condenar a requerente no pagamento das Benfeitorias e rendas pagas em duplicado que nunca foram devolvidas à ora Apelante.
6. O Douto Tribunal a quo considerou que o contrato promessa era um contrato de arrendamento e considerou a acção procedente por provada e declarou a extinção do contrato arrendamento, por não renovação do mesmo, tendo sido o ora Apelante condenada no despejo do locado sito na Rua ... 170/172.
7. Nos termos do art° 607° do Código do Processo Civil, o juiz na sentença deve declarar quais os factos provados e não provados, o que nesta sentença não aconteceu
8. A sentença, no que concerne à matéria de facto provada, deve evidenciar, de forma imediata, coerente e lógica, a realidade sob apreciação, o que de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem sequer internamente se mostram ordenados.
9. Tal como acontece com um puzzle, em que o encaixe das peças se revela imprescindível à representação da imagem, também a realidade que o Tribunal considera apurada apenas ganha sentido com a ordenação dos diversos segmentos da matéria de facto.
10. O que não ocorre na douta sentença do Tribunal a quo, pelo que deve a mesma ser corrigida nesse sentido.
11. Nos termos do art° 15° da NRAU, no PED, em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.° 1 do artigo 1097.° ou no n.° 1 do artigo 1098.° do Código Civil.
12. Nos documentos dos autos o que se encontra não é um Contrato de arrendamento mas sim um contrato-promessa de arrendamento.
13. O Contrato Promessa de Arrendamento não é o contrato de arrendamento em si (este último tem de ser celebrado na mesma).
14. trata-se de uma promessa, de ambas as partes, de que o negócio vai avançar, impedindo o proprietário de arrendar a casa a outro inquilino sob pena de incumprimento deste contrato.
15. Celebram-se contratos deste género quando o imóvel para arrendar não possui ainda condições de ser habitado/ utilizado, como foi o caso.
16. Um contrato promessa que, por ser um contrato promessa não contém os elementos necessários e que constam no art° 1070° do Código Civil, nem os obrigatórios de um qualquer contrato prometido.
17. Existe um conjunto de informações essenciais que devem constar do Contrato Promessa de Arrendamento.
18. Desde logo, é imprescindível a identificação das partes (proprietário, quem o representa e futuro inquilino, quem o representa), bem como a localização exata do imóvel (legalmente designada por "locado”).
19. Desconhece-se quem assina pela proprietária, não se encontra identificado, nem se tem poderes para o acto.
20. Como podemos aceitar que se credibilize tal documento desconhecendo quem o assina?
21. As sociedades comerciais podem ser representadas não apenas pelos órgãos de representação mas também por procuradores ou mandatários nomeados (artigos 252 n.° 6 e 391.° n.° 7 do CSC, respetivamente), no entanto, como nem sequer sabemos quem assina em representação, também não sabemos se tinha poderes para o acto.
22. Tratando-se de um contrato promessa, essa situação ficaria colmatada com a assinatura do contrato prometido com alguém com poderes para o acto, onde constaria, nos termos do art° 409° do CSC a indicação da qualidade de quem assinasse para vincular a sociedade, o que nunca ocorreu, apesar da insistência da Apelante.
23. Para além da falta de poderes, não sendo um contrato de arrendamento e que não contém os elementos essenciais a um contrato de arrendamento nem os obrigatórios de qualquer tipo de contrato, como podia ser aceite para um procedimento especial de Despejo?
24. Nos termos do art. 607°, n° 5 é vedado ao juiz declarar provados ( apesar de não os ter declarado) determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.
25. “I - A resolução do arrendamento não pode ser pedida em acção com base em contrato-promessa de arrendamento, visto que não se pode peticionar a resolução de um contrato que, ainda, não foi celebrado”, Acórdão n° 9440731 do TRPorto, 22 de Maio de 1995
26. "A acção de despejo só pode ser utilizada quando se pretende a resolução de um contrato de arrendamento válido e não a resolução de um outro contrato, designadamente, de um contrato-promessa de arrendamento’’, Acórdão n° 0077446 de Supremo Tribunal Administrativo, 24 de Novembro de 1994
27. Não estando perante um contrato de arrendamento, não podemos deixar de invocar a ineptidão do Requerimento Especial de Despejo, que, ao contrário de uma acção comum de despejo, obriga à existência de um contrato de arrendamento
28. A ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
29. Refere o n° 1 do art° 1070° do Código Civil que "1. O arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível"
30. Mesmo que, se considerasse a eventualidade de o contrato-promessa de arrendamento ter o valor de contrato prometido, “1 - É nulo o contrato de arrendamento cujo local arrendado (para fins não habitacionais) não disponha de licença de utilização (cfr. art. 1070°/1 e 294.° do C. Civil e 5°/1 e 8 do DL 160/2006, de 8 de Agosto).
2 - Nulidade que é típica, determinando o seu conhecimento oficioso pelo tribunal", In www.dgsi.pt, Acordão do TRCoimbra, n° processo
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT