Acórdão nº 14995/20.4T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Número Acordão14995/20.4T8LSB.L1-2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A A., CAIXA DE PREVIDÊNCIA DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, intentou ação despejo contra a R., MS, pedindo que:
- Seja declarado caducado o contrato de arrendamento relativo ao 4.º andar esquerdo do prédio sito em Lisboa, na Rua … …/… e R. …, …/…, inscrito na matriz urbana sob o artigo … da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa;
- A R. seja condenada a despejar o local arrendado, entregando-o à A. completamente livre e devoluto de pessoas e bens e no estado de conservação em que encontrava à data do arrendamento;
c) A Ré seja condenada no pagamento da quantia de € 1.466,72, mensais, desde a data da sua constituição em mora na entrega do imóvel (11.12.2019) até ao momento efetivo da mesma, a título de indemnização.
Como fundamento do seu pedido, a A. alegou, em suma, que é dona do referido andar e em 31.10.2005 deu o mesmo de arrendamento, para habitação, a MS, a qual faleceu em 11.06.2019.
Referiu também que em virtude daquele óbito ocorreu a caducidade do arrendamento, não tendo este se transmitido à R., filha da falecida MS, a qual, por isso, está em mora desde 11.12.2019 quanto à restituição do locado à R., sendo que àquela data a respetiva renda mensal cifrava-se em €733,36.
A R. contestou e reconveio.
Alegou que o locado destinava-se a habitação de MS e do respetivo agregado familiar, no qual se incluía a ora R. e seus filhos, sendo que a A. é, conforme os seus estatutos, para professores e seus familiares.
Referiu também que aquando da assinatura do contrato de arrendamento tiveram de ser realizadas obras pela arrendatária, pois o locado não reunia condições mínimas de habitabilidade, tendo tais obras importado na quantia de €12.000,00, montante este que corresponde ora, por virtude da desvalorização da moeda, à quantia de €14.400,00.
Alegou ainda que tais obras foram realizadas no pressuposto de que seria transmitido à R. o arrendamento por óbito da sua Senhora mãe.
Nestes termos, a R. concluiu pedindo que (i) a ação seja julgada improcedente por não provada e a R. absolvida do pedido, (ii) seja reconhecido à R. o direito à transmissão do Arrendamento da apontada fração e (ii) seja julgado procedente por provado, o pedido reconvencional e a Reconvinda condenada a pagar à Reconvinte a título de benfeitorias, que fez por sua conta no imóvel locado, a quantia de € 14.400,00.
A A. replicou, alegando, em síntese, que o arrendamento em causa foi celebrado ao abrigo do Regime do Arrendamento Urbano, à data o Decreto-Lei n.º 321-B/90, e que nada mais foi contratualizado, prometido ou assegurado à mãe da R., muito menos a troco de quaisquer obras no andar, o qual se encontrava à data do arrendamento em condições de habitabilidade.
Referiu também que a A. autorizou a realização de obras de pintura e remodelação da casa de banho, consignando que as mesmas não conferiam direito a indemnização ou retenção em caso de cessação do arrendamento.
A A. concluiu pela improcedência da reconvenção e como na petição inicial.
As partes juntaram diversos documentos e arrolaram prova pessoal.
Em 10.10.2022, o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu despacho com o seguinte teor:
«Compulsados os autos verifica-se que a Autora pretende a restituição do imóvel melhor identificado nos autos, invocando como causa de pedir a caducidade do contrato de arrendamento, por morte do arrendatário, pelo que deverá ser através da ação de reivindicação que a Autora, na qualidade de proprietária do imóvel, poderá exigir de terceiro a restituição do mesmo (neste sentido, a título exemplificativo, ver acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 19.11.2015, Processo: 745/14.8TVLSB.L1-2).
Assim sendo, antes de mais, determino a notificação da Autora para, no prazo de dez dias, se pronunciar quanto à existência de erro na forma do processo (artigo 193º do Código de Processo Civil) e juntar caderneta predial urbana do imóvel (donde conste avaliação patrimonial atualizada) a fim de se corrigir o valor atribuído à ação».
A A. juntou caderneta predial e alegou ser o processo o próprio.
Em 08.04.2022, o Juízo Local Cível de Lisboa proferiu decisão com o seguinte teor, na parte que aqui releva:
«(…)
Apelida o Autor esta ação de ação de despejo.
(…)
Sucede que a questão dos autos não é enquadrável no âmbito da ação de despejo, antes sendo adequada, no caso vertente, a ação de reivindicação.
(…)
Está-se, assim, perante um erro na forma do processo, nulidade principal de conhecimento oficioso - cfr. arts. 193º, 196º e 200º, todos do Código de Processo Civil.
Em consonância com tal, determina-se que os presentes autos sigam, doravante, como ação de reivindicação, mantendo-se o processado já ocorrido, visto que do mesmo não resulta diminuição das garantias da Ré.
(…)
*
Em face do supra determinado, verifica-se que é aplicável à fixação do valor da causa o prevenido no artigo 302º, nº 1 do Código de Processo Civil que prevê que “Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.”.
No caso em apreço, estando peticionada a entrega da fração identificada no artigo 1º da petição inicial e, resultando da caderneta predial junta pelo Autor no requerimento que antecede, que o seu valor patrimonial ascende a €123.068,75 deve ser este o valor da causa correspondente ao pedido formulado na petição inicial, em obediência ao preceito citado.
Pelo que, face ao exposto, decido fixar o valor da presente ação em €123.068,75, sendo competente para a tramitação deste processo o 1º Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – cfr. artigo 117º, nº 1, al. a) da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, determinando-se, em consequência, após trânsito em julgado, a remessa dos autos àquele.
(…)».
Remetidos os autos ao Juízo Central Cível de Lisboa, procedeu-se a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se consideraram «as partes (…) legítimas», identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
O Juízo Central Cível de Lisboa proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
«julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) declaro caducado o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e MS relativo à fracção autónoma correspondente ao 4.º andar esquerdo do prédio urbano sito nos n.ºs … a … da Rua … e n.ºs … a … da Rua …, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Sebastião da Pedreira, actualmente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Avenidas Novas sob o artigo matricial …;
b) condeno a Ré a entregar o imóvel à Autora, livre de pessoas e bens;
c) condeno a Ré a pagar à Autora a quantia mensal correspondente ao valor da renda enquanto vigorou o contrato de arrendamento celebrado com MS, desde a data da constituição em mora da obrigação de entrega do imóvel (11.12.2019) até tal efectiva entrega.
Julga-se a reconvenção totalmente improcedente, por não provada».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a R., a qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. Entende a Recorrente que o Tribunal "a Quo" julgou erradamente a matéria de facto e fez errada aplicação do direito, por isso não pode concordar com a sentença em apreço, nem com a fundamentação nela invocada.
2. Pela prova produzida em audiência, impunha-se, ao invés do decidido, a absolvição da recorrente.
3. Desde logo, deve ser reapreciado e alterado o julgamento de parte da matéria de facto realizado na 1 ª Instância, designadamente quantos aos factos provados n.ºs 5 e 8 e aos n.ºs A a D quanto à matéria de facto não provada.
4. Assim, deve ser acrescentado ao facto provado 5 que "Em 22.12.2005, MS requereu à Autora autorização para pintar as paredes, as portas e as janelas do referido imóvel e para remodelar alguns azulejos e loiças da casa banho”, tendo ainda em outras em diversas outras ocasiões, solicitado, por telefone a realização de outras obras.
5. A recorrente aludiu a esta matéria, esclarecendo que que foram pedidas outras obras, em diversas outras ocasiões, pela sua mãe, por telefone à Autora. (Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 17:26 e fim a 17:30 e com início em 18:22 e fim em 18:32.).
6. No que toca ao facto provado constante do n.º 8 resultante de erro de apreciação da prova testemunhal, deve ser acrescentado: "Desde 2006 até ao momento presente, a Ré tem vindo, enquanto filha da arrendatária, a residir, em economia comum, com a arrendatária, no imóvel acima mencionado com o respectivo agregado familiar".
7. Ouvido o suporte áudio e no tocante às declarações da própria Recorrente e ao depoimento da testemunha ML conclui-se que a Recorrente, e bem assim as suas filhas, desde 2006 até ao momento do falecimento da arrendatária, sempre viveram em economia comum com esta - (Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 17:26 e fim a 17:30 e com início em 18:22 e fim em 18:32.) e Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início em 06:49 e fim a 08:21.).
8. No que toca aos factos não provados constantes no n.º A) resultante de erro de apreciação da prova testemunhal, o mesmo deveria ter sido dado como provado, impondo-se assim a alteração desse facto não provado para a matéria de facto provada.
9. Ouvido o suporte áudio e no tocante às declarações da Recorrente MS e bem assim, da testemunha depoimento da testemunha ML, ao contrário do decidido, conclui-se que existia um compromisso verbal entre a Autora e a mãe da Recorrente que criou na ora Recorrente a convicção de que o arrendamento lhe seria transmitido após a morte de sua mãe. - Conforme resulta da Acta de sessão de Audiência de Julgamento, sistema áudio com início
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