Acórdão nº 1492/11.8BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 18-05-2023

Data de Julgamento18 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão1492/11.8BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem I......, apresentar recurso jurisdicional da sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e em consequência absolveu a Fazenda Pública do pedido, mantendo as liquidações de IRS do ano de 2008 e 2009 nos montantes de € 19.982,05 e € 19.166,91 respectivamente.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“40. Impugna a ora recorrente toda a factualidade dada como provada, considerada pela douta sentença com interesse para a apreciação da excepção suscitada, exceptuando a evidenciada nas alíneas de O) a S), na medida em que em momento algum teve conhecimento dos elementos ali indicados, estando por isso impedida de se pronunciar sobre tal documentação, designadamente quanto ao facto de poder ilidir a presunção do registo.

41. Os documentos referidos não integram a contestação da Fazenda Pública notificada efectuada pelo Tribunal à recorrente e tão pouco lhe foram notificados por alguma outra forma.

42. A simples referência ao registo postal e data, presumindo-se o contribuinte notificado, não pode ser suficiente para considerar a recorrente notificada, desde logo porque não conhecendo os documentos estava impedida de ilidir qualquer presunção do registo, a que acresce a falta de similitude entre o n.° …e … da mesma rua.

43. Refere a Fazenda Pública, corroborando a douta sentença a mesma tese, ter a AT, notificado a recorrente para apresentar a declaração de IRS em falta e por força dessa notificação, a presente situação ficaria enquadrada no artigo 60° n° 2 alínea b) da LGT.

44. Tal notificação reitera, nunca foi por si recebida.

45. Impunha-se que a AT indicasse o registo postal de cada uma das alegadas notificações, demonstrando a conexão do registo postal com a notificação que a afirma ter realizado.

46. Devendo indicar ainda a identificação de quem recepcionou o registo postal face à comprovada diferença de números de endereço - Lote …. e n°…..

47. Essa prova não foi em momento algum apresentada, ensaiando a Fazenda Pública demonstrar, sem qualquer outro elemento, que a correspondência enviada para qualquer desses endereços foi recebida pela ora recorrente.

48. Ainda que assim fosse, conhecendo a realidade dos correios e alteração e substituição frequente de distribuidores de correspondência, para a mesma zona de distribuição postal, não fica provada nem poderia ficar, a recepção, da notificação da AT para apresentação de declaração de rendimentos.

49. Ora, se de tal facto o tribunal não obteve prova, não é correcto o enquadramento legal realizado no artigo 60° n° 2 alínea b) da LGT.

50. Não se mostrando feita a prova necessária, há, incontornavelmente, falta de audição prévia relativamente à liquidação oficiosa de IRS de 2008 e 2009.

51. Com a agravante, de que essa falta de audição prévia importa de sobremaneira na diminuição da defesa da recorrente.

52. Assim acontece, naturalmente, na medida em que fica impedida de apresentar os rendimentos efectivamente obtidos nos exercícios de 2008 e 2009.

53. E que, definitivamente, não apresentam qualquer correspondência com os valores desajustados da realidade, obtidos pela AT na liquidação oficiosa que leva a efeito para os dois exercícios.

54. A terem alguma vez correspondência com os efectivamente obtidos, mal se compreenderia que tivesse a recorrente cessado a actividade no decorrer do exercício de 2009, conforme resulta dos dados constantes dos arquivos da AT

55. Naturalmente que continuaria a actividade em 2009 ao invés de a cessar.

56. Reitera a ora recorrente, não é suficiente a indicação de números de registo e datas, que segundo a douta sentença, resultam indicadas em registos colectivos, que só demonstram isso mesmo, mas de forma alguma o recebimento de tais notificações pela recorrente.

57. Sendo certo que tão pouco alguma vez pode ilidir qualquer presunção, por não dispor de elementos para o efeito.

58. A apresentação do expediente administrativo e postal, devidamente relacionado - manifestação do princípio da transparência do procedimento - por forma a que ficasse a recorrente habilitada a exercer convenientemente o seu direito, privilegiando um controle preventivo, por parte do particular, em relação à Administração, torna-se imprescindível.

59. O princípio da audiência prévia, constitui a concretização do princípio da participação procedimental consagrado no n.° 5 do artigo 267° da CRP e tem de prevalecer sobre todas as normas contidas em leis especiais, ainda que não se mostre garantido em igual extensão à consignada no CPA.

60. Como bem referem Diogo Leite de Campos/Benjamim da Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa LGT comentada e anotada 2ª edição 2000 p.255, a omissão de audiência do contribuinte antes da liquidação, constitui preterição de formalidade legal essencial do procedimento de liquidação, que não pode ser justificada, pela previsão de a realização da diligência comprometer a utilidade do acto tributário a praticar.

61. Ademais porque, a ter sido notificada a recorrente, teria todo o interesse em exercer esse direito, justamente porque o tributo apurado em sede de liquidação oficiosa, jamais apresenta correspondência ao efectivamente obtido acrescendo ainda no que se refere ao exercício de 2009, que cessa a actividade no decurso do exercício.

62. Insiste a recorrente quanto à total ausência de fundamentação dos actos de liquidação, desde logo por não terem sido recepcionados.

63. É inquestionável a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto.

64. É face à fundamentação do acto, que pode aferir o contribuinte da legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.

65. Motiva a Fazenda Pública, a legalidade e apresentação de fundamentação nos actos de liquidação de IRS de 2008 e 2009, remetendo o artigo 76° n° 1 do CIRS, sendo que tal nem foi apreciado por verificada a excepção deduzida.

66. A ser admissível, tinha a mesma de ser expressa e contemporânea aos actos de liquidação de IRS de 2008 e 2009.

67. E, do conhecimento que adquiriu à posterior, para além de não ter recebido qualquer das notificações indicadas, não acompanha a decisão de tributação oficiosa fundamentação alguma, o que só se motiva pela possibilidade que tem o Tribunal ad quem, de apreciar ou acrescentar à matéria de facto. 

68. Mais, a liquidação oficiosa é uma forma de liquidação de imposto manifestamente inconstitucional pois assenta em pressupostos abusivos e inúmeras vezes afastados da realidade.

69. Donde, foram violados princípios constitucionais de tributação através de critérios de verdade material além de outros princípios como o da segurança jurídica dos contribuintes

70. Para mais, quando, mesmo que por hipótese se admitisse que foi a notificação da liquidação de IRS dos exercícios em causa recebida pela recorrente, tratando de liquidações oficiosas, não integram as mesmas qualquer elemento que dê conhecimento ao contribuinte quanto à forma de apuramento do tributo.

71. Donde, para além de não poderem produzir as liquidações eficácia na esfera jurídica da recorrente por nunca lhe terem sido notificadas, sempre seriam as mesmas nulas por omissão dos normativos legais em que assentam e logo ineficazes.

72. Devendo por tudo o que se invoca, ser considerada tempestiva a apresentação de impugnação judicial nos termos do que dispõe o n°3 do artigo 102° do CPPT.

Termos em que requer a V. Ex.a sejam as presentes alegações recebidas por estarem em tempo, concedendo-se provimento ao recurso, por provado, decidindo a douta decisão do Tribunal ad quem, pela revogação da decisão proferida em primeira instância, substituindo-a por outra que determine a anulação das liquidações de IRS de 2008 e 2009, na medida em que os elementos apresentados pela Fazenda Pública e que consubstanciam a douta decisão não são suficientes para decidir da forma em que foi decidido, mormente pela falta de similitude entre o n ° …. e … da R. F. em Almeirim.”.

* * *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a apreciação da exceção suscitada, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos os seguintes factos:


A)

Em 22-07-2010 a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu à impugnante, mediante correio registado com o n.º RY…062PT, endereçado para a R. F., lote…., em Almeirim, notificação para proceder à entrega da declaração Mod. 3 de IRS em falta relativa ao ano de 2008. – (cfr. doc. de fls. 48 do processo administrativo apenso).

B)

O registo n.º RY…062PT, referido na alínea anterior, consta nas bases de dados da AT da...

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