Acórdão nº 14913/22.5T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-16

Ano2023
Número Acordão14913/22.5T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I.–Relatório


I.A.–Antecedentes
A apelante intentou contra a apelada a presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais peticionando que seja suspensa, com inversão do contencioso, a deliberação tomada na Assembleia Geral de 23.05.2022 que procedeu à designação dos órgãos sociais da segunda.

Alegou, em síntese, o seguinte:
1.–É detentora de 49,77% do capital social da sociedade requerida desde 30-11-2019, por lhe terem sido vendidas 303637 acções por C.deJ.L. C.;
2.–C.C. faleceu em 21-01-2022 e deixou como herdeiros legitimários O. F. M. E. L. de C.(cônjuge), C.M.M. de C.(filho), C.C. de C.B.(neta) e C.M. de C.(filho) e, como herdeira testamentária da quota disponível, a recorrente:
3.–C. C. o mesmo foi administrador único da sociedade requerida até ao seu falecimento;
4.–Os herdeiros legitimários têm conhecimento da sua qualidade de acionista da sociedade desde, pelo menos, 07.04.2022 por ocasião de uma reunião havida entre todos os herdeiros;
5.–Apenas em 07.06.2022 teve conhecimento da assembleia ocorrida a 23-05-2022 que deliberou sobre a designação de órgãos sociais para o triénio em curso de 2021 a 2024;
6.–Só em 07.06.2022 teve conhecimento da assembleia ocorrida em 23-05-2022 que deliberou sobre a designação de órgãos sociais para o triénio em curso de 2021 a 2024;
7.–Da acta desta assembleia consta falsamente que esteve representada a totalidade do capital social da sociedade, o que não aconteceu porque não esteve presente, não tendo sido convocada, e nem aquele documento lhe foi enviado;
8.–A deliberação tomada é inexistente ou, pelo menos, nula;
9.–Para além de ser assim contrária à lei, essa deliberação é suscetível, pela sua natureza, de causar dano apreciável, tendo sido tomada com o objetivo de obtenção de benefícios ilegítimos em prejuízo da requerida e dos seus acionistas.

A apelante foi posteriormente notificada para alegar factos concretos que permitissem concluir pelo alegado dano apreciável.
Cumprindo com o ordenado, referiu que o dano resultava da natureza da deliberação, a eleição de órgãos sociais e das consequências dos futuros actos dos mesmos.

A apelada deduziu oposição alegando, em síntese, o seguinte:
1)–Inexiste probabilidade séria da existência do direito porquanto: a) o contrato de cessão de ações com base no qual a requerente funda a sua legitimidade é anulável nos termos do art.1687º,n.º1,CCiv. por não ter tido o consentimento do cônjuge do cedente, com quem o falecido C. de J. L. C. era casado em comunhão geral de bens, sendo que a saúde mental da mesma está a ser objecto de avaliação em processo de acompanhamento de maior ; b) à data da outorga do contrato também as faculdades mentais C. de J. L. C. se encontravam degradadas devido a um AVC sofrido em 2014.
2)–A requerente não apresentou qualquer prova da qualidade de accionista, na aludida reunião de 07-04-2022, não tendo apresentado aquele contrato de cessão de ações nem os títulos devidamente endossados;
3)–Não está demonstrada a declaração prevista no art.102º do Código Valores Mobiliários (CVM), nem a comunicação da transmissão às Finanças prevista no art.138º,n.º1,Código do Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas singulares(CIRS), nem foi referido o modo de pagamento das acções;
4)–A deliberação impugnada não padece de qualquer vício, não se encontrando sequer prevista legalmente a inexistência jurídica assacada à mesma.
5)–Inexistem quaisquer danos apreciáveis resultantes da deliberação, pelo contrário, a mesma impôs-se por forma a manter o funcionamento normal do estabelecimento explorado pela sociedade e assegurar no imediato o cumprimento das obrigações com fornecedores, trabalhadores e com o Estado, nomeadamente Segurança Social e Finanças, em causa para além de que, não se verificando os pressupostos que permitem decretar a presente providência cautelar, deve improceder também a inversão de contencioso.

Foi oportunamente proferido saneador-sentença que julgou o procedimento improcedente e indeferiu o pedido de suspensão da deliberação em questão.

I.B.–Conclusões

Recorrente
1.–A Requerida, ora Recorrente, não se conforma com a decisão de 1.a instância, por entender que a mesma enferma de erro de Direito.
2.–Da junção dos documentos e ainda do que foi alegado quer em sede de Requerimento Inicial quer em sede de Oposição e ainda dos factos indiciariamente provados, não poderia concluir- se, per si, pela inexistência da qualidade de sócia da Recorrente.
3.–A Recorrente demonstrou a sua qualidade de acionista e o porquê de entender que o referido contrato de cessão de ações era manifestamente válido, não se verificando qualquer causa que determinasse a anulabilidade e/ou invalidade do contrato oponível a Recorrente.
4.–Da factualidade indiciariamente provada resulta que, a 30-11-2019, C.de J.L.de C. vendeu à requerente M.S.G.dos S. 303.637 ações da sociedade requerida P.M., S.A., representativas de 49,77% do seu capital social, pelo preço de € 300.000,00.
5.–Resultando igualmente da factualidade provada que C.de J.L.de C. era casado com O.F.M.E.L.de C.desde 1964, não tendo esta prestado o seu consentimento àquela venda de ações.
6.–Ainda que não tivesse de facto sido prestado o consentimento da cônjuge, o Tribunal a quo não poderia ter concluído pela sua invalidade desde logo porque apesar do artigo 8º do Código das Sociedades Comerciais não lograr aplicação direta ao caso dos presentes autos, destinando-se o mesmo apenas a regular as relações do cônjuge titular da participação social com a sociedade, sempre terá de ser considerado em complemento do artigo 1678º nº2 do Código Civil, no sentido de que as participações sociais podem tratar-se de bens que são administrados por um só cônjuge e assim passiveis de serem onerados ou alienados sem o consentimento do outro cônjuge – aliás tal como decidido pelo acórdão mencionado pela Recorrente em sede de 1ª instância e que continua a aderir a tal posição.
7.– A norma do artigo 1678º nº2 não obsta a que outra lei regule, pontualmente, de modo diverso a administração e alienação de certos bens do casal, atendendo a situações concretas e em atenção a interesses particulares.
8.–Estando as participações sociais na exclusiva administração do cônjuge sócio, e aplicando-se o artigo 8 nº2 por analogia, tinha o cônjuge sócio legitimidade para alienar as participações sociais por seu ato exclusivo, sem necessidade do consentimento do cônjuge.
9.–A Recorrente, enquanto terceira de boa-fé, desconhecia em absoluto se tal consentimento tinha sido prestado ou não – não tendo a obrigação de conhecer.
10.–A Recorrente apenas tinha conhecimento que o cedente CC, além de ser o acionista maioritário da Requerida, era também o administrador único daquela, pelo que era evidente que ao tempo da alienação das ações, o cedente era o administrador exclusivo das participações sociais que alienou.
11.–Era o cedente que exercia todos os direitos inerentes às ações em apreço e ainda era este que tomava todas as decisões respeitantes à vida corrente da sociedade.
12.–Ainda que se entendesse que a referida cessão de ações estava dependente do consentimento do cônjuge, o que se equaciona à cautela e por mero dever de patrocínio, não podia o Tribunal a quo concluir, per si, que o contrato de ações enfermava de invalidade e que se verificavam fundadas dúvidas quanto ao preenchimento do primeiro dos requisitos atinente à qualidade de sócia da Requerente porquanto dispõe o artigo 1687º nº1 que “Os actos praticados contra o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 1682.º, nos artigos 1682.º-A e 1682.º-B e no n.º 2 do artigo 1683.º são anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento ou dos seus herdeiros, ressalvado o disposto nos n.ºs 3 e 4 deste artigo.”
13.–Em momento algum é alegado ou sequer demonstrado que foi requerida a anulabilidade do referido negócio por quem de direito, sendo certo que quem teria legitimidade para requerer tal anulabilidade sempre seria o cônjuge sobrevivo ou os seus herdeiros em representação desta.
14.–Não poderia o Tribunal a quo substituir-se à posição adotada pelo cônjuge sobrevivo, não tendo o Tribunal legitimidade per si para requerer tal anulação.
15.–Ademais, nos termos do artigo 1687º no 3 do Código Civil “Em caso de alienação ou oneração de móvel não sujeito a registo feita apenas por um dos cônjuges, quando é exigido o consentimento de ambos, a anulabilidade não poderá ser oposta ao adquirente de boa fé.”
16.–No caso dos presentes autos estamos perante uma cessão de ações, logo essas ações como títulos representativos do capital social da Recorrida, são coisas móveis nos termos do disposto nos artigos 204º e 205º nº1 do Código Civil.
17.–A Recorrente desconhecia que o referido consentimento não tinha sido prestado, tendo esta estado de boa-fé na celebração do referido negócio, resultando apenas provado que a Recorrente manifestou a sua vontade negocial nos termos expostos no contrato celebrado entre as partes, não tendo sequer sido demonstrado ou alegado pela aqui Recorrida que a Recorrente não se tratava de uma adquirente de boa-fé aquando da celebração daquele contrato.
18.–Assim, além de não se ter verificado que tenha sido suscitada a anulabilidade do referido contrato por quem de direito e a quem é conferida tal legitimidade – a saber a cônjuge que não prestou o consentimento, ou os seus herdeiros em representação desta - ainda que tal consequência jurídica tivesse sido requerida, o que se equaciona à cautela e sem prescindir, estando a Recorrente de boa-fé na celebração do contrato de cessão de ações, tal anulabilidade nunca lhe poderia ser oponível, resultando assim manifestamente provado o preenchimento do primeiro requisito para o provimento da persente providência, a saber a qualidade de sócia da Recorrente.
19.–O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento,
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