Acórdão nº 1483/22.3T8GRD-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-13

Ano2023
Número Acordão1483/22.3T8GRD-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA)

Adjuntos: Alberto Ruço

Vítor Amaral

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(…)


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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Em 19.10.2022, AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB, CC e DD, pedindo a condenação dos Réus a reconhecer que o conteúdo da Escritura de Compra e Venda melhor referida em 13º da petição inicial (p. i.) (e doc. 3) é intelectualmente falso, ou pelo menos ineficaz quanto ao 1º Réu, na exata medida em que não tendo, este, pago qualquer parte do preço, não adquiriu metade da fração ... do imóvel inscrito sob o art.º ...22 da freguesia ..., e descrito sob o n.º ...15... da freguesia ... (...), devendo o registo e a inscrição na matriz ser cancelados, e o imóvel registado e inscrito nem nome da A. pela totalidade [a)], e, ainda, a reconhecer que a A. é dona e legítima possuidora com exclusão de outrem, dos bens melhor referidos em 11º da p. i. [b)], condenando-se também o 1º Réu a abster-se de praticar quaisquer atos que diminuam ou frustrem o livre exercício do direito de propriedade da A. sobre os indicados bens imóveis e móveis [c)].

Alegou, nomeadamente:

- É titular da conta bancária aludida no art.º 1º da p. i. e a sua mãe aprovisionou-lhe tal conta, em 2019, com a quantia de € 102 000;

- O 1º Réu, então, namorado da A., nas circunstâncias referidas nos art.ºs 5º e seguintes da p. i., “demoveu-a a investir o dinheiro que lhe havia sido doado pela mãe, na compra de uma fração autónoma destinada a habitação”, negócio melhor identificado nos art.ºs 11º a 17º da p. i., sendo que a A. “pagou sozinha e a expensas exclusivamente suas, o valor do imóvel e dos bens móveis que o integravam”;

- As declarações insertas na Escritura Pública (de 17.12.2020) transcritas no art.º 17º da p. i., mormente nos segmentos “vendem aos segundo ... outorgantes” e demais excertos envolvendo o mesmo outorgante/1º Réu “são intelectualmente falsas”;

- Apenas a A. adquiriu os mencionados bens e está na sua posse como se indica nos art.ºs 28º e seguintes da p. i.;

- “Deve o instrumento público que pela presente via se põe em crise ser declarado nulo, ou pelo menos ineficaz quanto ao 1º Réu, e bem assim, decretar-se o cancelamento do registo e inscrição matricial efetuados a seu favor.”

O 1º Réu contestou a ação, impugnando diversos factos e aduzindo, designadamente, que “não foi somente a A. a pagar” e que “a fração foi adquirida pela A. e Réu de forma livre, informada, por meio de contrato substancial e formalmente válido”; “foi sempre pagando várias contas (despesas) conjuntas do casal, e o Réu provisionou na conta da A. valores monetários substanciais, para que esta pudesse também ir fazendo face às despesas do dia a dia”; nos pontos 27 e 28 da contestação, alegou: “Por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que neste caso não se pode concluir por qualquer nulidade (que igualmente não foi concretizada em factos na Petição Inicial), e igualmente não se poderia já alegar qualquer anulabilidade da escritura pública, dado que esse eventual (e não alegado) direito já teria caducado”; “É que o prazo geral de caducidade de um ano para a arguição da anulabilidade, previsto no art.º 287º n.º 1 do C. Civil, já se esgotou, estando já extinto esse eventual direito, pelo seu não exercício durante esse determinado período de tempo (prazo que encontra o seu fundamento em razões de segurança e certeza jurídica), sendo que o presente contrato de compra e venda está totalmente cumprido, dado que o preço foi pago e o imóvel foi entregue, atento o disposto no art.º 879º do C. Civil.”

Concluiu pela improcedência da ação.

Em audiência prévia foi tentada a conciliação das partes, que se revelou inviável; a A. desistiu do pedido em relação aos 2º e 3º Réus[1] e, no “exercício do direito de resposta relativamente à exceção[2], disse:
A Autora vem invocar através dos presentes autos um vício grave que, no modesto entendimento, torna nulo o negócio no que respeita à aquisição da propriedade da Autora, relativamente à metade do imóvel em causa nos autos. No seu entendimento, constata-se que essa falsidade, embora parcial do título, deve ser tida e considerada à luz do que dispõe o artigo 372º do Código Civil e os artigos 286º e 289º do mesmo Código, pelo que, segundo este entendimento, este negócio seria nulo quanto ao 1º Réu. De todo modo, ainda que assim não fosse entendido, certo é que a Autora veio a constatar relativamente à propriedade do imóvel quando foi abordada pela mãe cerca do mês de março de 2022 e quando iniciou de facto as diligências para propor a ação.” (sic)
Na mesma audiência, o 1º Réu respondeu do seguinte modo:

Reitera-se o alegado na contestação nos artigos 27º e 28º da mesma, sendo que se conclui pelo seguinte: neste caso não se pode concluir qualquer dúvida, sendo que não foi concretizado na Petição Inicial qualquer facto atinente a confirmar essa eventual nulidade, que também foi peticionada. Igualmente não se poderá alegar qualquer vínculo da anulabilidade da escritura pública, dado que essa eventual anulabilidade já havia caducado há bastante tempo.” (sic)

Após, o Mm. º Juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

Não se admite por extemporâneo a invocação de novos factos, além daqueles que já constam da Petição Inicial e relega-se para final o conhecimento da exceção invocada, dado haver ainda prova a produzir sobre o alegado pelas partes.”

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:[3] 1ª - Em sede de Audiência Prévia a A. respondeu à exceção perentória de caducidade ou prescrição alegada pelo 1º Réu nos pontos 27º e 28º da sua contestação e último articulado processualmente permitido, através de requerimento oral, ditado para a Ata nos seguintes termos:

«A Autora vem invocar através dos presentes autos um vício grave que, no nosso modesto entendimento, torna nulo o negócio no que respeita à aquisição da propriedade da Autora, relativamente à metade do imóvel em causa nos autos. No seu entendimento, constata-se que essa falsidade, embora parcial do título, deve ser tida e considerada à luz do que dispõe o artigo 372º do CC e os artigos 286º e 289º do mesmo Código, pelo que, segundo este entendimento, este negócio seria nulo quanto ao 1º Réu. De todo o modo, ainda que assim não fosse entendido, certo é que a Autora veio a constatar, relativamente à propriedade do imóvel, quando foi abordada pela mãe, cerca do mês de março de 2022, quando iniciou, de facto, as diligências para propor a ação

2ª - Sobre o requerimento da A. de resposta às exceções atrás transcrito, recaiu o seguinte despacho:

«Não se admite por extemporâneo a invocação de novos factos, além daqueles que já constam da Petição Inicial e relega-se para final o conhecimento da exceção invocada, dado haver ainda prova a produzir sobre o alegado pelas partes.»

3ª - O despacho atrás transcrito enferma de falta de fundamentação de facto e de direito, porquanto não discrimina os factos em que estriba a decisão, e por não indicar, interpretar e aplicar as respetivas normas jurídicas, o que viola, de entre outros, os art.ºs 607º, n.º 3, 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil (CPC). 4ª - Além do mais, o requerimento de resposta da A. às exceções do 1º Réu, embora tenha alargado o âmbito da discussão fáctica, não contende com o objeto do processo, mantendo-se este com a configuração que lhe foi dada na p. i., tanto quanto à causa de pedir, como quanto ao pedido, pelo que deve ser admitido na integra, sob pena de clamorosa injustiça.

5ª - O despacho que pela presente via se põe em crise, viola, de entre outros, os art.ºs 3º, n.º 4 (607º, n.º 3) do CPC, e é prejudicial para a A. nos termos do art.º 574º, n.º 2 do mesmo diploma.

Remata dizendo que deve o despacho “ser revogado”, admitindo-se, “na íntegra, o requerimento da A. de resposta às exceções deduzidas pelo 1º Réu, em sede de Audiência Prévia”.

O 1º Réu não respondeu.

Importa, pois, verificar se assistia à A. o direito de resposta à matéria de exceção e os termos e relevância do seu efetivo exercício.


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II. 1. Para a decisão releva, ainda, a seguinte tramitação e factualidade:

a) No despacho saneador, proferido na audiência prévia, relegou-se “para final o conhecimento da exceção de caducidade suscitada pelo Réu, pois depende de prova a produzir” (sic).

b) Na mesma audiência, facultada às partes a discussão prevista no art.º 591º, n.º 1, alínea c), do CPC - “(...) nomeadamente no que respeita aos respetivos articulados,...

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