Acórdão nº 1475/16.1T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão1475/16.1T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Apelação nº 1475/16.1T8LRA.C1

Tribunal recorrido: Comarca ... - ... - Juízo Comércio - Juiz ...

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito do processo de insolvência referente a AA, residente na Rua ..., ... – cuja insolvência foi declarada por sentença proferida em 24/02/2017 – veio o mesmo requerer, oportunamente, a exoneração do passivo restante.

O Sr. Administrador da insolvência não se opôs ao pedido de exoneração do passivo, propondo o seu deferimento liminar.

O Banco 1..., S.A. e o Banco 2..., S.A. deduziram oposição a tal pedido, sustentando que o mesmo deve ser indeferido por se verificar a situação prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE. Alegam, para tal, que o Insolvente simulou a venda de um imóvel e fez uso de documentos de distrate que sabia serem falsos, agravando, com essa conduta, a sua situação de insolvência.

Os referidos credores vieram ainda alegar, em momento posterior, que, após a resolução em benefício da massa insolvente de um contrato de compra e venda que havia sido celebrado pelo Insolvente e após a recepção da carta de resolução, a sociedade A..., Ld.ª (detida e gerida pelo Insolvente) vendeu o imóvel em causa nesse contrato, à revelia do processo e dos credores da massa insolvente, com o intuito de prejudicar e dificultar o ressarcimento dos créditos.

Na sequência dos demais trâmites legais, veio a ser proferida decisão – em 02/11/2022 – que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento na alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE.

Inconformado com essa decisão, o Insolvente AA veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Entendeu o Tribunal “a quo” que deveria ser indeferido o pedido de exoneração do passivo restante efectuado pelo devedor, porque, entendeu existir culpa grave do recorrente, no agravamento da sua situação de insolvência, por ter vendido um terreno, prometido vender, anos antes da sua declaração de insolvência.

2. Contudo, tal entendimento não tem suporte em factos concretos.

3. A douta sentença é contraditória: conclui que o insolvente não causou prejuízos aos credores com o atraso na apresentação à insolvência, para contraditoriamente concluir afinal que os prejuízos qu causou justificam a não prolação do despacho final e exoneração

4. Não se mostra apurado, pelo contrário, tal como resulta da douta sentença, que o comportamento do Insolvente tenha sido querido violar as imposições que lhe foram cominadas e consequentemente a Lei e de outro lado, que o tenha feito, voluntária e consciente, com a intenção de prejudicar os credores, sendo que esses elementos, um subjectivo (o dolo do devedor) e outro objectivo (o prejuízo relevante para os credores),

5. Não pode ser dado como provada a culpa grave, ou dolo, que necessariamente teria de existir.

6. A noção de dolo, é dada pelo n.º 1 do art. 14.º do Código Penal, segundo o qual, age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar.

7. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, vol. II, pág. 162, pode definir-se o dolo como a vontade consciente de praticar um facto que preenche um tipo de crime, constando a vontade dolosa de dois momentos: a) a representação ou visão antecipada do facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual ou cognoscitivo); e b) a resolução, seguida de um esforço do querer dirigido à realização do facto representado (elemento volitivo).

8. No mesmo sentido aponta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, tomo I, págs. 332 e 333, ao referir que a doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, na sua formulação mais geral, como o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito, sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto.

9. Ora, esse momento volitivo, in casu, não existe!

10. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 238.º do CIRE

Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que profira despacho final de exoneração do passivo restante.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se há (ou não) fundamento para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, o que equivale a saber se há (ou não) elementos suficientes no processo que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência (ou seja, uma insolvência culposa nos termos previstos e regulados no art.º 186.º do citado diploma).


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III.

A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:

1. Por requerimento apresentado em juízo a 18 de Setembro de 2015, AA apresentou-se a PER, o qual foi encerrado por ter sido ultrapassado o prazo para conclusão das negociações.

2. Na sequência do encerramento do PER, pelo devedor foi apresentado plano de pagamentos que não logrou ser homologado.

3. Em consequência, por sentença proferida a 24.02.2017 foi declarada a insolvência de AA e nomeado como Administrador o Sr. Dr. BB.

4. O insolvente requereu, para além do mais, a exoneração do passivo restante ao abrigo do disposto nos artigos 235.º e segs. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

5. O Sr. Administrador da Insolvência pugnou, em sede de relatório, pelo deferimento da exoneração do passivo restante.

6. Da lista definitiva de créditos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência foram reconhecidos créditos no valor global de € 5.946.041,10.

7. Realizada a assembleia de credores de apreciação do relatório foi deliberado o prosseguimento dos autos para liquidação dos bens integrantes da massa insolvente.

8. Por carta registada com AR, datada de 28 de Abril de 2017, o Sr. Administrador da Insolvência procedeu à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda celebrado a 16.12.2016 entre o insolvente e “A..., Lda.”, aquisição...

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