Acórdão nº 1461/20.7T8GRD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão1461/20.7T8GRD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA)
*

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

*

1 – RELATÓRIO

AA, viúva, NIF ..., residente na Travessa ..., ..., ..., ..., ..., por si e na qualidade de herdeira de BB; CC, herdeiro de BB, NIF ... e esposa, DD, NIF ..., residentes na Rua ..., n.º16ª, ..., ..., ..., ...; EE, NIF ... e esposa, FF, NIF ..., residentes na rua ..., ..., ..., ..., ...; GG, NIF ... e esposa, HH, NIF ..., residentes na Rua ..., ..., ...; e II, solteira, maior, NIF..., residente no Largo ..., ..., ..., ..., ..., instauraram

ação declarativa comum contra

JJ, NIF ..., e mulher, KK, NIF ..., residentes na Rua ..., ..., ..., ..., ..., pedindo que fossem condenados:

a) A reconhecer aos AA., o direito de propriedade e o direito de usar as águas do nascente dos quatro poços, e bem assim da presa, para rega, sitas na parcela do prédio denominado ..., ou ..., inscrito sob o art. ...35º à época, da freguesia ..., concelho ..., melhor sinalizadas no Levantamento Topográfico junto como doc. ...;

b) A proceder à limpeza do poço (2) e da presa (5), de modo a tornar livre o acesso às águas da rega por banda dos AA. em prazo não superior a 30 dias; e

c) Nos prejuízos que os RR. causaram aos AA., pelo entupimento do poço sinalizado com o n.o 2 e da presa sinalizada com o n.o 5 do Levantamento Topográfico, de valor a apurar em liquidação de sentença.

Alegam para o efeito, em suma, que LL e MM deixaram vários terrenos como herança, estando esses prédios munidos de quatro poços e uma presa e que, uma vez herdado esses terrenos, os Autores, por si ou seus antecessores, trataram desses prédios, retirando produtos da terra e utilizando a água desses poços e presa, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém. No entanto, no mês de Julho de 2019, os Réus entupiram um desses poços e a presa, impedindo-os de regar os seus prédios, o que lhes causa prejuízos, a liquidar em sede de execução de sentença.

*

Citados para o efeito, vieram os Réus contestar a ação, defendendo-se em primeiro lugar, por exceção dilatória, invocando a ilegitimidade passiva da Ré estar em juízo, na medida em que o prédio aqui em causa é bem próprio do Réu e os mesmos encontram-se casados sob o regime de comunhão de adquiridos. Em segundo lugar, impugnam os factos apresentados pelos Autores, defendendo que na planta apresentada por estes está omissa uma faixa de terreno que também compõe o artigo matricial rústico ...35º (antigo), no qual se localiza um poço. Poço este que foi tapado pelos seus proprietários, há já vários anos. Negando qualquer acordo para a divisão das águas, defendem os Réus que, tratando o seu terreno há mais de 45 anos, nunca nenhum dos Autores utilizou os poços ou a presa aqui em apreço, estando todos os terrenos ao abandono, com mato, ervas, silvas, carvalhos e arbustos, cortados apenas no ano anterior. O único terreno cultivado era a vinha dos Autores AA e CC, que não carece de qualquer rega.

*

Dispensada a realização de audiência prévia, foi fixado o valor da acção em €5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo), proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pelos Réus, indicado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os requerimentos probatórios.

*

Marcada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, a mesma decorreu com respeito pelo legal formalismo.

Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade restritivamente apurada, designadamente ao não ter sido apurado qualquer acordo de partilha (entre os herdeiros) das águas, nem o uso dessas águas pelos AA. nos últimos 20 a 30 anos, não se podia «(…) concluir que os Autores sejam titulares de qualquer direito de propriedade ou de uso das águas captadas nos poços indicados sob os números 1., 2. e 4. ou da presa, existente nos prédios dos Réus», sendo que, «Sem este direito, não existe fundamento para a invocada responsabilidade civil dos Réus, com obrigação de reposição da situação anterior e pagamento de indemnização, pelo que serão os mesmos absolvidos em conformidade», o que se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«VI. DISPOSITIVO

Nestes termos, julga-se a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os Réus, JJ e KK, dos pedidos deduzidos pelos Autores, AA, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II.

*

Custas pelos Autores - artigo 527º, n.º1 e 2, do Código de Processo Civil.

*

Registe e notifique. »

*

Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«I. Percorrendo atentamente os autos, é fácil constatar que o Tribunal fez errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 1390.º, n.º 1 e 3 do C.Civil à matéria de facto dada como provada. Assim,

II. da discussão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:

a) os prédios rústicos, hoje dos AA. e dos RR., outrora, foram um único prédio, propriedade de LL e MM – pontos 1 e 2 da matéria de facto;

b) à morte daqueles, o referido prédio rústico foi dividido pelos herdeiros BB, NN e OO – pontos 3), 6), 7) e 8) da matéria de facto;

c) nesse prédio existiam cinco poços e uma presa, de exploração e retenção de águas de rega – ponto 4) da matéria de facto;

d) A água dos poços e da presa, destinava-se à rega das culturas que os Falecidos LL e MM faziam no dito prédio – ponto 5) da matéria de facto dada como provada;

e) Aquando da partilha dos prédios nada foi declarado em contrário à destinação – pontos 4) a 8) da matéria de facto dada como provada e ponto C) da matéria de facto dada como não provada;

f) o n.º 3 do citado art.º 1390.º dispensa a existência de sinais reveladores da destinação, caso não haja intervenção de terceiro, na figura da destinação do pai de família como forma de aquisição de águas. (sendo certo que, ainda que, por mera hipótese académica, fosse necessária a existência dos aludidos sinais visíveis e aparentes, sempre se dirá que os mesmos resultaram provados, conforme melhor referido infra na Conclusão VI);

g) provou-se que os inditosos LL e MM, então proprietários do prédio rústico onde existiam os cinco poços e a presa, embora detendo sobre as referidas águas um direito pleno, envolvendo a possibilidade de delas fazerem qualquer tipo de aproveitamento, apenas as destinavam à rega das culturas que faziam no referido prédio, não retirando das referidas águas quaisquer outras utilidades, utilização essa que era e é também feita pelos AA., comportando-se, por isso, como verdadeiros titulares da propriedade das águas, tal como os seus antecessores. Pelo que, o Tribunal por imperativo legal, tinha que declarar que os AA. adquiriram o direito de propriedade sobre a água dos cinco poços e a da presa em causa nos autos, por destinação de pai de família. Sendo certo que, ainda que, por mera hipótese académica, não resultasse provada a aquisição do direito de propriedade sobre as referidas águas, sempre resultaria provada a existência da respectiva servidão, o que se requer.

Sem prescindirmos do que se disse,

III. e ainda que, por mera hipótese académica, assim não se entendesse, o certo é que atento a prova carreada para os autos, se impunha diversa decisão quanto a alguns pontos da matéria de facto dada como provada e como não provada e, consequentemente, impunha-se ao Tribunal reconhecer aos AA., o direito de propriedade e o direito de usar as águas em causa nos autos, adquirido por sucessão “mortis causa” ou quando assim não se entendesse, por usucapião.

IV. Enferma de falta de fundamentação de facto e de direito, com as legais consequências, o juízo de desvalor que o Tribunal faz dos depoimentos das testemunhas dos AA. (PP, QQ, e RR), na exacta medida em que: os seus depoimentos foram coincidentes entre si, e reveladores de conhecimento directo dos factos em causa nos autos, e os mesmos foram corroborados com o Auto de Inspecção ao local, designadamente com as fotos 1, 2, 3 e 9, que se encontram a instrui-lo, ou seja, a existência de cultura na Parcela E do terreno, a presença dos marmeleiros invocados pela QQ, a existência de parede divisória caída e em alguns pontos coberta de silvas – cfr. transcrição dos extratos dos depoimentos atrás em 54.º a 57.º cujo teor aqui se dá por reproduzido - pelo que, não há, de facto, nada que justifique a desvalorização dos seus depoimentos.

V. O Tribunal não podia dar como provado no ponto 10) da matéria de facto que “10) O Réu (…) tenha deixado, muitos anos antes, de fazer a manutenção à presa”, pois que, dos depoimentos conjugados das testemunhas PP, QQ e RR, transcritos supra nos arts.º 33.º a 36.º cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta que a manutenção da presa, vulgo, “...”, era feita por todos os “herdeiros do ...”. Além de que “muitos” não traduz sequer um número concreto de anos.

VI. O Tribunal tinha que ter dado como provada a matéria de facto dada como não provada na no ponto D).atenta a factualidade que deveria apenas ser dada com provada no ponto 10) da matéria de facto nos termos acabados de referir, conjugada com o teor da matéria de facto dada como provada nos pontos 1) a 8) e 11) e o depoimento das testemunhas PP, QQ e RR, aos minutos dos respectivos depoimentos transcritos supra nos arts.º 38.º, 40.º e 41.º, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

VII. O Tribunal tinha que dar como provada a matéria vertida na al. B) da matéria de facto não provada, atento o teor dos depoimentos das testemunhas PP, QQ e RR, aos minutos dos respectivos depoimentos transcritos supra nos arts.º 46.º a 48.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

VIII. O Tribunal tinha que dar como provada a matéria de facto não provada no ponto E), a qual resulta do teor conjugado da matéria vertida nas als. B) e D) da matéria de facto não provada e que o Tribunal deveria ter dado como provada; da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT