Acórdão nº 1452/21.0T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-20

Ano2023
Número Acordão1452/21.0T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. AA, AA e BB intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra R... – Venda e Reparação de Máquinas Agrícolas, Unipessoal, Lda., e M... - Equipamentos, SA, formulando os seguintes pedidos:

«A) Seja declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o 1º autor e o 1º réu, nos termos do disposto no nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 4º do D.L. n.º 67/2003, de 08.04, na sua redação atual;
B) Seja o 1º réu condenado ao pagamento de quantia não inferior a € 25.000,00 - sem prejuízo da sua ampliação nos termos do artigo 265º do C.P.C. – pela devolução do preço pago pelo 1º autor, por conta da aquisição do trator ..-ZA-.., deduzido do valor correspondente ao uso e desgaste sofrido pelo veículo desde a data da sua aquisição – 12/07/2019 - até à data do incêndio – 12/03/2021;
C) Sejam os 1º e 2º RR. solidariamente condenados ao pagamento de quantia não inferior a € 1.500,00, a título de dano patrimonial suportado pelo 1º autor, para reparação dos danos causados às alfaias agrícolas identificadas em 21º e 22º supra;
D) Sejam os 1º e 2º RR. solidariamente condenados ao pagamento, ao 1º autor, de quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais;
E) Sejam os 1º e 2º RR. solidariamente condenados ao pagamento, ao 2º autor, de quantia não inferior a € 2.500,00, - sem prejuízo da sua ampliação nos termos do artigo 265º do C.P.C. - a título de dano patrimonial para reparação dos danos elencados em 19º e 20º supra;
F) Sejam os 1º e 2º RR. solidariamente condenados ao pagamento, aos 2º 3º AA., de quantia não inferior a € 10.000,00, a título de dano patrimonial suportado por estes, para reparação dos danos identificadas em 49º e 50º supra;
G) Sejam os 1º e 2º RR. solidariamente condenados ao pagamento dos juros de mora à taxa de legal contados desde a data da citação até efectivo pagamento, bem como a condenação em custas e condigna procuradoria.

CASO ASSIM NÃO SEJA ENTENDIDO – o que por mera hipótese de raciocínio se admite – e, SUBSIDIARIAMENTE, pede que:
H) Sejam os 1º e RR. solidariamente condenados a proceder à substituição do trator vendido por outro com idênticas caraterísticas, tudo sem prejuízo do pagamento dos danos reclamados;

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, e SUBSIDIARIAMENTE, pede que:
I) Seja reduzido o preço acordado, tudo sem prejuízo do pagamento dos danos reclamados.»
Para o efeito, alegaram que o 1º Autor adquiriu à 1ª Ré um trator agrícola, o qual, decorridos poucos meses, começou a apresentar defeitos, nomeadamente problemas de caráter elétrico, tendo mesmo acabado por avariar, motivo que o levou a colocar, no dia 09.03.2021, o trator na oficina da 1ª Ré para reparação, ao abrigo do direito de garantia que lhe assistia; a 1ª Ré efetuou a reparação e a revisão, mas no dia 12.03.2021 o trator começou a arder, provocando um incêndio no interior de um anexo da casa de habitação propriedade dos 2º e 3º Autores, da qual é usufrutuário o 1º Autor, incêndio esse que se propagou a tudo à sua volta, designadamente a outro trator e equipamentos agrícolas, provocando danos cujo ressarcimento peticionam.
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Ambas as Rés contestaram, tendo a 1ª Ré invocado a exceção de caducidade e alegado que efetuou a reparação dos travões, que o trator se encontrava munido de um sistema de corta-corrente, o qual impede qualquer incêndio desde que esteja acionado, e que o incêndio resultou de o trator se encontrar guardado junto de um bidão de gasóleo de 1000 litros, sem acondicionamento, de uma caldeira elétrica de 1000 litros e de um sistema de fios elétricos do próprio armazém, soltos e sem acondicionamento. Terminou pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má-fé.
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Os Autores exerceram o contraditório relativamente à matéria de exceção alegada pelas Rés.
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1.2. Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção perentória de caducidade e procedente a exceção de ilegitimidade passiva da 2ª Ré, que foi absolvida da instância. Mais se definiu o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, lavrou-se sentença, a julgar improcedente a ação, absolvendo a Ré R... de todos os pedidos formulados, e condenando os Autores «na qualidade de litigantes de má-fé numa multa de 4UC e em indemnização à parte contrária, a fixar em liquidação de sentença».
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1.3. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1ª) Ao abrigo dos artigos 629º, 631º e 644º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C., vem o presente recurso interposto da douta sentença, que julgou a ação totalmente improcedente;
2ª) Os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto e a decisão de Direito;
3ª) No presente recurso requer-se a reapreciação da prova documental e da prova gravada.
4ª) Os Autores impugnam a decisão de facto proferida sobre os pontos 7, 11, 17, 18, 19 dos factos provados e os pontos 23, 24, 25 e 26 dos factos não provados.
5ª) Da decisão da matéria de facto, a Meritíssima Juiz a quo apreciou erroneamente a matéria de facto constante dos pontos 7, 11, 17, 18, 19, 23, 24, 25 e 26, que devem ser alterados da forma seguinte:
Ponto 7 – Nenhuma prova foi produzida quanto à estipulação de um prazo convencional diferente do estipulado no artigo 5º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 08.04, pelo que deve o mesmo ser considerado provado nos seguintes termos: O equipamento agrícola em causa de marca ..., Modelo ..., foi vendido ao 1º A. pelo 1º R. R... Unipessoal Lda., no estado de novo, com a garantia de bom funcionamento pelo período de dois anos, nos termos legais, atenta à ausência de estipulação, por acordo, de qualquer outro prazo.
Ponto 11– Nenhuma prova inequívoca foi produzida quanto a tal matéria de facto, pelo que este ponto deve ser dado como não provado;
Ponto 17 – Nenhuma prova inequívoca foi produzida quanto a tal matéria, na parte em que refere “impeditivo de deflagração de qualquer incêndio”, pelo que o mesmo deve ser restringido nos seguintes termos: o trator com matrícula »ZA«, referido em 4) estava equipado com um sistema de corta-corrente.
Ponto 18 – Nenhuma prova inequívoca foi produzida quanto a tal matéria de facto, pelo que este ponto deve ser dado como não provado;
Ponto 19 – Nenhuma prova foi produzida quanto à matéria do facto constante deste ponto, pelo que o mesmo deve ser dado como não provado;
Por outro lado, devem ser dados como provados os seguintes factos:
Ponto 23 - Poucos meses após a venda, o trator de matrícula »ZA« começou a apresentar problemas no sistema elétrico.
Ponto 24 - A deslocação à oficina da ré, no dia 09/03/2021, foi efetuada por motivos de avaria no sistema elétrico, para a ré proceder à sua reparação, ao abrigo do direito de garantia que lhe assistia.
Ponto 25 - A Ré aproveitou para fazer uma revisão ao estado geral do veículo, com substituição de peças de desgaste natural.
Ponto 26 - O incêndio referido em 12) teve a sua origem numa avaria da parte elétrica do trator com matrícula »ZA«.

Deve ainda ser aditado à matéria de facto dada como provada, os seguintes pontos:
a) No dia 12/03/2021, o trator com a matrícula ..-ZA-.. começou a arder, provocando um incêndio no interior do anexo, que por sua vez se propagou a tudo à sua volta;
b) No dia do incêndio, o 1º A. interpelou a Ré R... para lhe dar conhecimento do incêndio e denunciar a existência de defeitos no trator com a matrícula ..-ZA-...
6ª) Deve ser proferida decisão que altere a matéria de facto nos termos referidos em 5ª supra, em consonância com a prova pericial, as declarações de parte do Autor CC, das testemunhas indicadas pelo Autor, pelas testemunhas indicadas pelos Réus, e o depoimento de parte da legal representante da Ré, que se encontram gravadas e referidas nas alegações supra;
7ª) Face a análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a experiência comum e as regas do conhecimento empírico, não é verosímil a alegação da Ré, para excluir a obrigação de prestar garantia aos AA., que imputa a origem do incendio à existência de um bidão de gasóleo que nem sequer ardeu!
8ª) A Ré não demonstrou qualquer outra causa de exclusão da garantia.
9ª) Atento o exposto, e a aplicação do Direito aos factos que considerarmos terem resultado provados, deve ser reconhecida a obrigação de garantia da Ré e que a avaria do tractor ZA, que está na origem do incendio, estava coberta pela obrigação de garantia de bom funcionamento prestada pela Ré;
10ª) A sentença recorrida, para além de assentar em factos que não foram provados, fez errada interpretação e aplicação do direito porquanto violou o disposto no artigo 5º, n.º 1 do DL n.º 67/2003, de 08.04, ao considerar que o prazo de garantia de um ano, na ausência de estipulação, por acordo, de qualquer outro prazo, sendo certo que se trata de uma presunção legal juris tantum.
11ª) A sentença recorrida para além de assentar a sua convicção numa presunção, sem qualquer fundamento de facto e de direito, fez errada interpretação e aplicação do direito porquanto violou o disposto no artigo 542º do C.P.C, porquanto é patente que, in casu, os recorrentes não violaram nenhum dos mais elementares deveres de cooperação e de boa-fé que devem pautar a atuação das partes.
12ª) Pelo que, in casu, não se verificam nenhum dos pressupostos da condenação dos apelantes no pagamento de multa e de uma indemnização à recorrida, como litigante de má-fé.
13ª) Muito pelo contrário, à luz dos concretos factos apurados, não é possível formular um juízo de censura sobre o comportamento dos AA. que se revele desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.
14ª) A sentença recorrida violou, para além do mais, o disposto nos artigos e 542º, 607º n. 4 e 5 do Código de Processo Civil, artigos 344º n.º 1,...

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