Acórdão nº 1421/18.8PBAVR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-06-2023

Data de Julgamento14 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1421/18.8PBAVR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1421/18.8PBAVR-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Aveiro - Juiz 1

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Acordam em Conferência na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1 - RELATÓRIO
No Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 1421/18.8PBAVR do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Aveiro - Juiz 1, a Sr.ª Juíza proferiu despacho em que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, aplicada ao arguido AA e determinou o consequente cumprimento efetivo da pena de dois anos e seis meses de prisão que lhe foi aplicada neste processo.
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Não se conformando com esta decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
I. A decisão de suspensão da pena, alicerçada num juízo de prognose favorável do arguido, funda-se na convicção de que o regime de suspensão aplicado será bastante para satisfazer as “...exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico" (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 344).
II. Ora, são todos os factos que resultarem da conduta do arguido no período de suspensão que vão confirmar ou infirmar o juízo de prognose que presidiu à suspensão da pena de prisão.
III. Assim, in casu, dentro do período de suspensão da pena, o arguido mostrou-se pouco receptivo ao regime de prova, por não ter comparecido de forma regular junto da D.G.R.S.P., não demonstrando cabalmente a sua vontade de encontrar emprego.
IV. E, por factos praticados em 20 e 21-08-2021, foi condenado na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e de dois crimes de ameaça agravada, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 130/21.5GDAVR, que correu termos no Juiz 3 do Juízo Central Criminal de Aveiro. Pena essa que o arguido cumpriu, na integra, durante o tempo de suspensão da pena em apreço.
V. Durante o cumprimento da aludida pena de prisão com a duração de 1 ano e 4 meses, o arguido beneficiou de intervenção psiquiátrica, tendo acompanhamento médico regular e tomando medicação para debelar os problemas se saúde que padece – vide douto Acórdão cuja certidão foi junta aos presentes autos, em 05/09/2022
VI. Aquando da prolação da douta decisão, cujo excerto acima se transcreveu, encontrava-se o arguido sujeito a tratamento psiquiátrico, que veio a terminar até ao final do cumprimento daquela pena, sendo que ainda tem consultas regulares e toma diariamente medicação. Facto que não foi relevado pelo tribunal a quo aquando do douto despacho recorrido, e que, salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, tinha que ser obrigatoriamente levado em conta, aquando da avaliação da verificação do juízo de prognose realizado aquando da suspensão da pena.
VII. O tribunal a quo, desconsiderou totalmente o facto de o arguido, entre o início da suspensão da pena e o despacho de revogação da mesma, ter sido objecto de uma ressocialização, que alterou de modo positivo a sua conduta, que mantém, desde o cumprimento de pena e durante o seu período de liberdade (a partir de 22/12/2022), conforme ao direito – vide relatório da DGRSP, que foi junto aos presentes autos em 31/08/2022.
VIII. Afirmando toda a consideração por perspectiva diferente, a escolha das condutas relevantes do arguido para a aferição da manutenção da suspensão da pena de prisão, deve partir da universalidade das condutas praticadas e não só aquelas susceptíveis de revelar a insuficiência da suspensão para realizar as finalidades da punição.
IX. O tribunal a quo não relevou todas as circunstâncias atendíveis à manutenção ou revogação da suspensão da pena de prisão, uma vez que, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, deveria se ter debruçado em pormenor sobre a doença do foro psiquiátrico do arguido e a forma como a mesma tem vindo a ser debelada, pugnando pela junção aos autos dos relatórios médicos em crise. Até porque, como já se aludiu, o arguido tem, de momento uma vida conforme ao Direito,
X. Neste momento, a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, consubstancia um retrocesso à ressocialização do mesmo e uma violação do artigo 40.º do Código Penal.
XI. Por um lado, dispõe expressamente o n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal vigente que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial positiva). A referência legal aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção (Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da medida da pena privativa da liberdade, pág.369). Mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (ex vi n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal), sendo certo, no entanto, que "disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva" (vide Ac. S.T.J. de 10/04/96, O-STJ, 96, 11 168'). O que atrás vem expendido vale pordizer que, devendo ter um sentido eminentemente ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primeira de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração) e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.
XII. Por outro lado, as ditas “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”, in casu, parecem estar a priori preenchidas, porque o desvalor da conduta do recorrente, apesar de grave, não foi muito acentuado – facto que ressalta até da pena concretamente aplicada pelo tribunal a quo, que se encontra ainda no patamar das penas de curta duração, e porque, no que toca à vertente subjetiva da atribuição da suspensão, a simples censura do facto e a ameaça da pena é, neste momento, bastante para realizar as finalidades da punição, existindo uma prognose social favorável ao arguido, consubstanciada na esperança de que o mesmo não cometerá no futuro nenhum crime.
XIII. Reafirmando toda a consideração por perspetiva diferente, após análise do circunstancialismo supra explicitado e o que demais se deu como provado na douta sentença e as condutas do arguido durante todo o período de suspensão, pugnamos que não existe fundamento para a revogação da mesma.
XIV. A prisão efetiva do recorrente teria um efeito acima de tudo retributivo e pouco ressocializador, uma vez que se encontra reintegrado na sociedade bem como no meio envolvente, tem vindo a ser consciente relativamente às responsabilidades (tratamento médico) de que está incumbido, mostrando-se cumpridor e focado no cumprimento das regras e obrigações que lhe são impostas pelos serviços que o acompanham, promovendo um estilo de vida pacífico e ordeiro.
XV. Caberá ao tribunal, em primeiro lugar, desenvolver esforços no sentido de permitir um entendimento efetivo do desvalor concreto, por forma a que estes indivíduos não voltem a violar os bens jurídicos em causa e, num segundo plano, caberá à pena aplicada o desempenho de tal papel.
XVI. Todavia, e reafirmando a ideia que pretendemos transmitir, não são as penas de reclusão que bastam para formar essa consciência. Por vezes, e esta parece-nos ser uma destas vezes, é necessário um acompanhamento formativo do condenado.
XVII. Destarte, tendo em consideração a relevância dada pela lei penal, em especial pelo disposto no artigo 70.º do Código Penal, quando se trata da escolha das penas, orientando o julgador, do ponto de vista da política criminal, para dar preferência à aplicação das penas não restritivas da liberdade sempre que através de estas se possa realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e considerando ainda tudo o que acima se propalou acerca do recorrente, bem como a medida da pena aplicada, o tribunal a quo podia (e devia), ter mantido a suspensão da pena de prisão ainda que condicionada a mais regras de conduta, e/ou alargando o período de suspensão, ou até aplicando a obrigação de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, como meio de execução da pena.
XVIII. Pelo exposto, ao não suspender, na sua execução, a pena de prisão aplicada ao recorrente, violou o douto despacho recorrido o disposto nos artigos 40.º, 56.º e 70.º, todos do Código Penal, uma vez que, uma vez verificados os pressupostos objetivos e subjetivos dos quais depende a sua aplicabilidade, tal suspensão constitui um poder-dever que se impunha ao julgador ad quo, devendo, por isso, a decisão em crise ser substituída por outra que mantenha a suspensão da execução da pena de prisão.
Termos em que,
Deve o presente recurso ser considerado provido
nos termos enunciados nas conclusões, como é
de
Direito e Justiça !!!
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Na Resposta ao Recurso o Ministério Público em Primeira Instância pugnou pela improcedência do mesmo, nos seguintes termos:
«… O arguido denota uma indiferença para com o Direito, com a sociedade e com as pessoas que lhe são mais próximas.
Se analisarmos a matéria dada como provada no âmbito do acórdão proferido no processo n.º 130/21.5GDAVR, verificamos que tais factos revestem de uma enorme gravidade e que se reconduzem a pessoas que pertencem ao seu núcleo
...

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