Acórdão nº 1407/22.8T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-02

Data de Julgamento02 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão1407/22.8T8VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1407/22.8T8VFR.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1. RELATÓRIO

O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. por decisão de 15.02.2022 aplicou à arguida S..., S.A. a coima de 650,00€, pela prática de uma infracção prevista no art. 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07.
Desta decisão interpôs a arguida recurso de impugnação judicial.

Distribuídos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3, com o nº 1407/22.8T8VFR, por despacho proferido em 02.06.2022 foi julgada «(…) nula a decisão administrativa recorrida ao abrigo das disposições conjugadas dos art. 50.º RGCO e art. 120.º n.º1 alínea d) e 122.º do C.P.P. (ex vi art. 41.º n.º 1 do RGCO), com o consequente arquivamento dos autos», assim dando provimento à impugnação judicial apresentada pela arguida S..., S.A.

É desta decisão que vem interposto recurso, pelo Ministério Público, que formulou as seguintes conclusões:
I. A decisão administrativa proferida nestes autos não padece de qualquer nulidade;
II. Por força do principio do inquisitório, é à entidade que dirige a investigação e instrução do processo contraordenacional que cabe escolher quais os meios de prova a utilizar para prova dos factos cujo conhecimento releve para a decisão;
III. Não há qualquer imposição legal que obrigue a autoridade administrativa a realizar todas as diligências de prova requeridas pela sociedade arguida em sede de defesa, mas apenas e só que lhe dê a possibilidade de tomar posição relativamente aos factos que lhe são imputados;
IV. A autoridade administrativa não tem de realizar as diligências de provas requeridas quando as mesmas se revelam à partida desnecessárias, supérfluas e dilatórias para a decisão a proferir atenta a simplicidade da causa e da prova já carreada para o processo;
V. No caso concreto, em que a prova do processo contraordenacional assentava em instrumento de verificação de pesagem e, perante uma situação de flagrante delito, a prova era simples dispensando-se a inquirição das testemunhas indicadas pela sociedade arguida que nem justificou a imprescindibilidade da sua inquirição;
VI. Mesmo que assim não se entendesse, tal omissão apenas constituía uma nulidade sanável, a arguir no prazo de 10 dias após o conhecimento da decisão final perante a autoridade administrativa (o que não aconteceu) ou no recurso de impugnação judicial (que aconteceu, mas apresentado depois de terem decorridos 10 dias e, por isso, de forma intempestiva) – cf. artigos 120º, n.º 2, alínea d) e 123º, do C. P. P.;
VII. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que tendo a sociedade arguida indicado na impugnação judicial precisamente as mesmas testemunhas que indicou na defesa na fase administrativa tal nulidade é sanável com a audição delas na fase judicial, pois que a sociedade arguida se prevaleceu nesta fase da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigida, nos termos do disposto no art.º 121º, n.º 1, al. c) do C.P.P.;
VIII. Ao não se entender assim, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 41º, 54º e 62º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, e nos artigos 120º, nº 2, alínea d), e 121º, nº 1, alínea c), todos do C.P.P.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, deverá ser determinada a anulação da decisão proferida e substituída por outra que designe dia para a realização da audiência de julgamento, de acordo com o disposto no artigo 65º, do DL nº 433/82, de 27 de Outubro.
V. Exas., porém, e como sempre farão, Justiça.
Por despacho proferido em 08.09.2022 foi o recurso regularmente admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.

A arguida não apresentou resposta.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação, emitiu parecer, no qual acompanha na integra as razões expendidas na motivação e conclusões do recurso interposto pelo Ministério Público na 1ª instância, entendendo que o recurso merece provimento com a consequente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que, após julgamento, ou mediante despacho, nos termos do artigo 64º do RGCO, aprecie o mérito do recurso.

Cumprido que foi o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi acrescentado.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, o CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, salvo questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do CPP – sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 75º, nº 1 do RGCO, nos recursos dos processos de contraordenação a 2ª instância apenas conhece de direito.
No caso, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo Digno recorrente, é apenas uma a questão a apreciar:
- a da verificação ou não da nulidade cometida pela autoridade administrativa e decretada e, em todo o caso, da sua sanação com a indicação das testemunhas na fase judicial cuja audição foi indeferida na fase administrativa

Com interesse para a decisão a proferir, resulta dos autos que:
- Em 12.04.2021, foi pela GNR em Santa Maria da Feira levantado auto de notícia contra a arguida S..., S.A., por alegada violação do disposto no art. 31.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07.
- Por ofício datado de 26.10.2021, foi a arguida notificada para se pronunciar por escrito sobre a matéria constante do auto de noticia, bem como juntar documentos probatórios e arrolar testemunhas.
- Em 13.01.2022 a arguida apresentou resposta escrita, negando o cometimento da infração que lhe foi imputada e arrolando duas testemunhas (AA e BB).
- De imediato foi proferida decisão, datada de 15.02.2022, na qual fez-se para além do mais constar: “Assim, considera-se que a prova produzida pela autoridade administrativa no auto em apreço, em particular a informação constante do auto e o talão de pesagem obtido no preciso momento da fiscalização, assume um valor probatório indubitavelmente superior, quando contraposta com o teor da defesa apresentada nos autos pela arguida.
A arguida arrolou ainda prova testemunhal, em concreto, o seu motorista e o operador de unidade. Insiste-se, a este propósito, que cabe à autoridade administrativa, face à relevância ou irrelevância das diligências requeridas pela arguida, decidir sobre a sua realização, devendo abster-se de as realizar, sempre qua as mesmas não se afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. Neste sentido, uma vez que foram recolhidos elementos probatórios suficientes e aptos a proferir a decisão final prescinde-se da inquirição das testemunhas arroladas por se entender que as mesmas não revestem utilidade ou pertinência, no sentido que as suas declarações consubstanciando relevância para efeitos de ponderação na determinação da medida da pena aplicar (art. 71º, nº 2 do CP) não iriam pôr em causa a matéria dada como provada, alicerçada em documentos idóneos representativos da regularidade da pesagem efectuada e dos resultados obtidos. Assim, quanto ao motorista, o facto de ser ouvido ou não, a sua responsabilidade não lhe sai das mãos, existindo como elemento de prova, o talão de pesagem. Quanto à outra testemunha, na qualidade de operador de unidade, o seu depoimento em nada pode alterar o que foi demonstrado pelos documentos juntos aos autos, o talão de pesagem e o seu aditamento.”
- Tendo concluído pelo cometimento da infração imputada à arguida, foi à mesma aplicada a coima de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
- Em 28.03.2022 (mas que só veio a dar entrada no Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. em 13.04.2022), a arguida veio apresentar impugnação judicial daquela decisão condenatória, formulando as seguintes conclusões:
1ª O presente processo contraordenacional encontra-se prescrito ao abrigo do disposto no art. 27º e 28º do Dec.Lei nº 433/82 de 27 de Outubro;
2ª A arguida ou o seu mandatário não foram notificados da diligência de inquirição de testemunhas, verificando-se a nulidade revista na segunda parte da alínea d) do nº 2 do art. 120º CPP, aplicável ex vi art. 41º RGCOC;
3ª Não foi praticado qualquer ilícito contraordenacional;
4ª O veículo não tinha peso a mais na sua carga e muito menos um excesso de 3420 Kg;
5ª O mesmo foi verificado, antes de iniciar a sua marcha, reunindo todas as condições legais para circular, tendo sido pesado em báscula devidamente aferida pelas entidades competentes;
6ª Apenas transportava a quantidade de mercadoria, que a juntar à tara do veiculo dá um total inferior ao peso bruto permitidos por lei; 7ª As balanças utilizadas não apresentaram resultados fiáveis, em virtude do somatório das pesagens, por não terem capacidade ou serem inadequadas para serem utilizadas na fiscalização;
8ª Nada é atestado na decisão, ou em documentos juntos aos autos, quanto à possibilidade ou não de os aparelhos (balanças), utilizados na pesagem estarem em
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