Acórdão nº 1407/21.5T8FIG-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-10-06

Ano2023
Número Acordão1407/21.5T8FIG-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)
Apelação n.º 1407/21.5T8FIG-B.C1

Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ..., ...

intentou a presente ação de processo comum contra

A..., SA, com sede em ..., ...,

B..., SA, com sede na ...,

C..., Ldª, agora designada D..., Ldª, com sede em ...,

E..., Ldª, entretanto designada F..., Ldª e posteriormente incorporada na G..., Ldª, com sede em ... e

H..., SA, entretanto incorporada na I..., SA, com sede na ....

*

Para tanto, apresentou a respetiva petição inicial que termina pedindo:

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa doutamente suprirá,

Deve a primeira Ré ser condenada:

-a reconhecer que desde 17/04/2000 exerceu os poderes de autoridade, direcção e fiscalização sobre o Autor que lhe prestou ininterruptamente a sua actividade profissional hetero-determinada, e em total subordinação jurídica, tendo sido a única que beneficiou e lucrou com o trabalho prestado pelo mesmo.

- a reconhecer que o Autor integra desde 17/04/2000 a sua estrutura organizativa e se encontra vinculada ao Autor por contrato de trabalho por tempo indeterminado, que teve início em 17/04/2000, que se manteve ininterruptamente até à presente data, e se mantém actualmente;

- a reconhecer que todos os documentos assinados pelas segunda, terceira, quarta e quinta rés e pelo Autor, desde a referida data até ao presente, intitulados de “contratos de trabalho” ( temporário, cedência, ou por tempo indeterminado) são nulos e de nenhum efeito, por totalmente contrários à lei;

- a reconhecer que desde 17/04/2000 todas as suas normas e regras regulamentares internas constantes do Manual da empresa, guia do trabalhador, ordens de serviço e informações com divulgação geral interna ( juntas ao presente processo), são aplicáveis ao Autor, e, consequentemente, por força da sua aplicação, ser condenada a atribuir ao Autor todos os direitos e benefícios que aplica a todos os seus trabalhadores com efeitos desde 17/04/2000, nomeadamente retribuições mínimas, gratificações anuais e fundo de pensões;

- consequentemente, condenada a reconhecer que na presente data a retribuição mínima devida ao Autor é do valor de €1.229,24 e a liquidar a mesma para futuro, assim como, condenada a liquidar ao Autor os valores apurados até à presente data a título de diferenças verificadas entre as retribuições que o Autor recebeu(desde 17/04/2000) e as que lhe eram devidas( incluindo retribuições base, subsídios de férias, natal, turno e pagamento de trabalho suplementar), nos valores de €67.761,16 a título de diferenças de retribuição( incluindo subsídios de férias e de natal); de € 17.032,32 a título de diferenças de subsídio de turno e de €4.193,16 a título de pagamento de trabalho suplementar;

- e ainda condenada a liquidar ao Autor todas as gratificações que liquidou a todos os seus trabalhadores desde 17/04/2000, e que devia ter liquidado ao Autor e não liquidou, no valor total de € 39.252,08;

- e por fim condenada no pagamento de juros de mora legais vencidos sobre todas as quantias supra indicadas desde as datas em que deveriam ter sido liquidados, os quais na presente data se calculam em €17.098,50, e bem assim condenada nos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Devem as segunda, terceira, quarta e quinta Rés ser condenadas:

- a reconhecer o vínculo contratual existente entre a primeira Ré e o Autor desde 17/04/2000 até ao presente;

-a reconhecer que apesar dos documentos intitulado de contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado por si subscritos em conjunto com o Autor, nunca exerceram sobre o mesmo os poderes característicos de uma entidade empregadora, de autoridade e direcção e fiscalização da actividade pelo mesmo prestada, nem nunca foram beneficiárias do respectivo resultado;

-e, consequentemente, condenadas a reconhecer a nulidade de tais documentos intitulados de “contrato” que subscreveram com o Autor, já que os mesmos não tiveram como objectivo formar uma relação laboral entre as partes, mas antes o intuito único, contrário à lei, de iludir a realidade de que o Autor já desde 17/04/2000 se encontrava vinculado à primeira Ré por contrato por tempo indeterminado, e afastar a aplicação ao Autor de todas as regras contratuais internas aplicáveis a todos os trabalhadores da primeira Ré, nomeada e concretamente a nível de retribuições mínimas e benefícios vários. Pelo que, requer-se a V. Ex.a se digne mandar citar as Rés, para querendo, contestarem a presente acção nos termos e prazos legais.

*

As Rés “A...” vieram apresentar contestação concluindo que:

“Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com mui douto suprimento de V. Exa., deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, consequentemente:

a)Deverão as excepções anteriormente invocadas serem julgadas procedentes por provadas e, consequentemente, serem as ora RR. absolvidas dos pedidos;

b) Se assim não se entender, o que só por mera hipótese se admite, deve a presente ação ser declarada improcedente, por não provada e serem as aqui RR. absolvidas dos pedidos.”

*

De seguida, foi proferido o despacho saneador de fls. 72 v.º e segs. e do qual consta, além do mais, o seguinte:

2.2.1 Da alegada excepção de caso julgado:

Na contestação que apresentou nos autos, defendem a Rés A..., S.A. e J..., S.A. a existência de caso julgado, sustentando para o efeito o seguinte: “A. invoca ainda a nulidade do contrato de trabalho celebrado com a R. B..., não obstante a celebração válida do mesmo contrato, o que foi igualmente dada como provado no processo judicial do ano de 2016. Sucede que, atendendo ao trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1872/16...., que correu termos no Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., dúvidas não subsistem que se está perante uma sentença que já não admite recurso ordinário, Pelo que está-se perante uma situação de caso julgado, o qual é de conhecimento oficioso. (…)Posto isto, não caberá agora a este douto Tribunal pronunciar-se sobre a relação laboral do A., referente ao período compreendido entre 17 de Abril de 2000 e 31 de Dezembro de 2015, em virtude de a mesma já estar decidida por uma outra sentença transitada em julgado.Não se podem discutir os mesmos factos que foram já discutidos, apreciados e julgados no âmbito de primitiva acção e que foram considerados como inidóneos para integrarem a causa de pedir. (…) mesmo que assim não fosse e se não fosse considerada, para os devidos efeitos, a excepção do caso julgado, sempre se dirá que teria de ser considerada a força e autoridade do caso julgado lato sensu. ”

Notificado para o efeito, veio o Autor, por requerimento datado de 16/12/2022, pugnando pelo indeferimento da invocada excepção, defendendo que entre a acção invocada pelas Rés A..., S.A e B..., S.A. e a presente acção inexiste qualquer identidade seja de sujeitos, seja de pedido ou de causa de pedir e que não estamos ante qualquer autoridade de caso julgado que se imponha na apreciação da presente acção.

Cumpre apreciar e decidir:

O caso julgado constitui, como é sabido, uma excepção dilatória, que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – cfr., artigos 577º, i), e 580º, nº 2, do Código de Processo Civil.

O artigo 581º prevê os requisitos do caso julgado (como também da litispendência). Assim, refere o nº 1 que “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. ” Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – nº 2. “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – nº 3. “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – nº 4.

O caso julgado, como refere o prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 307”) consiste, assim, “na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”, ou então, como ensina o prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306”), o caso julgado consiste em “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social”.

O instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal (Cfr., por todos, o prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado, vol. III, pág. 93”, Ac STJ de 16/09/2015, proc. 1918/11, in “Sumários, 2015, pag. 485”, e Ac. da RP de 24/11/2015, proc. 346/14.0T8PVZ.PT, disponível em www.dgsi.pt).

Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

Perante tais efeitos do caso julgado torna-se imperioso estabelecer, com nitidez, o conceito de repetição de uma causa.

Tal resposta é-nos dada pelo artigo 581º, nº. 1, ao estatuir, como vimos, que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Por seu lado, os nºs. 2, 3 e 4 desse mesmo...

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