Acórdão nº 139/22.1T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-24

Ano2022
Número Acordão139/22.1T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 139/22.1T8PVZ.P1 - 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - J 3


Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
AA, residente na Rua ..., freguesia ..., Matosinhos, instaurou ação com processo comum contra BB, CC e DD, todos residentes na Rua ..., ..., Matosinhos, alegando essencialmente que, tendo sido casado com a 1ª R. desde 9.4.2005, sob o regime de comunhão de adquiridos, o matrimónio foi dissolvido por sentença de divórcio de 30.9.2021. Por escritura de 22.11.2006, o casal comprou um prédio com duas casas juntas, de habitação, tendo, para o efeito, contraído financiamento junto do Banco 1..., tendo beneficiado também para o efeito da doação de €30.000,00 que os 2º e 3ª RR., pais da 1ª R., fizeram ao casal (genro e filha). Por acordo entre todos, passaram os 2º e 3ª RR. a residir uma das referidas casas, cientes de que o A. e a 1ª R. eram os donos do prédio.
Em setembro de 2009, o A. e a 1ª R. contraíram um novo empréstimo junto do Banco 1..., no valor de €59.179,00, para realizarem obras de conservação e restauro do imóvel e para reforço de tesouraria dos 2º e 3ª RR., tendo sido aquele valor dividido entre os dois casais, em partes iguais.
Para garantirem o uso da casa que habitavam, os 2º e 3ª RR. comodatários, com a colaboração da 1ª R., convenceram o A. a formalizar em documento que consignasse o direito ao uso vitalício da parte do prédio que vinham utilizando (o andar superior da casa do nº 45, como artigo matricial ..., Matosinhos. Em contrapartida, estes RR. comprometeram-se a pagar metade do valor das prestações do crédito à habitação a que o A. e primeira R. se tinham obrigado a pagar ao Banco 1....
O A. foi então levado a assinar uma procuração que supunha estar destinada a servir aquele propósito quando, afinal, tal documento de procuração serviria para o representar na doação de metade da totalidade do prédio urbano em que todos habitavam e para assegurar à 1ª R. uma quota parte do imóvel superior àquela a que tinha direito, por ser herdeira dos 2º e 3ª RR. Nunca o A. e os 2º e 3ª RR., seus ex-sogros, quiseram a divisão da propriedade ou a doação, mas apenas assegurar a manutenção do estado de coisas que lhe é anterior. Na base da doação de metade do imóvel, por parte do A., do 2º e 3ª RR. e da R. BB, nunca houve a intenção de doação pura e simples de metade do imóvel, enquanto ato de generosidade.
Com base nestes factos, o A. argui, subsidiariamente:
- Simulação relativa do negócio, por ter sido sua intenção fazer uma doação do direito de usufruto aos 2º.ª e 3ª RR. relativamente à fração em que habitam.
Com base neste vício, pretende que se declare nula a doação e a validade da confissão de dívida efetuada e do negócio dissimulado.
- Erro na declaração negocial do A. por nunca ter querido doar uma quota-parte da totalidade do seu prédio, mas apenas criar um direito de usufruto sobre uma parte determinada do mesmo e a constituição da obrigação de pagamento de metade do valor das prestações do crédito habitação e reforço de hipoteca. Não sabia o A. que estava a doar metade indivisa do seu prédio nem a colocar-se na posição de défice económico porquanto manteria o pagamento das prestações mensais do crédito bancário a seu cargo, na integra, sabendo todos os RR. da existência e da essencialidade desse erro para o A. Com este fundamento, pediu a anulação do negócio.
- Usura no negócio, designadamente por a 1ª R. se ter aproveitado do seu ascendente psicológico e, consequentemente, conformou a vontade do seu marido para benefício dos seus pais, e, após o divórcio, para seu benefício próprio, justificando-se também por esta via a anulação do contrato de doação.
Com tal contrato, ficou a 1ª R. com uma quota de ¼ do imóvel, e os seus pais, 2º e 3ª RR., com uma quota de 2/4 do imóvel, de que é única herdeira, ficando o A. apenas com a quota de 1/4 do prédio e com a obrigação de pagar o valor do mútuo ao Banco que lhe concedeu o empréstimo para aquisição e para obras.
- Dolo, que também justifica a anulação do negócio.
Ainda subsidiariamente, o A. invocou o enriquecimento sem causa dos RR.
O demandante faz culminar o seu articulado com a seguinte pretensão:
«A) A doação realizada ser declarada nula em consequência de se tratar de um negócio jurídico que padece de simulação relativa.
A) Ou, a doação realizada ser anulada por se tratar:
I. De um negócio jurídico no qual existiu um erro na declaração negocial.
II. Caso assim não se entenda, deve a mesma doação ser anulada por se tratar de um negócio usurário.
III. Ou, por se tratar de um negócio jurídico cuja vontade negocial foi conformada com dolo.
Seguindo-se as demais consequências legais.
B) Subsidiariamente ao exposto, devem os Réus ser condenados a restituir ao Autor tudo aquilo que se locupletaram.
C) Devem os Réus serem condenados a pagar as custas de parte e procuradoria condigna a favor do Autor.»

Citados, os RR. contestaram, em conjunto, a ação. Começaram por invocar a ilegitimidade que consideraram ser da 1ª R. BB, por ter sido doado por ambos os membros do casal, ainda na pendência do casamento, um bem então adquirido (comum). Entendem que por força dos art.ºs 1682º, n.º 1 e 1682º-A, n.º 1, al. a), do Código Civil, só por ambos o bem pode ser alienados e só por ambos ou por um deles com o consentimento do outro, a ação pode ser proposta. O A. não podia ter instaurado sozinho a ação, desacompanhado da agora sua ex-cônjuge, pelo que tal falta de intervenção da pessoa que interveio na relação controvertida e é titular de metade dos direitos, é motivo de ilegitimidade nos termos do art.º 33º do Código de Processo Civil.
Os RR. invocaram ainda a caducidade do direito do A. e impugnaram grande parte da matéria alegada na petição inicial, concluindo pela sua absolvição da instância, em razão da ilegitimidade, ou, caso assim não se entenda, pela sua absolvição do pedido face à caducidade do direito ou à improcedência dos fundamentos da ação. Pedem ainda a condenação do A. como litigante de má fé.
Em resposta, o A. opôs-se às exceções invocadas pelos RR., designadamente, quanto à ilegitimidade, argumentando que, à data da instauração da ação, já havia sido decretado o divórcio, sendo aplicável o art.º 34º do Código de Processo Civil apenas às situações em que se mantém a sociedade conjugal.
Considerando existir condições para proferir decisão, o tribunal notificou as partes para, a respeito, dizerem o que tivessem por conveniente, pronunciando-se o A. favoravelmente, no sentido da nulidade e ineficácia do negócio em apreço por A. e 1ª R. não poderem dispor de metade de um bem comum; e os RR., opondo-se,
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