Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2024 (caso Acórdão nº 1387/16.9T9AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-17)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2024
Processo n.º 1387/16.9T9AVR.P1
Relator: William Themudo Gilman
1ª Adjunta: Liliana Páris Dias
2ª Adjunta: Cláudia Sofia Rodrigues
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
1.1-Despacho de arquivamento do inquérito.
Em 03.09.2018, no processo n.º 1387/16.9T9AVR, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento dos autos por entender haver falta de indícios suficientes, nos termos do artigo 277º, n.º 2 do CPP.
1.2-Requerimento de abertura de instrução.
As Assistentes AA e BB, em 2.10.2018, requereram a abertura de instrução, invocando a nulidade prevista no artigo 120º, n.º 2, al. d) e 3 do CPP e pedindo a pronúncia dos arguidos pelos seguintes crimes:
1.2.1- Arguido CC:
- um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre p.p. pelo art.º 254º do Código Penal;
- um crime de abuso de poder p.p. pelo art.º 382º do Código Penal; e
- um crime de falsificação de documentos, p.p. pelo art.º 257º do Código Penal.
1.2.2- Arguido DD
- um crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre p.p. pelo art.º 254º do Código Penal; e
- um crime de falsificação de documentos, p.p. pelo art.º 257º do Código Penal.
1.3- Decisão instrutória
Teve lugar a instrução e a final, em 10.01.2023, o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Instrução Criminal de Aveiro - Juiz 1, proferiu despacho de não pronúncia:
- do arguido CC pela prática de um crime de abuso de poder;
- dos arguidos CC e DD pela prática dos crimes de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre e falsificação de documento.
1.4-Recurso da decisão instrutória. Admissão de recurso. Resposta do Ministério Público. Parecer.
1.4.1- Recurso da decisão instrutória.
Em 15.02.2023, as Assistentes AA, BB e EE recorreram da decisão instrutória para este Tribunal da Relação, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«VI. CONCLUSÕES
1. Em Decisão Instrutória, proferida pelo Meritíssimo JIC, considerou-se não terem sido reunidos indícios suficientes da prática, pelo arguido CC pela prática de um crime de abuso de poder, p.p. art.° 382°, um crime de profanação de cadáver, p.p. 254° do CP e um crime de falsificação de documento (por funcionário), p.p. 257° do CP e pelo arguido DD, por um crime de de falsificação de documento (por funcionário), p.p. 257° do CP e um crime de profanação de cadáver, p.p. 254° do CP.
2.As Recorrentes entendem que os presentes autos - pela prova carreada e pelo conspecto fáctico presente - contém indícios suficientes para pronunciar os arguidos pelos crimes que lhe são imputados no RAI.
3.Impõe-se uma reapreciação criteriosa, objetiva e conjugada das diversas provas (testemunhal, declarações Assistente, diligência ao local, documental e pericial), produzidas pelos arguidos e pelas Assistentes, por parte do Tribunal ad quem, que permitirá considerar que existem indícios suficientes da prática dos crimes indiciados.
4.No RAI as Assistentes invocaram a insuficiência do inquérito, porquanto não foram determinadas diligências probatórias essenciais para a descoberta da verdade e, acima de tudo, haviam sido determinadas pelo Superior Hierárquico, o Exm.° Magistrado do MP Coordenador.
5.Não foram cumpridas algumas diligências de prova, após a reabertura do inquérito, como seja, a omissão de junção do documento administrativo obrigatório, que comprova as inumações, caracteriza e identifica a sepultura, não estar determinado o local exacto onde foram inumados os restos mortais, não terem sido inquiridas duas testemunhas arroladas, não foram determinadas as circunstâncias em que foram transladados e inumados os restos mortais do jazigo ... e os atos que sobre eles foram praticados.
6.Por não terem sido cumpridas e efetuadas todas as diligências de prova ordenadas pelo Sr. Procurador Coordenador do MP, bem como outras que se pudessem reputar como relevantes para apurar indícios dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes em causa, deu-se o inquérito por concluído (admitindo versões contraditórias e incongruentes dos arguidos), impedindo uma conclusão objetiva sobre os indícios recolhidos e determinando a insuficiência do Inquérito.
7.As diligências de prova com base nas quais as Assistentes fundam e invocam a (nulidade) insuficiência do inquérito respeitam a atos (diligências de prova) determinados pelo Exm.° Procurador Coordenador do MP, afigurando-se, por isso, obrigatórios e vinculativos para o inferior hierárquico.
8.Tendo sido proferido novo despacho de arquivamento, sem ter sido dado cumprimento àquelas diligências de prova superiormente determinadas, essenciais para a descoberta da verdade e apuramento dos indícios objetivos dos crimes, pelas contradições em que incorrem os arguidos, não pode deixar de se verificar e invocar nulidade processual, decorrente da insuficiência do inquérito, por omissão da prática de diligências obrigatórias para a descoberta da verdade, o que aqui expressamente se faz.
9.Com a apresentação do RAI, as aqui Assistentes requereram um conjunto de diligências de prova que entendiam ser essenciais à descoberta da verdade material e que permitiriam coligir indícios adicionais da prática dos crimes que eram imputados aos arguidos, com vista à pronúncia dos arguidos.
10.O Mm.° JIC proferiu despacho a 16/01/2019, no qual admitiu a inquirição das testemunhas FF e GG, ordenou a notificação da Junta de Freguesia de União de Freguesias ... e ... para proceder à junção de documentos, mas indeferiu a prova pericial, afirmando que: "A identificação do exacto local onde foram colocados os restos mortais exumados não constitui elemento integrante dos crimes imputados. Com efeito, indiciado que está que os mesmos foram retirados do jazigo ..., o preenchimento dos tipos legais dependerá apenas da averiguação das circunstâncias em que tal aconteceu e não do local onde tais restos mortais foram colocados."
11.A 13 de Junho de 2019, o Mm.° Juiz de Instrução, proferiu despacho para inquirição das testemunhas FF e GG, ordenando, outrossim, que "Oportunamente será designada data para deslocação ao cemitério com arguidos e assistentes a fim de se procurar esclarecer definitivamente a exacta localização das sepulturas 4... e 6...."
12.Realizada a diligência (deslocação ao cemitério) e atento o resultado inconclusivo, bem como as inúmeras contradições das versões dos arguidos, ao logo do processo, que não permitiram apurar a localização da sepultura 4... e onde foram inumados os ascendentes das Assistentes, bem como aferir das concretas condições em que o foram, as Assistentes apresentaram em 16 de Junho de 2021, um pedido de prova adicional para abertura e exame da sepultura n° 4....
13.Fundamentaram a necessidade dessa prova com base em:
- a indicação do local da inumação das urnas provenientes do jazigo ..., por DD e HH, como sendo a sepultura n° 5... está em contradição com o relatado aos Inspetores da PJ, em diligência de 24/07/2018, na qual indicaram uma sepultura sem numeração, posteriormente, identificado sendo a n° 4...;
- Esta última localização contradiz o afirmado, pelos arguidos na sua contestação, no processo n° 4/16.1BEAVR, que corre termos no TAF de Aveiro;
- A Ficha de sepultura 4... classifica a sepultura como TEMPORÁRIA, definindo a data de remissão para 20/03/2018, sendo que os quatro invólucros de chumbo e um de zinco nunca poderiam transladados e inumados para uma sepultura temporária, nos termos dos arts.° 10°, 14° e 22°, entre outros, da Lei n° 14/2016, de 09/06 e arts.° 26° e 31° do Regulamento dos Cemitérios Municipais ...;
-A abertura e exame da sepultura 4... é imprescindível para confirmar a exacta localização e a existência dos 5 caixões correspondendo às urnas que foram retiradas do jazigo ..., bem como para averiguar os atos cometidos sobre os restos mortais, de que depende o preenchimento dos tipos legais dos crimes indiciados no RAI e no despacho judicial do Mm° JIC.
-Entendem as Assistentes que o Tribunal deve (terá) deferir e ordenar a realização da prova adicional de abertura e exame da sepultura, por se consubstanciar prova necessária para colher indícios adicionais, pelo que o eventual indeferimento determinará a insuficiência da instrução e incorrerá na nulidade estatuída no art.° 120° n°2 alínea d), ex vi nos termos do n° 3 alínea c) do art. 120° do CPP.
14.Face a este pedido adicional de prova, o Mm.° JIC por despacho, indeferiu, uma vez mais, o pedido de prova apresentado pelas Assistentes, com vista a abertura e exame da sepultura 4..., " (...) porquanto o preenchimento dos tipos legais em análise nos presentes autos não dependem da verificação do local onde foram colocadas as urnas retiradas do jazigo ... (...)".
15.As Assistentes apresentaram, a 10/12/2021, reclamação destacando a falta de fundamentação da decisão, a qual se afiguraria ainda mais relevante e necessária, atenta a discricionariedade que é reconhecida ao JIC na fase de instrução, bem como, o facto de entenderem que à luz do determinado pelo despacho do Mm.° Juiz de Instrução (a localização exata da sepultura 4... e 6...), como em virtude do resultado inconclusivo da inspeção ao local de 13/11/2020, apresentava- se como essencial, necessária e imprescindível à averiguação da verdade material e da indagação fáctica para preenchimento dos tipos objetivos e subjetivos dos ilícitos em questão, a produção da prova adicional indeferida, até por resultar, outrossim, do despacho do Sr. Magistrado do MP Coordenador do DIAP de Aveiro, de 02/02/2018.
16.Uma vez mais, o Mm.° JIC por despacho de 28 de Janeiro de 2022, indeferiu a reclamação apresentada "(...) porquanto, conforme já referimos, a exacta localização das urnas retiradas do jazigo ... não se mostra necessária para decidir do preenchimento dos tipos legais imputados aos arguidos no RAI."
17.Contudo o Mm.° JIC, mesmo na ausência desta prova, deu como assente, sem quaisquer dúvidas, de que as
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