Acórdão nº 1383/20.1T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-02-23

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão1383/20.1T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio intentar ação declarativa, com processo comum, contra BB, CC e DD, onde conclui pedindo que a ação seja julgada provada e procedente e, consequentemente,
a) Declarar-se que a autora cumpriu com a condição imposta pela testadora EE no testamento por si outorgado em 26 de agosto de 2019, em mérito nos presentes autos;
b) Declarar-se que este testamento é válido e eficaz;
c) Declarar-se que por força e efeito deste testamento a autora é a única herdeira da falecida EE e que não existem outras pessoas que segundo a lei e o invocado testamento lhe possam preferir ou que com ela possam concorrer nesta sucessão;
d) Declarar-se que a autora é dona e legítima proprietária dos prédios urbanos e da metade indivisa do prédio rústico situados no lugar e freguesia ..., concelho ..., e melhor identificados nos artsº 6º e 7º deste articulado, porque os mesmos passaram a integrar o seu património por sucessão testamentária, após o falecimento da EE;
e) Declarar-se que a autora é dona e legítima proprietária do veículo ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-XZ-.., porque o mesmo passou a integrar o seu património por sucessão testamentária, após o falecimento da EE;
f) Declarar-se que a autora é titular de metade da quantia de €5.652,59 que se encontrava depositada na conta bancária nº ...00 da Banco 1..., porque a mesma passou a integrar o seu património por sucessão testamentária, após o falecimento da EE;
g) Ordenar-se o cancelamento de todos os registos que os réus hajam efetuado a seu a favor dos bens que tenham pertencido ao acervo hereditário da falecida EE;
h) Ordenar-se que os registos de bens imóveis que a autora pretenda fazer a seu favor dos bens que integravam o património da EE seja efetuado sem a menção de quaisquer cláusulas suspensivas ou resolutivas que condicionem os efeitos dos atos de disposição de bens imóveis;
i) Condenarem-se os réus a reconhecerem os pedidos formulados sob as antecedentes als. a) a f);
j) Condenarem-se os réus a restituir à autora os identificados bens imóveis e o veículo automóvel, que ilicitamente ocupam, entregando-os livre de pessoas e coisas no prazo de 2 dias a contar do trânsito em julgado da sentença condenatória e a pagarem à autor a quantia diária de €50, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na realização desta prestação;
l) Condenarem-se os réus a não continuarem a ocupação dos referidos bens imóveis e do veículo automóvel e a absterem-se de quaisquer atos lesivos do direito de propriedade da autora sobre tais bens;
m) Condenarem-se os réus no pagamento à autora da quantia de €2.826,29, que corresponde, portanto, à metade da quantia que se encontrava depositada na conta bancária nº ...00 da Banco 1..., acrescida dos juros de mora vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da sua citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que por testamento de .../.../2019 outorgado por EE, falecida a .../.../2020, esta instituiu a autora, sua prima, como única e universal herdeira, com a condição suspensiva de cuidar e tratar da testadora com carácter de habitualidade na saúde e na doença até à data do seu falecimento, isto é, de lhe prestar todos os cuidados de saúde, higiene, alimentação, assistência médico medicamentosa, enquanto a testadora fosse viva.
A autora cumpriu a referida condição suspensiva, razão pela qual, dado que aquela não tinha herdeiros legitimários, se tornou sua única e universal herdeira, sendo a autora a proprietária de todos os bens que eram pertença da testadora.
Sucede, porém, que os réus, sobrinhos da testadora, se apoderaram de tais bens e registaram, a seu favor, a aquisição dos bens imóveis.
Pelas rés BB, CC e DD, foi apresentada contestação onde impugnam a factualidade invocada pela autora, alegando que, a autora não cumpriu a condição suspensiva imposta pela testadora, pelo que não é sua única e universal herdeira, entendendo que a autora litiga de má-fé, pedindo a sua condenação, no pagamento de uma indemnização.
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Foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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B) Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde se declarou e condenou as rés a reconhecerem que, o testamento outorgado por EE em 26-08-2019, é válido e eficaz (enquanto produtor do efeito de, através dele, a testadora ter disposto, para depois da sua morte, dos seus bens).
No demais, foi julgada a ação improcedente, absolvendo as rés do demais peticionado pela autora.
Mais foi absolvida a autora da pretendida condenação em indemnização às rés.
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C) Inconformada com esta decisão, veio a autora AA interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 200).
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Nas alegações de recurso da apelante AA são apresentadas as seguintes conclusões:
- Da matéria de facto:

1ª Devem ser aditados à matéria de facto provada os factos constantes do artº 25º da petição inicial, com o seguinte teor: “Com76 anos de idade que contava à data da sua morte, (a testadora EE) era uma pessoa que se encontrava no uso pleno das suas faculdades mentais, autónoma, que realizava por si só as tarefas diárias básicas à sua sobrevivência, como vestindo-se sozinha, confecionando sempre que lhe apetecia as suas refeições, deslocando-se a pé sozinha, conduzindo o seu veículo sozinha, cuidando da sua higiene e do seu asseio pessoal, entre o demais” e no artº 63º do mesmo articulado, com o seguinte teor: “E o certo é que nunca a EE reclamou à autora o cumprimento desse encargo”.
2ª Tratam-se de factos que a autora não podia, de modo algum, deixar de alegar, quer por serem relevantes, quer por se tratarem de factos constitutivos do seu direito, e cuja prova lhe competia (artº 342º, nº 1 do Código Civil).
3ª E tais factos ficaram demonstrados por via da prova documental apresentada pela autora, concretamente pelo documento junto com a petição inicial sob o nº 16, que na sequência do exame pericial a que foi sujeito veio a confirmar-se ter sido da autoria da testadora EE.
4ª Conclui-se, portanto, que tais factos foram alegados e demonstrados pela autora, pelo que nos termos dos nºs 1 e 2, do artº 5º do Código de Processo Civil configuram factos a serem considerados e, assim sendo, importa o aditamento dos mesmos ao acervo da matéria de facto provada.
- Da matéria de direito:
5ª Na interpretação dos testamentos, há que atender ao disposto no artº 2187º, nºs 1 e 2 do Código Civil, disposição segundo a qual na interpretação das disposições testamentárias deverá ser observado o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, e embora seja admitida prova complementar, ela não surtirá qualquer efeito sem que tenha um mínimo de correspondência com o contexto do testamento, ainda que se possa considerar imperfeitamente expressa a vontade do testador.
6ª A disposição testamentária constante do testamento em mérito nos autos contém uma cláusula modal, porquanto a testadora EE impôs à autora, beneficiária da liberalidade, um encargo ou obrigação de adotar certo comportamento no interesse e em benefício exclusivo da própria testadora, que consistia em a autora ter que cuidar e tratar dela, prestando-lhe todos os cuidados de saúde, higiene, alimentação, assistência médico-medicamentosa, na saúde e na doença e enquanto fosse viva.
7ª Daí que não estejamos perante uma cláusula condicional suspensiva, pela qual a falecida EE quis condicionar os efeitos jurídicos do negócio testamentário, ou seja, a instituição da autora a um facto futuro e incerto, como entendeu o Tribunal a quo, mas sim perante a imposição de um encargo, constituindo a autora numa obrigação a seu favor e a produzir efeitos de...

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