Acórdão nº 1365/23.1T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-13

Data de Julgamento13 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão1365/23.1T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)

Processo nº 1365/23.1T8CBR.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Arlindo Oliveira

2º Adjunto: Emídio Francisco Santos

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA e BB, veio ao abrigo do disposto nos artigos 222.º-A, e ss. do CIRE, intentar o presente Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), comunicando que pretendem dar início às negociações com os respetivos credores de modo a com estes concluir acordo de pagamento.

Para tanto alegam, tão só, no que para o caso releva:

- o requerente é motorista na empresa T... Ld.a, recebendo uma remuneração líquida mensal, aproximadamente, de 1500,00€;

- a Requerente é ajudante de ação direta na empresa C..., recebendo uma remuneração líquida mensal aproximadamente 700,00€.

- Reconhecem estar, tão e somente, em “situação económica difícil”, tal como preceituado no artigo 222.º-B, tendo em conta, quer os rendimentos quer os encargos ordinários e creditícios, resultando num saldo disponível mensal negativo;

- têm tido “dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações”;

- é improvável a concessão de crédito novo, bem como, a hipótese de consolidação ou mesmo renegociação “normal” dos créditos existentes, dados os incidentes registados.

Juntaram Relação de credores (19 credores, ao todo), de onde resulta serem devedores de uma quantia global de 215.229,30€, sendo que, a totalidade dos créditos relacionados constam aí como incumpridos (a esmagadora maioria entre novembro de 2020 a dezembro de 2022 e um em fevereiro de 2023).

Juntam lista das ações de cobrança de dívida (identificando quatro processos).

Juntam ainda Relação de bens, da qual decorre serem titulares de um prédio urbano e dois veículos (um automóvel e um motociclo), no valor global estimado de 81.299,30€.

Convidados a aperfeiçoar o requerimento inicial, concretizando factualmente a sua situação económica difícil e explicitando as causas de tal situação, vieram os Requerentes acrescentar que têm um pequeno negócio de agricultura, sobretudo de milho e legumes, para cuja exploração necessitaram de obter crédito junto de bancos e de e de fornecedores, mas que a pandemia veio impossibilitar a continuidade de tal atividade.

Pelo juiz a quo foi proferido o Despacho, de que agora se recorre, a indeferir liminarmente o presente processo especial para acordo de pagamento, por os requerentes se encontrarem em situação de insolvência atual.


*

Inconformados com tal decisão, os requerentes dela interpõem recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida, não admitiu o PEAP apresentado pelos recorrentes, porquanto considerou que os mesmos se encontram insolventes.

2. Contudo, não cabe, com o devido respeito, ao Juiz, proceder a uma indagação oficiosa acerca da situação de insolvência iminente/atual do devedor e muito menos da sua recuperabilidade.

3. Tal decisão não determina a apresentação de insolvência, mas somente impossibilita o processo negocial preconizado pelo PEAP.

4. A fundamentação do douto despacho de indeferimento, estriba-se (erradamente) na afirmação de que são os requerentes quem declaram a sua situação de insolvência atual.

5. Não existe nenhuma confissão, nem admissão dos requerentes da existência de um estado de insolvência, tão-só de situação económica difícil, aliás se assim fosse estaríamos perante uma apresentação à insolvência com apresentação de plano de pagamentos, o que não acontece!

6. Ainda que possam estar em situação de insolvência iminente, tal como Catarina Serra defende, o PEAP tratando-se dum processo pré-insolvencial, implica necessariamente que o devedor, para poder desencadear esse procedimento, se encontre eventualmente, em situação de insolvência iminente.

7. Não cabe, no presente procedimento, ser feita uma pré-apreciação, tal como o douto despacho efetuou, sem que se tenha em conta todos os pressupostos, nomeadamente que, encetadas as negociações, os credores possam conceder prazo ao requerente que lhe permita liquidar as suas dividas, ou aceitem redução dos seus créditos.

8. Alias, em caso de não aprovação do plano poderão os credores, o AJP e os próprios pronunciar-se afinal sobre se entendem os devedores estarem insolventes, conforme resulta do CIRE.

9. Não existe nem foi alegado, qualquer abuso dos requerentes no uso deste procedimento pré-insolvência.

10. É ainda certo que situação económica difícil e insolvência eminente, são praticamente o mesmo e ambas são acolhidas no presente procedimento PEAP.

11. Entre os pressupostos do processo de revitalização está o facto de o devedor se encontrar em situação económica difícil ou, em alternativa, em situação de insolvência meramente iminente.

12. Se os requerentes conseguirem negociar como espera com os seus credores, é certo que não chegarão a entrar em insolvência, sendo esse o propósito do processo pré- insolvencial.

13. Pelo que, não existe nenhum impedimento legal à admissão do presente PEAP.

14. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 222-A e 222-C do CIRE.

Termos em que se requer, seja revogada a sentença recorrida e, ao invés, proferida decisão, admitindo o PEAP interposto.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se o juiz errou ao decretar o indeferimento liminar do procedimento com fundamento em que os requerentes se encontram em situação de insolvência:
a. Por não caber nesta sede uma pré-apreciação da insolvência do devedor;
b. Por este procedimento ser aplicável também à situação de insolvência iminente em que se encontram os requerentes.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
A decisão recorrida veio a indeferir liminarmente o requerimento de apresentação ao PEAP com fundamento em que são os próprios requerentes, nas suas alegações e através da documentação que juntam que dão a conhecer a sua situação de insolvência atual:
“No caso em apreço, os requerentes alegam que são devedores de 19 credores, numa quantia global de 215.229,30€, encontram-se tais créditos todos incumpridos. Simultaneamente, alegam ser proprietários de bens que somam o valor de 81.299,30€ e que os seus rendimentos advindos do trabalho são de 1.500,00€ e de 700,00€, respetivamente.
Tais factos, conjugados entre si e ainda associados aos demais que são igualmente alegados relativamente à sua situação patrimonial, permitem, desde já, concluir que os requerentes encontram-se impossibilitados de cumprir, de forma generalizada, as suas obrigações vencidas. Ou seja, é manifesto que a situação dos devedores não é meramente uma situação económica difícil, constituindo antes, verdadeiramente, uma situação de insolvência atual. A factualidade alegada demonstra que os mesmos encontram-se numa situação que já ultrapassou os limites da iminência (de insolvência), integrando uma verdadeira situação de insolvência, na definição contida no artigo 3.º, n.º 1, do CIRE.
É certo que a análise inicial que o julgador pode fazer aquando da prolação do despacho a que alude o artigo 222.º-C, n.º 4, do CIRE está limitada, por um lado, aos aspetos formais do requerimento, e por outro, às declarações efetuadas por quem se apresenta à revitalização, aqui residindo o único controlo material que pode fazer [vd., a este propósito, o Acórdão de 15.11.2012, do Tribunal da Relação do Porto (Rel.: José Andrade), in: www.dgsi.pt]. Contudo, no presente caso, e tal como referido, são os próprios requerentes, nas suas alegações e através da documentação que juntam, que dão a conhecer a sua situação de insolvência atual”.
Insurgem-se os Apelantes contra a decisão recorrida com os seguintes fundamentos:
- não incumbirá ao juiz proceder a uma indagação oficiosa acerca da situação de insolvência iminente/atual do devedor e muito menos da sua recuperabilidade, excecionados os casos de abuso manifesto do recurso a tal meio pré-insolvencial;
- no despacho de não admissão do PEAP o Douto tribunal veio efetivamente, indagar oficiosamente acerca da situação (ou não) da insolvência dos requerentes!
- em momento algum os requerentes confessam estar insolventes, seja iminente e dependente de apresentação, ou atual permitindo ser requerida, mas, tão só, em situação económica difícil;
- a decisão recorrida foi mais além do que a Lei lhe permite, porquanto, como o douto despacho aliás reconhece, a análise inicial que o julgador pode fazer aquando da prolação do despacho a que alude o artigo 222.º-C, n.º 4, do CIRE está limitada, por um lado, aos aspetos formais do requerimento, e por outro, às declarações efetuadas por quem se apresenta à revitalização;
- de qualquer modo, os requerentes encontram-se meramente, quando muito, em situação de insolvência iminente.
Vejamos, assim, se o tribunal ao apreciar a insolvabilidade dos requerentes ultrapassou os poderes que lhe são concedidos aquando do despacho de admissão do requerimento de apresentação ao PEAP.
Em caso negativo, haverá ainda que apreciar se os elementos disponíveis permitiam concluir pela insolvência atual.
1. Se é admissível o indeferimento liminar do requerimento de apresentação do PEAP com fundamento em que o requerente se encontra em situação de insolvência atual.
Dispondo o artigo 222-Cº do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que “recebido o requerimento” pelo qual o devedor comunica a sua manifestação de vontade de encetar negociações com os credores, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se
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