Acórdão nº 13542/20.2T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-09-27

Data de Julgamento27 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão13542/20.2T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 13542/20.2T8PRT.P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto - Juiz 9]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria da Luz Seabra
Adjunto: Artur Dionísio Oliveira

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
AA intentou a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra BB, X... - COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS, S.A. e COMISSÃO PARA O ACOMPANHAMENTO DOS AUXILIARES DE JUSTIÇA (CAAJ) – entidade gestora do Fundo de Garantia dos Agentes de Execução.
Com fundamento em alegada conduta ilícita e culposa do primeiro Réu, no âmbito do exercício das suas funções enquanto agente de execução, e na existência de seguro de responsabilidade civil firmado com a segunda Ré, pediu a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia global de 42.738,50 euros, acrescida de juros de mora contados vencidos e vincendos, a título de reembolso da quantia indevidamente retida pelo 1.º Réu e indemnização por danos patrimoniais e morais sofridos.
2.
Apenas as 2.ª e 3.ª Rés contestaram.
A 2.ª Ré, aceitando a sua qualidade de seguradora no âmbito de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, sustentou, para além do mais, estar a alegada conduta do 1.º Réu excluída do âmbito de cobertura da apólice, e daí que deva a ação improceder.
A 3.ª Ré defendeu não recair sobre si qualquer obrigação de indemnizar, concluindo que apenas poderá ser condenada a reembolsar o autor nos termos previstos no art.º 176.º do EOSAE e do Regulamento n.º 172/2014.
3.
O Autor pugnou pela improcedência das exceções invocadas.
4.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Nestes termos, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
a)
- condeno o réu BB a pagar ao autor a quantia de 32.932,50 euros (trinta e dois mil novecentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida dos juros de mora contados, à taxa legal, desde 20/9/2010 até integral pagamento e calculados à taxa legal;
- condeno o réu BB a pagar ao autor a quantia de, de 3.000,00 euros (três mil euros), a título de indemnização pelos danos morais provocados, acrescida dos juros de mora contados, à taxa legal, a data da citação para a presente ação, até integral pagamento e calculados à taxa legal;
- no mais, vai o réu BB absolvido do pedido.
b)
- absolvo a ré X... - Companhia Portuguesa de Seguros, SA de todos os pedidos contra si formulados pelo autor.
c)
- condeno a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, entidade gestora do Fundo de Garantia dos Agentes de Execução a reembolsar o autor pela atuação do 1.º réu mas na medida da quantia que lhe vier a caber em rateio por referência à quantia devida no montante de 32.932,50 euros e após a conclusão da liquidação do escritório daquele e demais diligências previstas no art.º 5.º do Regulamento n.º 172/2014, de 23/4.
- no mais, vai a ré Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, entidade gestora do Fundo de Garantia dos Agentes de Execução absolvida do pedido.
*
Custas a cargo do autor na proporção do seu decaimento, mas sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza – art.º 527.º do Código de Processo Civil.
A ré Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça, entidade gestora do Fundo de Garantia dos Agentes de Execução está isenta de custas.]
5.
Inconformado com a sentença, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – Vem o presente recurso interposto da decisão, de absolvição de todos os pedidos da segunda R Seguradora, bem como da não condenação da terceira R CAAJ, quanto aos danos não patrimoniais.
2.ª – A douta sentença dá como provado no ponto 16, que aqui se dá por integrado e reproduzido, que foi acordada exclusão de todas as reclamações resultantes de furto, roubo, apropriação ilegítima de bens por parte do segurado ou dos seus auxiliares e substitutos, bem como resultantes da responsabilidade criminal, contraordenacional ou disciplinar.
3.ª – Tal facto não se encontra fundamentado em qualquer prova testemunhal ou documental.
4.ª – Concretamente da alínea c) do ponto 2 da douta sentença designado Convicção não consta qualquer documento, designadamente a apólice de seguro, ou qualquer testemunha que possa fundamentar a prova do referido facto.
5.ª – Apesar de tal facto, a meritíssima juíza fundamentou, exclusivamente, a sua decisão no referido facto.
6.ª – Não foi efetuada qualquer prova testemunhal quanto ao teor da referida cláusula de exclusão.
7.ª – Violou, assim, a douta sentença, o dever de fundamentação previsto no artigo 154 do CPC. bem como o disposto no artigo 607, nº 4 do CPC.
8.ª – Nos termos e para os efeitos do disposto no ponto 1 do artigo 640 do CPC, o Recorrente especifica como incorretamente julgado o ponto 16 da matéria provada; a inexistência de qualquer meio probatório, quer testemunhal quer documental impõem decisão diversa; deve o referido facto ser julgado como não provado.
9.ª – Ao dar como provado o facto constante do ponto 16, sem qualquer prova e ao fundamentar a sua decisão de absolvição da segunda R unicamente em tal facto, incorreu a douta sentença em manifesto erro de julgamento.
10.ª – O contrato de seguro em causa não foi contratado pelo primeiro Réu, mas sim pela Câmara de Solicitadores, sendo o mesmo manifestamente um contrato de adesão, sendo a cláusula em causa, manifestamente abusiva nos termos do Dec-Lei 446/85.
11.ª – Da análise do teor de tal cláusula resulta exclusão total de qualquer responsabilidade, uma vez que consta do mesmo concretamente: “E a responsabilidade criminal, contraordenacional ou disciplinar.”
12.ª – Ao não analisar o teor da cláusula em causa, não fez a meritíssima juíza uma análise crítica das provas como impõe o nº 4 do Artigo 607 do CPC.
13.ª – O AE, aqui primeiro Réu não contratou qualquer outro seguro, pelo que a entender-se exclusão dada como provada na douta sentença, violou o disposto no nº 2 do Artigo 15 do Código Deontológico dos Solicitadores. Uma vez que tal dispositivo legal exige que o solicitador tenha um seguro válido com vista a assegurar os montantes indemnizatórios resultantes da sua atividade.
14.ª – Tal omissão/falha encontra-se coberta pela cláusula constante do ponto 16 da matéria dada como provada.
15.ª – A terceira R foi erradamente absolvida do pedido referente aos danos não patrimoniais, com base no disposto no Artigo 176 do Estatuto da Ordem dos Solicitadores, que expressamente refere que o fundo tem como função substituir-se ao AE, pelo que deve a terceira Ré ser condenada a pagar ao A todos os montantes em que o primeiro Réu foi condenado, designadamente referente a danos não patrimoniais e a juros.
16.ª – Sob pena de violação do disposto no Artigo 2º do CPC, deve ser fixado à terceira R um prazo razoável para o cumprimento da condenação que vier a ser fixada.
17.ª – Deve pois a Segunda Ré ser condenada a pagar ao A as importâncias a que o Primeiro Réu foi condenado, e a Terceira Ré condenada a pagar os danos não patrimoniais, fixando-se, para o efeito um prazo razoável.
6.
Contra-alegou a Ré “OCIDENTAL”, pugnando pela improcedência do recurso
II.
OBJETO DO RECURSO
Partindo das conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), as questões estruturais que importa decidir nos presentes recursos, são as seguintes:
a) Alteração da decisão da matéria de facto, por erro de julgamento;
b) Âmbito de cobertura do contrato de seguro de responsabilidade celebrado com a segunda Ré; e
c) Obrigação de indemnizar por parte da terceira Ré no respeitante a danos não patrimoniais e juros de mora.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1.
Factos julgados provados
O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1 – Por acórdão proferido no processo crime n.º 9601/13.6TDPRT que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto, perante o Juiz 3, já transitado em julgado, o 1.º Réu foi condenado na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, pela prática de um crime de peculato, no exercício da sua atividade de agente de execução.
2 – Em 26/5/2014 o autor deduziu, no processo crime, um pedido de indemnização civil contra as Rés, tendo por despacho, datado de 28/10/2014, as partes sido remetidas para os meios comuns; despacho esse que veio a ser confirmado pelo Tribunal da Relação, por decisão singular proferida em 16/9/2016.
3 – O 1.º Réu exerceu as funções de agente de execução, com a cédula profissional n.º ... até 16/1/2014.
4 – A 3/2/2005, o autor instaurou uma ação executiva que correu termos nos Juízos de Execução do Porto, perante o 1.º Juízo, 3.ª secção, sob o n.º 11512/05.0YYPRT, onde reclamava dos executados, CC e DD, a quantia de 37.370,00 euros e na qual o 1.º réu exerceu as funções de agente de execução.
5 – Em 3/12/2008, o 1.º Réu, no exercício das suas funções de AE, procedeu à penhora do imóvel correspondente ao 4.º andar esquerdo frente, designado pela fração “Q”, com entrada pelo n.º ... do prédio situado na Rua ..., ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na CRP do Porto sob o n.º ..., com o valor patrimonial de 39.713,67 euros.
6 – No dia 14/12/2013, o 1.º Réu, no exercício das funções de AE, adjudicou o imóvel penhorado a EE,
...

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