Acórdão nº 1324/13.2TAVLG.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 02-11-2022

Data de Julgamento02 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão1324/13.2TAVLG.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1324/13.2TAVLG.P2
2ª Secção Criminal- Tribunal da Relação do Porto.


Relatório:
Por despacho de fls. 812/815v decidiu-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, devendo a arguida AA, devidamente identificada, proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenada, a qual se computa em 240 dias (descontadas as 10 horas de trabalho prestadas) à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a multa global de €1.320 (mil trezentos e vinte euros).

Contra a decisão veio o arguido recorrer, com as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo procedeu à revogação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade, determinando o pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenada, ou seja, em 240 dias, à taxa diária de €5,50, perfazendo o valor total de €1.320,00.
II. A arguida não se conforma com o douto despacho revogatório considerando que nele se violaram os artigos 58 e 59, do Código Penal.
III. Na douta decisão posta em crise consta apenas, como fundamento para revogação da pena de substituição, ao abrigo do nº 1, alíneas a) e b), do artigo 59 do Código Penal, que a arguida coloca sistematicamente entreves ao cumprimento da pena, sem qualquer justificação plausível.
IV. Discorda-se do douto entendimento do Tribunal a quo, por entendermos que a decisão de revogação de prestação de trabalho a favor da comunidade não deverá equivaler, in casu, à mera soma dos impedimentos.
V. Na verdade, o Tribunal a quo não teve em consideração o último evento, verdadeiramente impeditivo de prestação de qualquer trabalho, constituindo um evento externo e alheio à vontade da Recorrente.
VI. Verifique-se que o último entrave para realização do trabalho a favor da comunidade foi, precisamente, um acidente de trabalho, devidamente comprovado, cujos documentos foram juntos aos autos.
VII. De facto, a Recorrente comprovou ter sofrido um acidente de trabalho, através de relatórios médicos, constituindo tal evento um verdadeiro impedimento de teor médico, que influenciara toda a sua vida, inclusivamente para poder cumprir os seus deveres impostos por sentença condenatória.
VIII. Ora, tal circunstancialismo não pode ser relacionado com as situações anteriores, uma vez que enforma um evento (ainda mais) determinante para ter impedido, a Arguida, de cumprir o seu dever.
IX. Não estão comprovados nos autos, os fundamentos de facto ou de direito referidos no artigo 59 nº 1, do Código Penal, que determinam a revogação da pena de substituição aplicada à Arguida, pois:
X. A Arguida nunca teve intenção de “brincar” com o Tribunal.
XI. Não recusou sem justa causa a prestação de trabalho,
XII. Não infringiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena em que foi condenada.
XIII. A arguida não desprezou ou infringiu grosseiramente a mesma pena de substituição que lhe foi aplicada, sendo notório que não se colocou dolosa ou intencionalmente em condições de não cumprir a pena.
XIV. In totum, não se encontram cabalmente verificadas as infracções grosseira e repetida.
XV. Não existem fundamentos para determinar o pagamento da multa através da revogação do trabalho a favor da comunidade, tanto é que, na presente data, a Recorrente não tem meios para proceder ao pagamento do valor de €1.320,00.
XVI. Estando inteiramente disponível para reatar as suas obrigações, através de trabalho comunitário, conforme foi requerido pela mesma.
XVII. Ainda será possível à Recorrente a subsistência da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, concedendo-lhe a derradeira possibilidade de proceder ao cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade.
XVIII. Pelo que se pugna pela manutenção da prestação de trabalho a favor da comunidade.

Resposta do MP:
1ª No âmbito dos presentes autos no dia 25-11-2015 proferida sentença, a qual transitou em julgado no dia 07-01-2016, a qual condenou a recorrente pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo disposto no artigo 205, nº 1 e 4 alª a) do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €5,50, o que perfaz a quantia global de €1.375,00 (mil trezentos e setenta e cinco euros).
2ª Em 11 de Outubro de 2016 a arguida veio requerer a substituição da ena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58 do Código Penal.
3ª Tal pretensão mereceu deferimento por douto despacho proferido em 21 de Setembro de 2017.
4ª A arguida apenas compareceu, pela primeira vez na EBT no dia 8/06/2019 apenas tendo realizado 6 horas.
5ª A DGRSP informou, por diversas vezes, os autos das dificuldades em contactar com a arguida, da falta de comparecia desta nas entrevistas e na EBT.
6ª Em 22 de Setembro de 2021 a DGRSP informou que a arguida prestou 2 horas no dia 01 de Fevereiro e 2h no dia 8 de Fevereiro de 2020
7ª A arguida esteve desde 8 de Junho de 2019 e até 01 de Fevereiro de 2020 sem prestar qualquer hora de trabalho a favor da comunidade.
8ª Está bem patente no processo o desinteresse demonstrado pela condenada em prestar trabalho (desde 21.09.2017 – data em que foi proferido despacho a conceder a possibilidade da condenada prestar trabalho em substituição da pena de multa e até à presente data a condenada apenas cumpriu:
- no dia 8 de Junho de 2019, 6 horas
- no dia 1 de Fevereiro de 2020, 2 horas,
- no dia 8 de Fevereiro de 2020, 2 horas.
9ª Por conseguinte, se a condenada quisesse realmente cumprir a pena de multa através da prestação de trabalho teve a oportunidade durante os últimos anos de o fazer.
10ª De acordo com o artigo 59, nº 1 o Código Penal a prestação de trabalho só pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução ultrapassar 30 meses.
11º A arguida não alegou, nem juntou aos autos qualquer prova de que o acidente de trabalho que sofreu consubstancie “motivo grave de ordem médica”, que a impeça de prestar trabalho.
12ª Mesmo que estivéssemos perante “motivo grave de ordem médica”, a verdade é que nunca estaria verificado o pressuposto exigido pelo aludido artº 59, nº 1 do Código Penal, designadamente que o tempo de execução não ultrapassasse os 30 meses, na medida em que em face dos sucessivos incumprimentos pela arguida na prestação de trabalho já se mostra integralmente decorrido esse lapso temporal.
13ª Como decorre dos autos, a condenada recusa-se voluntariamente a cumprir a prestação de trabalho a favor da comunidade como foi determinado, comprometendo-se por diversas vezes a comparecer perante a DGRSP e a EBT sem que, contudo, o venha a fazer apresentando sempre desculpas por forma a protelar no tempo o cumprimento da pena (alegando motivos de saúde da própria ou de familiar, questões laborais).
14ª Destarte, considero que se mostra inviável o cumprimento da prestação de trabalho pela condenada, pelo que bem andou o Tribunal ao revogar a prestação de trabalho a favor da comunidade ordenando a liquidação da pena de multa em dívida, nos termos do disposto no artigo 59 ex viartigo 48, nº 2 ambos do Código Penal.
15ª O despacho ora colocado em crise não viola quaisquer disposições legais.

A fls. 841/843, neste Tribunal Superior, pela mão da Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, foi elaborado parecer reiterando os argumentos da decisão e resposta a quo, no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Mantém-se a regularidade da instância.
Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

Do despacho recorrido.
A arguida AA, por sentença transitada em julgado, foi condenada pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artº 205 do Código Penal, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €5,50, perfazendo a multa global de €1.375 (mil trezentos e setenta e cinco euros).
Mediante requerimento de fls. 559 a 561, veio a arguida requerer a substituição da pena de multa, que nestes autos lhe foi aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade, alegando que, não dispõe de condições económicas que lhe permitam proceder ao pagamento daquela em prestações.
Na sequência do requerido e após ter sido solicitado e junto aos autos pela DGRSP o competente relatório de caracterização profissional, em Setembro de 2017 foi deferida a pretensão da arguida, autorizando-se a mesma a cumprir 250 horas de trabalho a favor da comunidade no Complexo Municipal de Piscinas..., aos sábados, no período da manhã, em substituição da aludida pena de multa em que foi condenada.
Sucede, porém, que a fls. 746, veio a DGRSP informar que a condenada não havia comparecido à entrevista para início de execução da medida, tendo sido realizadas várias tentativas de contacto, as quais se revelaram infrutíferas. Notificada a condenada para esclarecer o que, em face de tal informação, tivesse por conveniente, nada disse, tendo sido designada data para audição da condenada, conforme auto de fls. 752, tendo a mesma referido que atravessou período de problemas de saúde, sofrendo de uma depressão, tendo iniciado, em Setembro de 2017, um trabalho em organismo escolar, das 11h às 19 horas, todos os dias úteis da semana, manifestando disponibilidade e vontade em cumprir a pena de substituição, razão pela qual por despacho datado de 22 de Março se decidiu não revogar a pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, determinando-se, então, que a condenada iniciasse, de imediato, o cumprimento da mesma.
Mediante ofício de fls. 796, veio a DGRSP dar conta do comportamento reiterado de incumprimento por parte da arguida, razão pela qual tomaram-se-lhe novas declarações apresentando a mesma como justificação a circunstância de o filho se encontrar doente prevendo alta médica para o mesmo
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