Acórdão nº 130/21.5YHLSB.L2-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-10-2022

Data de Julgamento26 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão130/21.5YHLSB.L2-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
MERCK SHARP & DOHME, CORP. e MERCK SHARP & DOHME, LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram contra AS GRINDEKS, Sociedade neles também melhor identificada, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum.
Na decisão da qual o presente recurso vem interposto, o Tribunal «a quo» descreveu aquelas que considerou as mais relevantes ocorrências processuais, o que fez nos seguintes termos:
MERCK SHARP & DOHME, CORP e MERCK SHARP & DOHME, LDA demandam nesta ação especial a ré AS GRINDEKS pedindo:
- que a Ré seja condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 140.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor;
b) que a ré Ré seja condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 141.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor;
c) que a ré seja condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que compreendam a substância ativa Sitagliptina, isoladamente ou em associação com outras substâncias ativas, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor; e
d) que a Ré seja condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que compreendam a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor.
Alegaram em síntese:
- Que a Primeira Autora é titular da EP 1 412 357 que protege, além do mais a SITAGLIPTINA e titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 278 que abrange a SITAGLIPTINA.
- Que a Segunda Autora é licenciada da Primeira Autora.
- Que a Ré requereu AIMs para medicamentos contendo SITAGLIPTINA como substância ativa.
A ré foi citada e deduziu oposição tendo suscitado exceção de falta de interesse em agir, que o Tribunal da Relação de lisboa julgou improcedente e pedindo a improcedência da ação, alegando, em síntese, que não existe violação dos direitos da autora.

Tal decisão julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo a ré.
MERCK SHARP & DOHME, CORP. e MERCK SHARP & DOHME, LDA. vieram recorrer da mencionada decisão concluindo e pedindo que:
A. DA FALTA DE INTERESSE EM AGIR À INEXISTÊNCIA DE LITÍGIO: O TPI tem vindo a negar aos titulares de patentes (e de certificados complementares de proteção) o acesso aos tribunais para o exercício preventivo dos seus direitos, por via de ações instauradas ao abrigo da Lei 62/2011.
B. Embora se traduza num caminho nem sempre consistente (já que variam os fundamentos, sendo o principal o de uma alegada falta de interesse em agir), o TPI continua a resistir em julgar efetivamente as ações intentadas ao abrigo da Lei 62/2011, não obstante a prolação de dezenas de decisões dos tribunais de recurso que têm vindo a declarar reiteradamente o interesse em agir nas ações intentadas ao abrigo da Lei 62/2011 na sequência da publicitação de pedidos de AIM.
C. Para tal o TPI vem agora trazer um aparentemente novo argumento para terminar estas ações: a suposta inexistência de um litígio, circunstância essa que, no entender do Tribunal a quo, conduziria inexoravelmente a ação à sua improcedência.
D. No entanto, as decisões são substancialmente idênticas, sendo proferidas apenas para contornar tal jurisprudência reiterada dos tribunais superiores, em manifesta violação dos artigos 3.º e 203.º da CRP (por se recusar a dar cumprimento à Lei) mas também o artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que determina expressamente “o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”, e no caso dos autos, violando inclusivamente caso julgado formal proferido, contra o que se dispõe nos artigos 613.º, 620.º e 628.º todos do CPC.
E. DO OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto da Sentença datada de 21 de abril de 2022, quanto (i) à parte da decisão sobre a matéria de facto e (ii) à decisão de absolvição da Ré, aqui Recorrida, dos pedidos.
F. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Deve ser modificado o facto b) constante da Decisão Recorrida, por se encontrar provado por documento autêntico junto à Petição Inicial (cf. Doc. n.º 2) que a EP 357 protege não só a substância ativa Sitagliptina como também a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina: passando a dispor que “A EP 1 412 357 foi pedida ao Instituto Europeu de Patentes em 05.07.2002, tendo sido publicada a menção da sua concessão no Boletim da Patente Europeia n.º 2006/12 (cf. cit. Doc. n.º 2) e protege, além do mais, a SITAGLIPTINA e a ASSOCIAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS ATIVAS SITAGLIPTINA E METFORMINA”
G. Deve ser modificado o facto d) constante da Decisão Recorrida, por tratar de mero lapso que as AIMs para medicamentos contendo Sitagliptina tenham sido requeridas em 16 de dezembro de 2020, pois na verdade essa foi a data da sua publicitação, encontrando-se esse facto provado através de documentos autênticos (cf. Doc.s n.ºs 14 a 16 juntos à Petição Inicial) e tendo esse facto sido aceite pela ora Recorrida na sua Contestação. Assim, o facto deverá passar a dispor que “Em 16 de dezembro de 2020, foram publicitadas as AIMs que a Ré requereu, em 13 de novembro de 2020, para medicamentos contendo SITAGLIPTINA como substância ativa”.
H. Deve ser incluído um facto novo respeitante à titularidade e âmbito de proteção do CCP 339, invocado nestes autos pelas Recorrentes, uma vez que tal se encontra provado através de documento autêntico cuja autenticidade não foi posta em causa pela Recorrida. Assim, resulta do Doc. n.º 4 junto à Petição Inicial que a Primeira Autora é titular do CCP 339, sendo a Segunda Autora sua licenciada, e ainda que o CCP 339 protege a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina. Deve, assim, este Tribunal dar como provado que que “A Primeira Autora é titular, sendo a Segunda Autora sua licenciada, do Certificado Complementar de Proteção n.º 339 que abrange a SITAGLIPTINA / (CLORIDRATO DE) METFORMINA”.
I. Deve ser também incluído um facto novo respeitante à apresentação de pedidos de AIM pela Recorrida para medicamentos genéricos compreendendo a associação de substâncias ativas Sitagliptina e Metformina, nas dosagens de 50mg + 850mg e 50mg + 1000mg, uma vez que tal foi devidamente alegado na Petição Inicial, comprovado através dos Doc.s n.os 17 e 18 (que são documentos autênticos) e foi expressamente aceite pela ora Recorrida na sua Contestação. Assim, deve este Tribunal dar como provado que “Em 30 de dezembro de 2020, foram publicitadas as AIMs que a Ré requereu, em 20 de novembro de 2020, para medicamentos compreendendo sitagliptina e metformina como substâncias ativas”.
J. Por fim, foi também alegado na Petição Inicial que a Ré nunca obteve autorização das Recorrentes para explorar as invenções protegidas pela EP ‘397, CCP 279 e CCP 339 e, apesar de tal facto ter sido genericamente impugnado na sua Contestação, a verdade é que não resulta de qualquer ponto da defesa que tal não corresponda à verdade. Assim, deverá este Tribunal dar como provado que “A Ré nunca obtive autorização para explorar, por qualquer meio, as invenções protegidas pela EP ‘397 e pelos CCPs 278 e 339”.
K. RECURSO DA SENTENÇA – DO MÉRITO QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO: Afirma-se na Decisão Recorrida que “inexiste um litígio” que coubesse ao tribunal solucionar, o que implicaria a absolvição da Recorrida do pedido, mas em lado algum do nosso ordenamento se estabelece a pré-existência de um “litígio” como pressuposto do direito de ação ou do pedido.
L. Aliás, o CPC só emprega a palavra “litígio” para designar o conjunto das posições das partes no processo – ou seja, o próprio pleito.
M. O primeiro e principal argumento, utilizado na Decisão Recorrida, reiterando o que já se afirmara na Primeira Sentença e já censurado por este Tribunal ad quem na Decisão Singular de 22 de março de 2022, é indiscutível para todos – o de o pedido de AIM não consubstanciar um ato ilícito.
N. Porém, entende o Tribunal a quo que seria necessária a existência de violação dos direitos invocados para que houvesse interesse em agir das Autoras para iniciar a presente ação – ou para que “existisse um litígio”, na nova formulação adotada na Decisão Recorrida – parecendo, pois, o Tribunal a quo desconhecer o conceito de ações preventivas de condenação, repetida e enfaticamente consagradas no nosso ordenamento jurídico e.g. nos artigos 20.º, n.º 5, da CRP, 2.º, n.º 2 e 10.º, n.º 3, alínea b), do CPC e artigo 3.º, n.º 1, da Lei 62/2011, e todas violadas na Decisão Recorrida.
O. Estas normas apenas exigem que se verifique um risco de violação e não que a violação ocorra realmente, como insiste o Tribunal a quo com o que já afirmara em anterior decisão – a Primeira Sentença já sancionada por este Tribunal ad quem – em estrita inobservância do já decidido nos presentes autos: “porque assim é, está clara e suficientemente alegado o risco/perigo de violação dos direitos de propriedade industrial titulados pelas
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