Acórdão nº 12939/21.5T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 13-07-2023

Data de Julgamento13 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão12939/21.5T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
FUTURE CROWN, LDA., sociedade por quotas com o NIPC 514.463.627, com sede no Largo do Pinheiro, 3-A, Vale Fetal, Freguesia de Charneca e Sobreda, 2820-473 Charneca da Caparica intentou contra CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Avenida Casal Ribeiro, 14, 1000-092 Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) A condenação da ré no pagamento à autora da quantia de 21.479,54€, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.
Alegou para tanto, muito em síntese, o seguinte, concluindo pela improcedência da acção (cf. Ref. Elect. 29364982):
=>A autora desenvolve a actividade de transporte de passageiros em sistema de TVDE, prestando serviços a variadas plataformas de TVDE[1], para o que possuía o veículo automóvel Toyota Auris Touring Sport Diesel, com a matrícula ..-UQ-.., com o qual prestava serviço às referidas plataformas, de forma constante, até 24 de Julho de 2020, mediante uma remuneração determinada, conforme o acordado com estas;
=> No dia 24 de Julho de 2020, pelas 22 h. e 45 min, em Lisboa, ocorreu um sinistro automóvel que envolveu o referido veículo e um outro, de matrícula ..-..-LX, segurado na ré, cuja condutora não observou o sinal triangular de cedência de prioridade e embateu no veículo UQ, provocando-lhe danos, que determinaram a perda total deste;
=> A partir do sinistro, a autora deixou de realizar qualquer serviço com o referido veículo automóvel e de auferir a remuneração por qualquer serviço;
=> A perda total do veículo foi indemnizada pela Ageas Portugal, com quem a autora celebrou um contrato de seguro por danos próprios, mas os danos decorrentes da impossibilidade de usar o veículo na sua actividade produtiva não foram indemnizados pela sua seguradora por não estarem a coberto da referida apólice;
=> Entre 24 de Julho de 2020 e, pelo menos, o dia 21 de Setembro de 2020 (período de 59 dias), a autora não dispunha de veículo automóvel para trabalhar no âmbito da sua actividade produtiva de transporte de passageiros, o que implicou redução da sua facturação e lucros;
=> A autora solicitou à ré, em 22 de Setembro de 2020 o pagamento do valor diário de 120,00€ entre a data do acidente e a data da conclusão do processo referente ao sinistro, valor que esta não aceitou, solicitando o comprovativo fiscal dos rendimentos, tendo enviado o IES referente a 2019, ano em que facturou o valor de 132.883,06€, no exercício da sua actividade de TVDE, o que equivale a um valor diário de facturação de 364,06€;
=> A ré recusou indemnizar a autora.
A ré seguradora contestou a acção alegando, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 29611840):
* Impugna os factos alegados e atinentes aos danos patrimoniais peticionados;
* O sinistro foi totalmente regularizado no âmbito da Convenção entre seguradoras, denominada IDS (Indemnização Directa ao Segurado), tendo a seguradora Ageas indemnizado directamente a autora de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo a indemnização correspondente à paralisação/imobilização da viatura pelo período de 18 dias, à razão diária de 61,32€, no valor de 1.103,76€;
* O cálculo apresentado pela autora está incorrecto, porque esta tinha outras viaturas para exercer a sua actividade durante todo o ano de 2020, pelo que não pode peticionar a indemnização como se a facturação tivesse sido reduzida a zero;
* Durante o ano de 2020 a autora não poderia ter a mesma facturação do ano 2019 atenta a pandemia verificada;
* O valor diário peticionado é exagerado em relação ao previsto para veículos automóveis, com a função de transporte de passageiros, em sistema/plataforma de TVDE, a operarem em Portugal, sendo que os valores que a autora tem vindo a reclamar à ré são muito diferentes do agora indicado.
Em 29 de Setembro de 2022 foi dispensada a realização de audiência prévia, foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova, tendo sido, desde logo, considerados assentes diversos factos (cf. Ref. Elect. 419022251).
Realizada a audiência de julgamento, em 23 de Fevereiro de 2023 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, contendo o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 422483746):
“a. Condeno a ré CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, a pagar à autora, a título de indemnização, a quantia de €2.514,12 (dois mil quinhentos e catorze euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, devidos desde a presente data;
b. Condeno autora e ré no pagamento das custas do processo, na proporção, para a autora, de 85%.”
Inconformada com tal decisão, veio a autora interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 35535585):
I. O presente recurso tem por objecto a douta sentença supra indicada, datada de 23.02.2023, que pôs termo ao processo que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a recorrida no pagamento de uma indemnização de 61,32€ por cada um dos 59 dias de imobilização do veículo sinistrado da autora, a título de lucros cessantes, tendo, ademais, deduzido, ao valor final apurado (3617,88€) o valor de 1103,76€ (valor pago pela seguradora da recorrente a esta, antes da instauração da presente acção).
II. A recorrente não concorda com o valor diário apurado pelo Tribuna a quo, e considera que o mesmo viola os critérios apontados pelo art.º 566.º/3 CC.
III. Com efeito e nos termos do referido preceito normativo, o Tribunal deve fixar a indemnização com recurso a critérios de equidade, “dentro dos limites que tiver por provados” no processo, visto não ser possível a reconstituição natural.
IV. Ficou provado que: a) a recorrente laborou no ano de 2019 e 2020 com 3 veículos automóveis (ponto 23 da matéria assente); b) que, no ano de 2019, a recorrente obteve rendimentos brutos de 132.883,96€ (ponto 24 da matéria assente); c) que desde 24.07.2020 a recorrente deixou de realizar qualquer serviço com o veículo sinistrado (ponto 9 da matéria assente); d) em 21.09.2020 a recorrente aceitou a indemnização pela perda total do veículo.
V. O Tribunal a quo considerou assim 59 dias de imobilização e de consequente perda de lucros com a actividade da recorrente, mas não deu, aos demais pontos assentes, o tratamento imposto pelo art.º 566.º/3 CC.
VI. Com efeito e de acordo com os limites dados como provados nos autos, o Tribunal a quo deveria ter considerado que o valor diário, a título de lucros cessantes, equitativamente mais acertado, corresponderá ao resultado da divisão do valor de 132.883,96€ por 365 dias do ano, o que perfaz o valor de 364,06€;
VII. E, tendo considerado que tal valor era manifestamente superior ao devido, deveria o Tribunal a quo ter dividido tal valor pelo número de veículos que considerou que a recorrente tinha à sua disposição, i.e., 3 veículos, o que daria o valor de 121,35€,
VIII. E, seguidamente, multiplicado tal valor pelo número de dias de imobilização, i.e., 59 dias, o que perfaz o valor de 7.159,65€.
IX. Por outro lado, não deveria o Tribunal a quo ter considerado que o ano de 2020 (ano em que se iniciou a pandemia de Covid-19) se caracterizou por uma contracção acentuada na actividade na área dos transportes;
X. Com efeito, sendo notória a verificação da pandemia de Covid-19, também é notório que a actividade de transporte de passageiros em regime de TVDE (que era a actividade da recorrente, cfr. ponto 4 da matéria assente) não sofreu restrições impostas pelos órgãos de soberania; e que a actividade da recorrente, conforme descrita no ponto 4 da matéria assente, consiste em transporte de passageiros em regime de TVDE em automóveis ligeiros, o que significa que consistia em transporte individual (e não colectivo);
XI. As restrições impostas na sequência do surgimento da pandemia visavam evitar contactos entre os cidadãos, de modo a evitar a propagação do vírus; ora, tais restrições eram mais visíveis na área dos transportes colectivos (com o distanciamento social), o que impulsionou a utilização, pelos cidadãos, de transportes individuais – e tal circunstância é igualmente notória, devendo ser tomada em linha de conta na decisão (cfr. art.º 412.º/1 e 2 do CPC).
XII. Foram violados os art.º 566.º/3 do CC (porquanto o Tribunal a quo não observou os parâmetros aí indicados na fixação do montante diário da indemnização) e o art.º 412.º/1 e 2 do CPC.
XIII. Pelo que deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que determine a procedência parcial da acção, com a fixação do valor indemnizatório diário no valor mínimo de 121,35€,
XIV. E, neste segundo caso, ser a recorrida condenada no pagamento da indemnização de 7.159,65€.
A ré/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 35874631).
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[2], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Em face das alegações da recorrente há que apreciar, tão-somente, a adequação do valor atribuído a título de indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Foram dados como provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade comercial por
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