Acórdão nº 1287/19.0T9ESP-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-19

Ano2022
Número Acordão1287/19.0T9ESP-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 1287/19.0T9ESP-A.P1

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:

Inconformado com o despacho datado de 20/01/2022 em que, no que ora importa salientar, se decidiu, porque manifestamente inadmissível, rejeitar/liminarmente o pedido de indemnização cível formulado pelo assistente “condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal denominado Edifício ...”, este veio interpor recurso do mesmo nos termos constantes dos autos, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

1. Os arguidos AA e BB foram acusados pelo MP da comissão em coautoria material, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança, p. e p. no artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b), do CP, por existirem indícios suficientes de que se terão apropriado da quantia de € 87.748,63 pertencente ao assistente condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal denominado “Edifício ...”, sito na Rua ..., em Espinho.

2. O assistente deduziu acusação particular aderindo à acusação pública produzida nos autos, nos termos do disposto no artigo 284.º, n.º 2 do CPP, bem como formulou, ainda, pedido de indemnização civil contra os arguidos.

3. No dito pedido de indemnização civil, o assistente peticionou que os arguidos fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 15.375,00, acrescida de juros calculados à taxa anual legal de 4%, contados da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.

4. Tal quantia respeita aos honorários que o assistente pagou pela prestação de serviços correspondentes ao exercício do mandato judicial, por advogado que contratou para propositura e instrução de diversas acções judiciais tendentes a obter a restituição efectiva, por parte dos arguidos, do dinheiro de cuja apropriação se encontram acusados.

5. Por douto despacho proferido a fls… dos autos, o tribunal a quo decidiu que o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente é “(…) manifestamente inadmissível (…)”, rejeitando-o liminarmente, nos termos do disposto no artigo 71.º, a contrario, do CPP.

6. Para tanto, o tribunal a quo, sustentou, em síntese, o seguinte:
a) que o pedido de indemnização civil enxertado “(…) na acção penal tem de ter como causa de pedir o mesmo facto (penal e civilmente) ilícito, gerador da obrigação de indemnizar (…)”, sendo que, caso assim não seja, “(…) o juiz penal é materialmente incompetente para dele conhecer (…)”;
b) que, no caso dos autos, o pedido de pagamento de honorários “(…) escapa às situações de excepção que resultam do princípio da adesão, estatuído no artigo 71.º do CPP, únicas que suportam a intervenção do tribunal penal na causa cível para a qual é, em regra, materialmente incompetente”;
c) que inexiste nexo causal entre os factos imputados aos arguidos consubstanciadores do crime de abuso de confiança, p. e p. no artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b), do CP, e os honorários pagos ao advogado pela propositura e instrução das suprarreferidas acções judiciais, citando, em abono de tal entendimento, o decidido no Ac. do TRE de 04.05.2004, disponível em www.dgsi.pt;
d) que as despesas em que o assistente tenha eventualmente incorrido a título de custas processuais e/ou honorários de advogado deverão entrar em regra de custas de parte nas próprias acções que as motivaram, não podendo ser peticionadas a título de indemnizatório em pedido de indemnização civil enxertado na acção penal, até porque não se trata de danos provocados pelos factos penalmente tipificados de que os arguido se encontram acusados.

Ora,

7. Ao contrário do entendido pelo tribunal a quo, entre o facto ilícito de que os arguidos se encontram acusados (traduzido na apropriação de dinheiro do assistente) e o prejuízo invocado pelo assistente no seu pedido de indemnização civil (consistente no pagamento de honorários destinados a retribuir os serviços do advogado contratado para propositura de acções judiciais tendentes a assegurar a efectiva restituição do dito dinheiro), existe o necessário nexo de causalidade exigido pelo artigo 563.º do CC (cf. em abono de tal conclusão o expendido no Ac. Do TRP de 10.07.2019, proc. n.º 341/14.0GCVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt).

8. E, por isso, o dano que o assistente invoca no seu pedido de indemnização civil deverá ser indemnizado pelos arguidos.

Para além disso,

9. A aplicação do regime de custas de parte constante dos artigos 25.º e 26.º do RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26.02, não exclui a possibilidade de indemnização do dano consistente no pagamento de honorários de mandatário judicial, nomeadamente na parte que exceda o valor obtido de acordo com a aplicação daquele regime legal (cf. o sustentado a este propósito no Ac. do STA de 08.03.2005, proc. n.º 039934ª, disponível em www.dgsi.pt).

10. Razão pela qual o pedido de indemnização civil não poderia ser liminarmente rejeitado com este fundamento.

11. No caso vertente, encontram-se reunidos todos os pressupostos de que depende a admissibilidade de dedução de pedido de indemnização civil contra os arguidos no âmbito da acção penal, ao abrigo do princípio da adesão constante do artigo 71.º do CPP, uma vez que o prejuízo invocado pelo assistente foi causado pelos factos criminosos de que os arguidos se encontram acusados.

12. Assim sendo, ao rejeitar liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 563.º do CC, 25.º e 26.º do RCP e 71.º do CPP.

13. Impondo-se, por isso, a sua revogação e substituição por decisão que determine a admissão liminar do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, para sua apreciação juntamente com a acção penal.

O recurso foi regularmente admitido.

Do que se depreende, não houve respostas.

Neste tribunal, o Ex.mo PGA emitiu o parecer que consta dos autos e aqui tido como renovado, através do qual anotou que, quanto a esta temática, o Ministério Publico não tem interesse em agir, escapando-lhe legitimidade para tal, como se colhe do referido na conjugação dos artigos 401º, nºs. 1, al. a) e 2 e 413º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, “a contrario”, na medida em que neste concreto caso não é parte, nem representa a demandante cível, pelo que não foi dado cumprimento ao artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que aqui importa reter, o despacho recorrido é do teor seguinte (transcrição):

Autue como processo comum, com intervenção do Tribunal Singular.
*
...

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