Acórdão nº 128/23.9GBPBL.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-08

Ano2023
Número Acordão128/23.9GBPBL.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE POMBAL)
*

… o arguido … foi condenado pela prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no artigo 292.º nº 1 e 69.º n.º 1, al. a), do Código Penal, numa pena de 07 (sete) meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano.

Foi, ainda, determinada a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, sob vigilância eletrónica (OPHVE) sujeita às regras de conduta de o arguido: a) Fixar a sua residência na morada indicada; b) Manter boa conduta e integração a nível sociofamiliar e dentro dos parâmetros pró-sociais; c) Aceitar a tutela dos serviços de reinserção social da área da sua residência, cumprindo os deveres inerentes à fiscalização e ao controlo do integral cumprimento da pena de permanência na habitação, que lhe sejam comunicados, sujeita a regras de conduta; d) Aceitar a sua referenciação para unidade de saúde (consulta de alcoologia) para despiste de problemas de alcoolismo e submissão a tratamento se tal for determinado pelos serviços competentes se este der/mantiver essa autorização expressa.

… foram autorizadas genericamente saídas ao arguido pelo tempo estritamente necessário por razões de saúde ou necessidades de assistência médica; para a presença em diligências judiciais ou outras de natureza similar de urgência e imprevistas que a EVE - Equipa VE de ... – repute de razoáveis e necessárias e pelo tempo estritamente necessário.

Uma vez que o arguido e o agregado familiar também dependem dos proventos do trabalho do arguido, foi autorizado que o mesmo mantenha atividade profissional regular - de segunda a sexta feira – …

Inconformado, recorreu o arguido formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«…

B. A douta sentença recorrida apresenta uma originalidade a ponto de no tocante aos factos provados se mostrar muito mais do que aquilo que constituía a douta acusação pública … o Tribunal a quo foi mais longe do que constava em tal auto de notícia, conforme factos dados por provados 2.1.4 e 2.1.5, decorrendo do teor das actas das várias sessões de audiência de discussão e julgamento que nunca foi comunicada qualquer alteração, substancial ou não, de factos, com preclusão de contraditório;

C. A factualidade dada por assente sob os números 2.1.4 e 2.1.5 é assim inovatória, tendo o recorrente sido condenado por factos pelos quais não estava acusado …, sendo tal adição não previamente comunicada factor gerador de nulidade decisória, nos termos da alínea b) do art. 379º CPP, a qual expressamente se invoca por violação do art. 358º n.º 1 CPP;

D. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal concreta factualidade vertida no auto de notícia, … quando devia ter sido dado como não provado que o arguido tenha sido interceptado no exercício da condução e que tenha sido interceptado na via pública, …

E. Para a determinação da dosimetria penal o Tribunal a quo, a fls. 9 segundo parágrafo, refere que o arguido foi encontrado depois de uma condução errática num caminho e depois num terreno agrícola, após galgar um desnível da estrada de mais de um metro de altura mas tal condução errática e declive/desnível em um metro de altura não constam sequer da matéria de facto dada por provada, não podendo tal circunstancialismo, inovatório e não previamente comunicado, ser valorado em seu prejuízo!

F. O ponto de facto dado por provado 2.1.6, resultante do teor do douto relatório social junto aos autos, deve ser completado, …

I. A fls. 4 de douta sentença recorrida o Tribunal a quo refere que “A taxa de alcoolémia de que o mesmo era portador mostra-se compatível, de acordo com as regras da experiência com o dolo direto dos factos (art. 14.º n.º 1 do CP). Sem que se vislumbrem causas de exclusão a culpa ou da sua ilicitude.” mas, salvo o devido respeito, com semelhante taxa de alcoolémia não pode haver dolo directo dos factos pois inexistirá consciência ou discernimento plenos, …

K. Ao nível da fundamentação para a dosimetria penal e natureza da pena o Tribunal a quo a fls. 13, penúltimo parágrafo, refere “A personalidade evidenciada pelo arguido tem-se revelado algo avessa a imposições jurídico-penais, como o demonstram as suas sucessivas condenações inscritas no certificado do registo criminal em menos de dois anos; reveladoras de uma certa indiferença perante uma situação de mera ameaça de reclusão.” mas, salvo o devido respeito, não pode o Tribunal a quo suportar tal consideração quando o arguido nunca foi condenado em qualquer pena suspensa na sua execução e face à qual houvesse tal ameaça de reclusão, havendo contradição insanável com a matéria de facto dada por provada …

L. Refere o Tribunal a quo que as sucessivas condenações são “em menos de dois anos”, … da consulta ao certificado de registo criminal do arguido ressalta, cristalinamente, que a data dos factos relativos à primeira condenação, sofrida nos autos de processo 266/20...., é de 25 de julho de 2020, …

M. Para efeitos da determinação da dosimetria da pena acessória o Tribunal a quo alicerçou a convicção também na “sua postura em audiência (não prestou declarações ou emitiu juízo critico para o sucedido)” mas se tal é válido no tocante à não prestação de declarações em audiência de discussão e julgamento, não deixa de não ser totalmente verdade na parte em que o douto relatório social contém declarações do arguido e permite vislumbrar o que o mesmo pensa dos factos …

N. Julga-se existir contradição insanável entre os dois trechos decisórios constantes do dispositivo sob os pontos 5.12 e 5.13, a fls. 17, que se mostram em mútua exclusão, …

O. … o arguido conduziria o veículo num caminho junto ao n.º ...5 da Rua do ..., não tendo sido interceptado nem visto a conduzir por qualquer elemento policial …

P. Não teve lugar qualquer detenção ou fiscalização no exercício da condução numa via pública ou equiparada …

Q. Mostra-se imputada uma condução pelas 07h10 mas a verdade é que o teste se mostra datado das 07h50, com dilação temporal de 40 minutos, não podendo ser condenado pela condução às 07h10 com tal taxa de álcool …

U. Não poderá constituir fundamento de agravação da pena a existência de antecedentes criminais pelo mesmo crime pois tal existência já foi valorada negativamente/em desfavor sempre em prejuízo do arguido: …

V. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, legalidade e proibição da dupla valoração, o entendimento e dimensão normativa do art. 71º n.º 2 f) CP no sentido “Para efeitos de determinação da medida da pena/dosimetria penal pode o Tribunal atender novamente aos antecedentes criminais do arguido quando os já tenha valorado negativamente/em seu desfavor na operação anterior de escolha da natureza da pena e opção por pena privativa da liberdade, com afastamento de pena de multa”;

W. No tocante à pena acessória, … não mostra proporcional nem adequada …

Z. Temos por violados os princípios da igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito prisional, … quando a danosidade material se mostra in casu diminuta …

…».

Notificado respondeu o Ministério Público …

Neste Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer …

Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido exercido o contraditório.

Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

ÂMBITO DO RECURSO

Nos autos são as seguintes as QUESTÕES a resolver:

- A invocada nulidade por força da alteração não substancial dos factos;

- A omissão de pronúncia;

- O erro de julgamento;

- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável na fundamentação e o erro notório na apreciação da prova;

- A violação do princípio in dubio pro reo;

- O erro na aplicação do direito aos factos;

- O excesso das penas aplicadas.


II. Sentença recorrida (transcrita na parte ora relevante)

2.1. Factualidade provada

2.1.1. No dia 08 de abril de 2023, cerca das 07 horas e 10 minutos, o arguido … seguia aos comandos do veículo ligeiro de passageiros …, num caminho junto ao n.º ...5 da Rua …, após ter ingerido bebidas alcoólicas que o viriam a colocar com uma taxa de álcool de 2.171 gramas por litro de sangue (TAS).

2.1.2. Ao fazê-lo o arguido agiu voluntária e conscientemente …, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, o que conseguiu e desejou.

2.1.3. Bem sabendo da censurabilidade criminal da sua conduta, o que não o demoveu de atuar do modo descrito.

2.1.4. O arguido nas circunstâncias mencionadas em 2.1.1) foi encontrado no interior da sua viatura sozinho, no lugar do condutor, com evidente perda de equilíbrio, de estabilidade emocional e um forte odor a álcool.

2.1.5. A viatura automóvel por si conduzida viria a ser imobilizada por si num local acessível a partir da estrada nacional, por uma rua e caminho acessível ao público ali existente e de onde proveio, cujas margens que delimitavam o traçado iria galgar e assim atascar a viatura conduzida num terreno de natureza agrícola e de cultura ali existente, onde viria a ser detido.

2.1.7. São conhecidos ao arguido os seguintes antecedentes criminais:

a) condenado por sentença transitada em julgado a 05.05.2021 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 7,00 € e na pena de 4 M e 15 D de inibição de conduzir, declaradas extintas pelo cumprimento.

b) condenado por sentença transitada em julgado a 05.01.2022 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6,50 € e na pena de 6 M de inibição de conduzir, declaradas extintas pelo cumprimento.

c) condenado por sentença transitada em julgado a 28.11.2022 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de violação de proibição, imposições e i...

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