Acórdão nº 1274/21.9T8TVD.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-07-07

Ano2022
Número Acordão1274/21.9T8TVD.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. No âmbito de processo de Recurso de Contraordenação, com intervenção do Tribunal Singular que corre termos pelo Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Torres Vedras, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, sob o nº 1274/21.9T8TVD, após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em 09-02-2022, com a refª 151558674, relativamente à acoimada Vimarcel - Gestão Imobiliária, S.A., através da qual a mesma foi condenada nos seguintes termos (transcrição):
“V. DECISÃO
Em face de tudo o exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente impugnação judicial e, em consequência, mantenho nos seus precisos termos a decisão administrativa proferida em 27 de Maio de 2021, pelo Núcleo da GNR de Investigação de Crimes e Contraordenações Ambientais, nos autos de Contraordenação com o n.º 23448/2019 que condenou a arguida/recorrente VIMARCEL – GESTÃO IMOBILIÁRIA, SA, pela prática de uma contraordenação, prevista e punível, pelo n.º 19º do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 124/06 de 28 de junho, alterado pelos Decretos-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro e 83/2014, de 23 de maio e pela alínea o) do n.º 2 do art.º 38.º, e pelo n.º 1 do art.º 38.º com coima de € 1 600,00 a € 120 000,00 para o ano de 2019, na sua redação actual conjugado com o n.º 2 do Artigo 163.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (LOE), no caso de pessoa colectiva, todos do mesmo diploma, no pagamento de uma coima no montante de € 1 600,00 (mil e seiscentos euros) e nas custas do processo (administrativo) que foram fixadas em € 153,00 (cento e cinquenta e três euros).
Custas pela arguida/recorrente fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s (artigo 8.º e Tabela III anexa ao RCP).
Comunique à autoridade administrativa, nos termos do art.º 70º, nº 4, do DecretoLei nº 433/82, de 27/10, na redacção aplicável, enviando-se cópia.
Notifique.
Deposite e dê baixa dos presentes autos na estatística oficial.”
II. Inconformada, veio a acoimada interpor recurso em 21-02-2022 com a refª 11990669 através do qual oferece as seguintes conclusões:
“A. Na sentença proferida pelo tribunal «a quo», este violou o princípio da vinculação temática, uma vez que considerou, no acervo de factos provados, o seguinte facto provado, que não constava da acusação: “40. A arguida/recorrente ao agir pela forma supra descrita representou como consequência possível dessa conduta o preenchimento do ilícito contraordenacional em causa e atuou conformando-se com tal realização.’’.
B. O referido facto provado refere-se ao entendimento do tribunal quanto ao preenchimento, pela arguida, do elemento subjetivo da norma,
C. Elemento que se encontrava em falta na decisão-acusação, tendo sido inclusivamente mais um fundamento de impugnação judicial da decisão, uma vez que a decisão-acusação proferida sem qualquer referência ao elemento subjetivo é nula, nos termos conjugados dos artigos 58.º, n.º 1, alínea b), RGCO e 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP, aplicável ex vi do artigo 32.º do RGCO.
D. Face a uma tal nulidade, deveria o tribunal tê-la reconhecido expressamente, daí extraindo as legais consequências ou, em alternativa, ter recorrido ao mecanismo da alteração substancial ou não substancial dos factos, previsto nos artigos 358.º e 359.º do CPP, aplicável aos presentes autos ex vi do artigo 32.º do RGCO.
E. Ao invés de, como sucedeu, procurar sanar a nulidade em sede de sentença, de forma pouco clara.
F. Neste sentido já se pronunciou diversa jurisprudência, de que é exemplo o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 16.03.2017, proferido no âmbito do processo n.º 9507/12.6TDLSB-9, onde se pode ler que “3. A actividade cognitiva e decisória do Tribunal está estritamente limitada pelo objecto da acusação... A isto se chama o princípio da vinculação temática. 4. Não cabe ao Juiz do Julgamento, fora do disposto no artº 358º e 359º do CPP, andar a esmiuçar os factos para completar/salvar uma acusação insuficientemente produzida. 5. A sanação de uma acusação insuficiente na fase de julgamento só pode ter lugar através de uma alteração substancial dos factos".
G. Só assim se evitaria que o tribunal emitisse uma decisão - surpresa, com factos relativamente aos quais a arguida não teve oportunidade de se pronunciar, como aqui sucedeu.
H. O tribunal «a quo», ao proceder da forma descrita, incorreu na nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea b), porquanto decidiu condenar a arguida “por factos diversos dos descritos na acusação’’, “fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359°’.
O tribunal «a quo» considerou provado, como facto provado 2, que “Foi verificado pelo agente autuante e ora testemunha, a exercer funções no NPA de Torres Vedras, que em 15 de agosto 2019, pelas 17H07, no terreno inscrito a favor da arguida/recorrente, na matriz predial rústica sob o artigo 83º, secção "J", Casal da Valentina, freguesia de União das Freguesias de Maxial e Monte Redondo, concelho de Torres Vedras, distrito de Lisboa, a arguida, não procedeu à constituição da faixa de gestão combustível de 50 metros, em torno das edificações isoladas (20m), em terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais ocupados com floresta, matos ou pastagens naturais, existindo assim estrato arbóreo (Eucaliptos de segunda ou terceira rotação).”.
J. Considerando posteriormente, como facto provado 16., “Que o povoamento de eucaliptos, à data dos factos, apresentava-se sem distanciamento de 10m entre copas, na faixa secundária de gestão dos combustíveis de 50 e 100m, dependendo das circunstâncias particulares (Edificações isoladas ou aglomerados urbanos))’.
K. Inexiste nos autos qualquer prova que permita fazer tal afirmação
L. As fotografias juntas aos autos não permitem, por si só, efetuar tal afirmação, uma vez que não estão associadas a qualquer aparelho de medição com escala.
M.Os agentes que prestaram declarações em sede de audiência de julgamento, designadamente os agentes SH____ e F_ afirmaram, ambos, que não efetuaram qualquer medição no local, tendo-se limitado a observar «a olho».
N. Questionados especificamente sobre a forma como é que, então, conseguiram apurar essas medidas referidas nos factos provados 2. e 16., tendo em conta que não efetuaram qualquer medição, as referidas testemunhas afirmaram que tal medição foi efetuada com recurso ao Google Earth.
O. Não explicaram, porém, como é que efetuaram essa medição através de um website informático, porque é que essa medição substitui a medição pelos meios de medição tradicionais e, ainda, não juntaram qualquer prova dessa medição aos autos, não sendo, para esse feito, suficiente o printescreen do Google Earth junto, pois o mesmo não faz referência à medição, nem à escala aplicável.
P. E, ademais, a verdade é que em momento algum, quer dos factos provados, quer da respetiva motivação, se refere na acusação ou na decisão do «tribunal a quo» esse instrumento de medição.
Q. Sobre o facto provado 16., e após ser questionado sobre as formas de medição utilizadas, a testemunha F_ afirmou que a ausência de uma distância de 10 (dez) metros entre as copas das árvores era visível «a olho», bastando olhar para cima.
R. Contudo, considerando que o olho humano não é, ainda, dotado de qualquer régua que permita medir distâncias, e ademais quando existem métodos de medição suficientes e acessíveis, não pode aceitar-se a condenação de um sujeito num estado de direito com base neste tipo de afirmações e «medições».
S. Por outro lado, o é notório que o tribunal «a quo» desconsiderou por completo as declarações do representante legal da arguida, e da testemunha arrolada, sobre as mesmas não tecendo qualquer consideração, muito menos as apreciando criticamente, com recurso às declarações prestadas.
T. Assim, e face à ausência de prova existente no processo, jamais poderia o tribunal «a quo» ter dado os referidos factos como provados.
U. Tais factos, note-se, varrendo-se do caminho o conjunto de «factos» que não são verdadeiros factos, mas antes relatório e enunciação de meios de prova, que constam da decisão condenatória de que se recorre, constituem factos essenciais, que permitiriam o preenchimento dos elementos objetivos da infração em causa, a saber, a violação do artigo 19.º, n.º 15, do Decreto - Lei n.e 124/2006, de 28 de junho, conjugado com o ponto I., alínea a) do respetivo Anexo.
V. Mas que, após correta valoração e apreciação da prova, resultarão como não provados, e levarão à absolvição da arguida, por inexistência de prova da invocada e alegada infração.
W. Ainda que assim não se entendesse de forma cabal, certo é que, num processo em que o ónus da prova dos factos relevantes para a decisão recai sobre o Ministério Público (artigo 71 º, n.º 1, do RGCO), a situação descrita é mais do que suficiente para sustentar uma dúvida razoável quanto à prática da infração pela arguida.
X. E, decorrendo do princípio in dúbio pro reo, que em situações de dúvida razoável, como a dos autos, deve o tribunal decidir-se a favor do arguido, jamais poderia subsistir a condenação proferida pelo mesmo tribunal.
Y. Porquanto a mesma encerra, nos exatos termos em que foi proferida, uma violação do referido princípio.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V/Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado totalmente procedente, e, em consequência, anular-se a decisão recorrida, sendo a mesma devolvida ao tribunal, ou, assim não se entendendo, alterando a mesma decisão, sem qualquer vinculação, nos termos do artigo
75°, n.º 2, al. a) do RGCO.”
III. O recurso foi admitido por despacho de 16-03-2022, com a refª 151982398,
tendo sido fixado efeito suspensivo.
IV. Respondeu o MºPº em 30-03-2022, com a refª 12155061 pugnando pela improcedência do recurso, não tendo
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