Acórdão nº 1265/22.2T8SNT-A.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-09

Ano2023
Número Acordão1265/22.2T8SNT-A.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

SML intentou ação declarativa de condenação contra EA, pedindo:

a.- seja decretado a anulação do testamento e escritura de doação outorgados pela Benemérita em prol da Ré, por configurarem negócios usurários, ao abrigo do art.º 282.º, n.º 1, do Código Civil;

b.- subsidiariamente, seja decretado a nulidade do testamento e da escritura de doação outorgados pela Benemérita em prol da Ré, por constituírem uma ofensa aos bons costumes nos termos do art.º 280.º, n.º 2, do Código Civil.

c.- seja ordenado, por via da anulação ou da nulidade que supra se requer, o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré e de quaisquer outros posteriormente levados a efeito sobre os imóveis descritos na escritura de doação outorgada pela Benemérita em prol da Ré, que ora discriminam:

i.- Prédio urbano situado na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, da dita freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o artigo ..;

ii.- Prédio urbano situado na …, descrito na Segunda Conservatória do registo Predial de … sob o número …, inscrito na matriz predial da freguesia de …. sob o artigo 3100 (anteriormente sob o artigo … da extinta freguesia de …).

d.- Seja ordenada a restituição à herança de todos os bens (ou o respetivo valor em dinheiro) e valores indevida e ilicitamente recebidos ou utilizados pela Ré, cuja liquidação, por incerteza atual quanto aos respetivos montantes, se relega para execução de sentença.”

A R. apresentou contestação, por exceção e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

A A. pronunciou-se quanto às exceções, pugnando pela sua improcedência.

Em 26/06/2022 foi proferido despacho do seguinte teor:

“Vistos os autos na ótica do seu saneamento, configura-se a possibilidade de conhecimento do mérito, parcial, da causa nesta fase processual, concretamente, no que concerne ao pedido formulado em d), do petitório final da petição inicial; considerando a factualidade alegada, designadamente, em 60º a 73º, da petição inicial.

Várias questões se colocam.

Designadamente, que os casos que permitem a formulação de pedido genérico são taxativos (cfr. art. 556º, do Código de Processo Civil); e que, pressuposto da condenação na indemnização que se vier a liquidar (arts. 358º, nº 2 e 609º, nº 2, ambos, do C.P.Civil) é que se tenham provado danos, mas, apenas, não, o seu montante; ao que acresce que a devida alegação de factos integrantes da causa de pedir não se basta com a colocação de hipóteses ou com a afirmação de circunstâncias que poderão indiciar (ou não) a existência de factos; factos, esses, não invocados pelo demandante na petição inicial.; sendo certo que uma ação judicial cível também não se destina ao desenvolvimento de atividade investigatória, pelo Tribunal, tendente a averiguar da existência de factos que haviam de ter sido alegados pelo autor na sua petição inicial; e que, na verdade, não o são.

Nestes termos, determina-se a notificação das partes para, querendo, alegarem, por escrito sobre a matéria; sem prejuízo de, se assim o entenderem, requererem a realização de audiência prévia (cfr. art. 591º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil).

Prazo: 10 (dez) dias.

Notifique.”

A A. pronunciou-se nos seguintes termos:

(…)8.- Ainda assim, a Autora indicou tanto danos quantitativos sofridos – por exemplo, a diminuição do saldo bancário da titularidade da Benemérita, no espaço de dois ou três anos, em cerca de 400.000,00€ (parágrafo 62º da PI); a diminuição do saldo bancário da titularidade da Benemérita, na véspera do seu finamento, em cerca de 40.000,00€ (parágrafo 64 da PI), como os prejuízos dependentes de quantificação – por exemplo, o montante despendido pela Ré na aquisição de automóvel próprio e oferecido à sua filha (parágrafo 66º da PI) e o valor de aquisição de um imóvel situado na região de … (parágrafo 67º da PI) –, que forçosamente terão de ser liquidados ao abrigo do disposto nos artigos 358.º, n.º 2 e 609.º, n.º 2, ambos do CPC.

9.- Neste enfiamento, a Autora contesta que lhe seja imputada a ausência de “factos integrantes da causa de pedir” respeitantes aos danos sofridos na medida em que a leitura dos parágrafos 60º a 73º da PI, que mereceram particular atenção do douto Tribunal, deverão – salvo melhor opinião – ser apreciados em conjugação com a demais factualidade vertida na PI, da qual deve resultar, grosso modo, que o prejuízo ou dano capital reivindicado pela Autora corresponde ao seu afastamento de herdeira universal da Benemérita em função do aproveitamento levado a cabo pela Ré da situação de debilidade ou dependência da Benemérita, que ultrapassou os limites legais, ora por via da usura, ora por via da ofensa aos bons costumes. (sublinhado nosso)

10.- Dito de outro modo, a leitura – por exemplo – dos parágrafos 24º, 60º a 73º, e 90º permitem, na visão da Autora, deduzir o referido dano sofrido.

11.- Acresce expor que a Autora discorda de que a factualidade descrita nos parágrafos 60º a 73º da PI seja meramente indiciária, visto que uma narrativa mais detalhada se encontra obstaculizada ora por estar na esfera jurídica da Ré, ora pelo sigilo bancário, senão vejamos dois breves exemplos.

12.- Primeiro, a Autora fixou que o saldo bancário da titularidade da Benemérita, como parte integrante do acervo hereditário que a Autora reivindica ter direito, diminuiu, por aproximação, a quantia de 440.000,00€ (vide parágrafos 62º e 64º da PI).

13.- Ou seja, a Autora determinou um dano (diminuição do acervo hereditário) e o respetivo quantum totalmente desprovido de conotação hipotética (por exemplo, a Autora não expôs que o referido valor situava-se entre x e y), admitindo-se, porém, que a determinação não foi certa pois os valores exatos se encontram no conhecimento da Ré – que, desde já, se requer a V.ª Ex.ª que convide a Ré para, em sede de contraditório e a título de cooperação, esclarecer a (in)veracidade do referido dano e respetivos valores – ou na posse da instituição financeira competente, razão pela qual foi suscitada a intervenção do douto Tribunal para decretar o levantamento do sigilo bancário. (sublinhado nosso)

14.- Segundo, a Autora fixou que o saldo bancário da titularidade da Benemérita, como parte integrante do respetivo acervo hereditário que a Autora reivindica ter direito, diminuiu em função da aquisição de dois automóveis em prol da Ré e sua filha, desconhecendo-se o valor exacto (vide parágrafo 66º da PI), a não ser mediante a cooperação da Ré ou levantamento do sigilo bancário, nos termos referidos no ponto anterior.

15.- Desta feita, a Autora entende – salvo melhor opinião – que narrou factos considerados nucleares e, em momento algum, teve intenção de instrumentalizar o Tribunal a quo para efeitos de atividade investigatória.

16.- Na verdade, a Autora pretendeu apenas suscitar a intervenção judicial ao abrigo do princípio cooperação que, em razão da soberania que lhe é constitucionalmente atribuída, pode exigir – in casu – que as instituições financeiras competentes prestem as informações essenciais para a boa decisão da presente causa, tendo em conta que a Autora se encontra impedida de conhecer o património global que defende ter direito a receber pela conduta realizada pela Ré nos últimos anos de vida da Benemérita.

17.- Não obstante e por mera cautela de patrocínio, a Autora, tendo sido (para sua elevada surpresa) confrontada com uma espécie de despacho pré-saneador em que foi deduzida a não existência de factos, invoca diante de V.ª Ex.ª que seja proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico da PI nos termos e limites legais, sob pena de violação do principio constitucional da tutela jurisdicional efetiva e denegação da justiça por via da “omissão de ato que influi na decisão de causa”, arguindo-se – mais uma vez por cautela de patrocínio e atenta a discussão doutrinária por sanar – a nulidade daquela omissão nos termos conjugados do art.º 195.º, n.º 1, e 197.º n.º 1, ambos do CPC.

Em face do exposto, a Autora requer a V.ª Ex.ª que:

i.- seja admitido que “o pedido formulado em d), do petitório final da petição inicial, considerando a factualidade alegada, designadamente, em 60º a 73º, da petição inicial” esteja em conformidade legal, uma vez clarificadas supra as questões elevadas pelo douto Tribunal no despacho que precede, aguardando-se o prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.

E, por mera cautela de patrocínio,

ii.- seja proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico da PI nos termos do disposto nos artigos 590.º, n.º 2, alínea b), n.º 4 e n.º 6, e 265.º, todos do CPC, sob pena de denegação da justiça por via da “omissão de ato que influi na decisão de causa”, arguindo-se - desde já por cautela - a nulidade daquela omissão nos termos conjugados do art.º 195.º, n.º 1, e 197.º n.º 1, ambos do CPC.”

A R. pronunciou-se, pugnando pela sua absolvição do pedido.

De seguida foi proferido despacho saneador que julgou improcedente o pedido elencado na alínea d), dele absolvendo a R., e determinado o prosseguimento dos autos relativamente aos demais, com delimitação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

A A. recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

A)–Sustenta a Autora - ora Recorrente - a presente ação no facto de a Ré, através de práticas usurárias e ofensivas dos bons costumes, ter sido designada como única e universal herdeira de uma Benemérita da Autora - FP -, afastando-a dessa mesma qualidade de sua herdeira universal.

B)–No douto Despacho Saneador de 18 de outubro p.p. - de que aqui se recorre foi considerado improcedente o pedido da Autora no sentido de que fosse “ordenada a restituição à herança de todos os bens (ou o respetivo valor em dinheiro) e valores indevida e ilicitamente recebidos ou...

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